Os atletas devem saber respeitar os seus limites e também e prezar pela própria segurança. (foto: Arquivo pessoal)
Ele sempre gostou de esportes e do contato com a natureza. Em 1982, formou-se médico pela Universidade de São Paulo, sem nunca deixar de lado nenhuma dessas práticas. Depois de experiências com o Corpo de Bombeiros, grupos de resgate, além de uma especialização em neurocirurgia, acabou unindo sua profissão aos esportes de aventura.
O doutor Clemar Corrêa da Silva é hoje o maior especialista médico de provas de aventura do Brasil. Em 1993, participou de seu primeiro grande evento, o I Rally dos Sertões. Desde então, passou a estudar este tipo peculiar de prática da medicina, onde o ambiente, as distâncias e a necessidade dos pacientes diferem muito das encontradas num grande hospital.
Como conseqüência destes estudos, e da prática de técnicas que se mostraram eficazes, o médico passou a ser chamado para chefiar a equipe médica de outros grandes eventos, como a Expedição Mata Atlântica (EMA), maior corrida de aventura da América Latina.
Simples, e um apaixonado pela profissão, doutor Clemar é uma referência tanto para organizadores de prova quanto para os atletas, incluindo provas importantes como Eco-Challenge ( em 1999 e 2000) e Southern Traverse, na Nova Zelândia ( em 1999) e Rally Paris-Dakar ( em 1999 e 2000).
Dificuldades em lugares inóspitos, luta contra o tempo, momentos de impotência, preocupações com a estrutura. Além de poeira, sol, paisagens exuberantes, situações inesperadas. Acompanhe a partir de agora, no Aventura Brasil, as histórias deste legítimo doutor em aventura!
Do asfalto para trilhas ou matas, muitas dificuldades se ampliam para a prática da medicina. As distâncias, a dificuldade para percorrê-las, os limites impostos pela natureza transformam-se em fatores que exigem técnica, coragem e consciência de que nem sempre é possível vencer a batalha
Aventura Brasil – Qual a principal diferença entre a medicina num hospital e a medicina praticada durante uma prova de aventura?
Dr. Clemar – Ser médico no meio de uma prova como a EMA ou o Rally dos Sertões, apresenta dificuldades muito diferentes do que a medicina numa grande cidade. Embora o resgate de uma pessoa no meio das ferragens, por exemplo, seja uma situação limite, há fatores que só interferem nas provas de aventura. O principal deles: as imposições da própria natureza
Aventura Brasil – Quais são as principais dificuldades enfrentadas por uma equipe médica nestas provas?
Dr. Clemar – Em primeiro lugar, a comunicação é geralmente muito difícil nos lugares onde estas provas acontecem, embora essencial para o trabalho médico. É muito importante para a equipe saber o mais rápido possível o que está acontecendo. Para isso, surge a necessidade de uma estrutura específica para esta comunicação.
Em grandes provas, atualmente, os competidores já contam com aparelhos que têm como função a comunicação (sistemas especiais por satélite) e a possibilidade de localização (GPS, por exemplo). Porém, o risco que faz parte da prática de qualquer esporte de aventura não desaparece apenas com presença desses equipamentos.
Eles são muito importantes, mas seu uso nem sempre significa que conseguiremos chegar com facilidade ao atleta. Ao contrário, mesmo com helicópteros de alta performance, corremos o risco de não conseguirmos fazer o resgate numa montanha, por exemplo. Há locais onde é impossível chegar e situações em que até o atleta, ou aventureiro, sabe que não poderá ser salvo. Enfim, limites muito complicados para a nossa atuação.
Minutos, segundos e horas podem separar médico e paciente, transformando-se em fatores determinantes. Numa corrida de aventura, a luta contra o tempo é ainda maior. Uma das situações citadas por doutor Clemar como de maior estresse aconteceu no acidente do piloto Paulo Roberto Salles no último Rally Internacional dos Sertões.
Aventura Brasil – Qual foi a situação mais estressante que o senhor encontrou nas provas das quais participou?
Dr. Clemar – Há muitas situações estressantes, mas acho que a pior delas foi o acidente do Paulo Roberto Salles, no último Sertões. Nós demoramos, de helicóptero, quase meia hora para chegar ao local do acidente e ainda o encontramos vivo . Percebemos desde o início que a situação era grave e que, embora equipados, precisaríamos da estrutura de um hospital para salvá-lo. Porém, o hospital mais próximo ficava em Brasília e levaríamos 45 minutos para chegar, mesmo estando literalmente voando. Fizemos tudo o que era possível mas acabamos perdendo a luta.
Aventura Brasil – E qual foi a sua sensação neste momento?
Dr. Clemar – A sensação num momento desses é de tristeza e frustração. Nós sabemos que, devido aos riscos naturais desses esportes, aliados a todas as dificuldades para o nosso trabalho, existe a possibilidade de perdermos alguma batalha. Isso não tem acontecido com freqüência, mas é uma coisa para a qual devemos estar preparados. Só é difícil não sentir muito quando algo assim acontece.
Aventura Brasil E numa corrida de aventura, qual é o momento de maior estresse para os médicos?
Dr. Clemar – Fico muito estressado quando um atleta some e a gente não sabe exatamente onde ele pode estar. Numa corrida de aventura, os riscos são muitos. Embora não existam registros deste tipo de ocorrência, se o atleta for picado por uma cobra cascavel ou coral, por exemplo, precisará ser tratado com urgência. A mesma coisa no caso de uma hipotermia mais séria. Mais uma vez, o tempo será o grande adversário.
Além de cuidar para que a vida dos atletas seja preservada, os médicos numa prova de aventura têm uma outra função, muito importante para os competidores: fazer os “reparos” necessários para que eles, mesmo com algum pequenos problemas, possam prosseguir na aventura
Aventura Brasil – Além dos resgates, que outros trabalhos os médicos fazem em competições como a EMA ou Rally dos Sertões?
Dr. Clemar – Na verdade, a nossa grande função é fazer com que esses atletas consigam terminar a prova, mesmo se tiverem algum tipo de problema. Exemplos disso é o tratamento que sempre temos que fazer aos pés de alguns competidores, assaduras e em alguns casos, até fraturas.
Aventura Brasil – Mas os atletas conseguem prosseguir, mesmo com esses ferimentos?
Dr. Clemar – O que eles mais querem é ter condições de terminar a prova. No último Rally dos Sertões, um piloto português rodou quilômetros com um pulso quebrado. A vontade dessas pessoas é muito grande.
Aventura Brasil – Quando o médico interfere para que o atleta saia da prova?
Dr. Clemar – Toda vez em que o ferimento for algo que possa colocar a sua vida em risco. Sempre que algum orgão for atingido, por exemplo. Na maioria das vezes, porém, o próprio atleta percebe que não tem condições de continuar.
Além da equipe médica, os próprios atletas podem tomar alguns cuidados e adotar procedimentos que minimizam os acidentes e problemas físicos. Doutor Clemar explica como é possível competir com menos riscos e uma possibilidade maior de chegar bem, e inteiro, ao final de uma aventura
Aventura Brasil – Que tipos de cuidados os atletas e aventureiros devem tomar para diminuir os riscos?
Dr. Clemar – Em primeiro lugar, é preciso que o atleta esteja fisicamente preparado. Sem este preparo, o que era para ser uma aventura pode se transformar num grande sacrifício e os riscos de lesões também aumentam de maneira considerável.
Também é preciso dominar as técnicas dos esportes que irá praticar. Numa corrida de aventura, por exemplo, é preciso ter pelo menos o conhecimento básico da técnica de cada modalidade. Além disso, outro ponto chave é um bom domínio de navegação e orientação. O fato dos atletas se perderem aumenta os riscos e as dificuldades para um eventual resgate.
Aventura Brasil – Preparo psicológico também é importante?
Dr. Clemar – É algo muito importante. Haverá momentos durante a competição em que será necessária muita consciência, muito equilíbrio psicológico. Mesmo numa situação de perigo, o atleta precisará conseguir pensar com clareza para adotar os procedimentos corretos.
Tomando esses cuidados, os atletas estarão contribuindo para a própria saúde e conseguirão viver grandes e boas aventuras, mesmo com as naturais dificuldades. Os riscos sempre estarão presentes, mas poderão oferecer menos perigo para essas pessoas que colocam em prática o seu espírito de aventura.
Este texto foi escrito por: Débora de Cássia