Trabalho em dupla fortalece amizade e respeito no barco (foto: Arquivo Pessoal/ Rodrigo Inácio)
Dentro dos 190 barcos participantes da 35ª Rolex Ilhabela Sailing Week encontravam-se velejadores de todas as idades. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e até mesmo os que já beiram a aposentadoria no esporte, participaram do maior evento de vela Oceânica da América Latina entre os dias 6 e 12 de julho, na Ilhabela, litoral norte de São Paulo.
E o começo da maioria na vela é quase sempre o mesmo: desde muito novo, passando por diversas classes, mas uma das mais importantes passagens é pela classe Snipe.
Em um barco de 4,72 metros com duas velas, a buja, controlada pelo proeiro, e a principal ou grande, controlada pelo timoneiro, a disputa na Snipe é sempre igual, já que todos os barcos têm as mesmas medidas, ou seja, é um monotipo, comandado por duas pessoas, apenas.
E esta classe pan-americana teve vários representantes na Semana de Vela de Ilhabela, como a dupla Marcelo Bellotti e Eduardo Molina, o Duda. Fazendo parte da tripulação do Timberland/ Montecristo, da classe ORC Internacional 500, durante o evento na primeira semana de julho, os garotos começaram na classe Optimist, embarcação usada para iniciação na vela, ainda crianças, e após dez anos na Snipe, compartilham alguns momentos na vela Oceânica.
Nós começamos a velejar separados. Eu com sete anos e o Duda com treze, ainda na Optimist, e quando eu tinha 15 anos deixei a classe e fui para a Snipe. Era proeiro e fui aprendendo a velejar até comprar o meu primeiro barco, relembrou Bellotti.
Ele conta que Duda Molina tinha certo destaque na Optimist quando mais novo, e ele já estava alcançando bons resultados no esporte quando uniram suas forças na Snipe, considerada uma das mais técnicas classes, já que a competição é de igual para igual. Todos os barcos têm as mesmas medidas e a disputa é vencida por quem termina em primeiro, e não como na vela Oceânica, em que os barcos divergem muito em suas dimensões e potência e o vencedor é tido após uma correção de tempo, de acordo com cada categoria.
Força brasileira – E o Brasil tem uma das maiores flotilhas do mundo na categoria, tornando-se uma referência de qualidade em formação de velejadores. No mundial, entre os dez primeiros sempre tem cerca de cinco duplas brasileiras, comentou Marcelo.
Juntos há dez anos, Bellotti e Duda Molina foram campeões sul-americanos de Snipe, em 2003, Brasileiro, em 2004, terminaram dois Mundiais entre os dez primeiros, além de terem sido vice-campeões do Mundial da categoria Lightning. A Snipe, por ser forte no Brasil, prepara para diversas categorias. É a melhor classe para treino, explicou o tático do Montecristo.
Duda ressalta que todas as teorias e técnicas da Snipe podem ser aplicadas na Vela Oceânica. A regulagem de vela, a forma de velejar, a largada, enfim, dá para trazer tudo da Snipe e aplicar aqui, disse ele sobre os grandes barcos da ORCi 500.
Mas a Rolex Ilhabela Sailing Week tinha outros representantes da Snipe disputando no mar de Ilhabela. Rodrigo Inácio, grinder do barco campeão da ORCi 500 no evento, o Mitsubishi Motors/ Gol, e Rafael Gagliotti, trimmer e tático do Cauê, que correu pela HPE25, têm história na categoria tida como a formadora de todas as categorias.
Eu comecei a velejar aos seis anos, mas aos 14 iniciei na Snipe, por influência do Rafael, que me apresentou o barco, conta Rodrigo, hoje com 20 anos, que é vice-campeão brasileiro na categoria Junior, velejando ao lado de André Couto, companheiro de Rafael na HPE25, durante a Semana de Vela de Ilhabela. Ele lembra que a maioria dos grandes velejadores do país já conquistaram títulos mundiais na Snipe, como Torben Grael e Robert Scheidt.
Há sete anos na Snipe, com Henrique Gomes, Rafael e seu companheiro inciaram há dois anos também na classe 49er, que é uma classe olímpica desde Sidney-2000. Na Snipe, a dupla já foi vice-campeã brasileira em 2008, medalhista de bronze no sul-americano de 2007 e terceira colocada na seletiva dos Jogos Pan-americanos.
Dois barcos – Infelizmente na vela não conseguimos com o mesmo barco participar do Pan-americano e da Olimpíada, mas são objetivos muito fortes do patrocinador, então temos que partir para dois barcos diferentes e ambos de dupla, disse Gagliotti.
Rodrigo destaca sua preferência por regatas de Snipe pela competitividade entre os velejadores e pela qualidade técnica das disputas. O monotipo acaba se tornando mais gostoso porque todos os barcos são iguais e quem chegar na frente, vence. E além disso, é mais difícil controlar tudo dentro do barco em duas pessoas e por isso, por essa dificuldade, a classe acaba formando velejadores de alto nível, que o oceano não forma, completou Rafael.
E além de toda técnica e preparo que a classe Snipe exige dos velejadores, há mais coisas importantes que a dupla precisa ter dentro do barco para que realizem sempre um bom trabalho: amizade e paciência.
Eu sou muito nervoso, explosivo, e o Duda é mais calmo e sempre consegue me acalmar, usa um bom jogo de palavras e, às vezes, é uma virtude maior do que saber velejar muito, é usar a cabeça, ser um cara inteligente, ressaltou Marcelo Bellotti.
A gente precisa falar algumas coisas, mesmo que não seja verdade, temos que dar um jeitinho de acalmar, completou Duda Molina.
Bellotti diz ainda sobre o complemento que os velejadores fazem dentro do barco. Um entende mais de manobra, outro de shape de vela, e assim vamos nos completando.
Para a dupla, todo o trabalho realizado dentro da Snipe, no que diz respeito à tolerância, amizade e responsabilidade, pode ser usado dentro das outras categorias também, como a vela oceânica. Precisamos fazer eles (tripulantes do Timberland/ Montecristo) acreditarem que vai dar certo, confiarem no nosso trabalho, e também fazerem o trabalho deles, explicou Molina.
Lá (Snipe) são duas pessoas, aqui (Oceânica) são doze. Temos que chamar a nossa responsabilidade na hora certa para que todos possam confiar no nosso trabalho. Temos que saber ser agressivos e brigões e também ser os caras gente boa, que concordam com todo mundo. Dá para comparar com o dia-a-dia de uma empresa, finaliza Belloti.
Este texto foi escrito por: Lilian El Maerrawi