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Coluna de Cicloturismo: Encontro Nacional promove debates, palestras e cursos


Palestras e cursos com temas variados (foto: Arquivo Pessoal/ Eliana Garcia)

Antes de contar sobre o Encontro de Cicloturismo, faço um brevíssimo resumo da evolução do cicloturismo no Brasil para acompanhar como chegamos até aqui, num evento que reuniu entusiastas de norte a sul do país, com participantes de mais de dez estados diferentes.

Desde que as primeiras bicicletas (ou melhor velocipedias) desembarcaram no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, já começaram a ser realizados os primeiros passeios com intuito de lazer e integração, aos finais de semana. Isso é bem descrito no livro “Pedalando na Modernidade”, de André Schetino (veja mais no site do Clube de Cicloturismo). Ou seja, aqui no Brasil, como no resto do mundo, uma das primeiras utilizações da bicicleta que se tem notícia foi para passeios, hoje conhecido por nós com o nome de cicloturismo. Saber quem foi o primeiro, ou primeira, cicloturista do Brasil a realizar grandes distâncias com pernoites já é tarefa mais complicada, que vai exigir uma pesquisa direta na fonte, em jornais e arquivos da época. E até onde sabemos ninguém ainda produziu tal pesquisa no país.

Desde estes dias até hoje, inúmeros aventureiros se lançaram na estrada, com as bicicletas e equipamentos disponíveis à época de cada um. Um destes que se tem registro foi em 1927, um baiano que foi de Salvador até Nova York em dois anos. Nestes tempos bicicleta era ainda “bicycletta”.

Nos anos 70, com a fabricação das bicicletas tipo de estrada, Caloi 10 e Monark 10, contando com as então surpreendentes e modernas 10 marchas, mais gente se lançou à estrada. No início dos anos 80 surgiram os primeiros nomes famosos, com viagens internacionais, entre eles o mineiro Zé do Pedal (até hoje na ativa, cruzou recentemente a África num kart a pedal).

Explorar novas regiões – Mas o cicloturismo ganhou força mesmo foi com a chegada das bicicletas mountain-bike, no final dos anos 80. Aí sim as estradas de terra puderam ser aproveitadas e as regiões mais afastadas exploradas. Circulava nesta época a extinta Revista Bicisport, que trazia sempre algum artigo de viagem (minha primeira publicação foi na Bicisport em 1989, com uma viagem pela Transpantaneira e Chapada dos Guimarães). O próprio termo cicloturismo foi sedimentado neste período.

Nos anos 90 apareceram outros brasileiros a dar a volta ao mundo como o Davi Cruz (do livro Atravessando Fronteiras Aventuras de um Ciclista Trotamundo) e Antonio Olinto (do livro Guidão da Liberdade).
Mais ou menos no início dos anos 2000 começaram a surgir os primeiros grupos de pedal e associações, entre elas nosso Clube de Cicloturismo, de 2001. De lá para cá o cicloturismo se expandiu e se popularizou, saindo do âmbito de poucos aventureiros para atingir um público bem maior. Os cicloturistas passaram a procurar a s rotas definidas para percorrer, mesmo estas sendo planejadas para o caminhante, entre elas o Caminho da Fé, entre MG e SP. Em 2006 surge o primeiro roteiro especificamente planejado para bicicletas, o Circuito Vale Europeu. Numa parceria entre o Clube de Cicloturismo e as prefeituras locais, traçamos a rota de 350km.

Pode ser considerado um marco no cicloturismo brasileiro, e tem sido modelo para implementação de diversas outras rotas, entre elas o Circuito Costa Verde e Mar, de 2008. Com certeza muitas outras virão, pois temos no Brasil uma infinidade de atrativos naturais, culturais, gastronômicos, arqueológicos, entre outros, em regiões propícias para uma aventura a pedal. Digo aventura porque o cicloturismo aqui tem uma característica diferente da Europa, por exemplo, onde as viagens são quase uma parte do turismo tradicional, onde famílias viajam juntas por ciclovias. No Brasil as viagens de bicicleta são mais caracterizadas como uma forma de ecoturismo, realizadas distante da urbanização e em contato maior com a natureza, mas que pressupõe maior dose de planejamento e também de um melhor preparo físico.

Voltando ao Encontro Nacional, começamos a fazê-lo em 2002, ainda com participantes vindos mais de São Paulo Capital e interior, mas já com a mesma proposta que segue viva até hoje, de ser uma integração entre os cicloturistas, tanto iniciantes quanto experientes, e de criar um ambiente de amizade e troca de informações.

A integração ocorre principalmente durante os passeios, que são feitos à baixa velocidade e em trajetos curtos o suficiente para permitir a participação de qualquer pessoa. O foco não é o pedal em si, nem a quilometragem percorrida, mas sim a percepção de que para sentir o ambiente e conhecer verdadeiramente as pessoas, é necessário tempo e calma. Todos os lugares onde já fizemos os Encontros são possíveis pólos de cicloturismo, pela beleza e pela hospitalidade e pela tranqüilidade das estradinhas de terra sem movimento. Isto já não é tão fácil conseguir em feriados, mas para nossa felicidade ainda existem.

O primeiro encontro foi em Lambari MG, e na seqüência vieram São Francisco Xavier, Paraibuna e Monte Alegre do Sul, todos no estado de São Paulo. Depois vieram Timbó, em Santa Catarina, São Roque SP, Camboriú SC, Campos do Jordão SP e finalmente voltando para Minas, este último no município de Sacramento. Cada um deles teve suas características próprias, tanto em relação aos passeios quanto aos atrativos e palestras, mas todos tiveram em comum a presença de pessoas incríveis e de um entrosamento muito rápido, dando a sensação de que o grupo já se conhecia há muito tempo. Neste evento, por mais que as pessoas tenham acabado de se conhecer, é sempre como se estivéssemos num re-encontro.

Convivência – Nesses encontros, ninguém se importa muito com a marca da bicicleta do outro, se usa roupa de uma marca famosa ou não. É engraçado como nos esquecemos até de perguntar as profissões um do outro. Ali basta estar participando e pedalando que é bem acolhido. Tem gente de todo o tipo, de todas as idades e todos os estilos. Neste Encontro 2010 éramos cem pessoas, cada uma com sua história e sua expectativa diferentes, mas convivendo harmonicamente. Foi um momento também de conhecidos virtuais em amigos pessoais, muitos que participam da lista de discussão puderam se “desvirtualizar” por ali.

Através de alguns dos personagens que estiveram por lá temos uma idéia de como é o evento:

O casal Benilton e Cláudia foram os que vieram de mais longe, Rio Grande do Norte, e também os que chegaram primeiro ao local do Encontro. Em Natal fazem parte do Rapadura Bikers, com filosofia bastante semelhante à do Clube de Cicloturismo, pedalam para curtir e não para competir.

Giuseppe foi com a esposa e a filhinha, bebê de colo ainda, mas já sentindo toda a energia de um festival de bicicletas. Foi uma das mascotes do evento. Ghiotti chegou de moto, levando a bicicleta num bagageiro especialmente adaptado por ele, fez o maior sucesso, nunca uma moto foi tão fotografada como esta.

Adilson, Jorjão, Monica e Manoel, aproveitando a proximidade da Serra da Canastra, fizeram um rolê por lá antes do Encontro. Já a Kathy e o Leonardo fizeram toda a travessia da Serra, logo após o evento. Geraldo, após uma temporada afastado da bicicleta, voltou com fome de pedal (e de doces também). Marcelo chegou em grande estilo, pilotando seu avião, pousou diretamente na pista do Parque Náutico de Jaguara.

O casal intitulado “muito doido” emocionou a todos ao usar os dias do Encontro para ensinar o filho Leonardo a pedalar. E não é que o garoto aprendeu em um dia só, e no dia seguinte já conseguiu acompanhar uma parte do passeio com o grupo?! Luciano e Carol dirigiram desde o Rio Grande do Sul para participar a segunda vez do Encontro. Já reivindicaram que o próximo Encontro seja mais para o sul!

Na parte das palestras tivemos uma participação pra lá de especial, do Rafael Limaverde, de Fortaleza (CE), que foi nos contar um pouco de suas impagáveis histórias na volta de dois anos pela América Latina (foi uma palestra stand up comedy, segundo um dos participantes). Fez ainda o lançamento e sorteio de alguns livros “Pelos Caminhos de Nuestra América”. Acompanhamos o sonho de viagem de Paulo Roberto pela Nova Zelândia e pudemos sonhar em também um dia ir para este país de paisagens fantásticas e estrutura exemplar para os ciclistas.

Tivemos dois mini cursos mais técnicos. Um foi o do Fabio Fes, com a mecânica de emergência para viagens de bicicleta. Pudemos tirar dúvidas e abordar com calma as partes da bicicleta que exigem maior cuidado e atenção por parte do cicloturista. O outro mini curso foi do Walter Magalhães, com fundamentos essenciais para treinarmos nosso olhar para a fotografia. Mais do que a técnica em si, descobrimos a importância de pensar na fotografia antes de “mecanicamente” apertar o botão.

Thais de Lima, especializada em marketing esportivo, chamou a atenção em sua palestra para o momento que passa a bicicleta e as atividades a ela relacionadas. Mostrou que há recursos públicos e de empresas aguardando a apresentação de bons projetos na área. O casal Angela e Roberto, contou como foi a evolução, desde o despreparo completo, tanto em termos de preparação física quanto em equipamentos, até chegarem aos dias de hoje, viajantes aficionados e com planos de muitas viagens longas pela frente.

Troca de informações – Eu (Eliana) e Rodrigo, tentamos passar um pouco de dicas práticas, reunidas na experiência de alguns anos de viagens. Desde que calçado usar para cada tipo de situação de viagem até como esterilizar sua água. Tinha muita gente experiente participando então foi uma boa troca de informações entre todos. Aproveitamos a ocasião também para fazer o lançamento da nossa linha de alforjes impermeáveis AraraUna e fazer o sorteio de dois pares deles.

O único momento triste do Encontro é sempre a despedida. São dias de intenso trabalho para nós da equipe de voluntários, mas que são muito especiais e deixam saudade assim que terminam. Mas o ano que vem tem mais e isso nos anima, ainda mais que em 2011 teremos o 10º Encontro Nacional. Aguarde!

Este texto foi escrito por: Eliana Garcia