Gráfico sobre Periodização (foto: Reprodução)
Na Grécia Antiga, o treinamento desportivo dos atletas seguia o modelo das tetras, que representavam três dias de atividade física e um dia de descanso. Desta maneira, iniciou-se a idéia de periodizar o treinamento tentando aumentar a performance física do atleta.
Muitos séculos se passaram e, na década de 1960, alguns fisiologistas soviéticos foram incumbidos de estudar a melhor forma de preparar os atletas para os confrontos que passaram a acontecer amiúde, durante a época da Guerra Fria. Estava iniciando a incrível disputa que os mais velhos assistimos, torcendo sempre pela vitória do mundo livre. Em todas as disputas esportivas internacionais, principalmente nas Olimpíadas, os Estados Unidos e a União Soviética tentavam demonstrar, através do esporte, a superioridade de cada sistema político-econômico, seja o capitalismo, seja o comunismo.
Estudando a SAG (Síndrome da Adaptação Geral), que olharemos em detalhes em um futuro artigo, o fisiologista soviético Matveev fez experiências do tipo tentativa e erro, aplicando cargas crescentes nos atletas por dois ou três dias, seguidas de um dia de cargas menos intensas. Isto permitia uma recuperação metabólica suficiente para não ocorrer o famigerado overtraining (sobretreinamento), que leva o atleta à estafa e à interrupção do treinamento.
Quando eu digo tentativa e erro, é exatamente isto que estou querendo dizer, literalmente. Conta uma lenda urbana da Fisiologia do Exercício que, com a carta branca dada pela alta cúpula soviética, Matveev fez suas experiências científicas usando populações de jovens praticantes de atividades físicas, moradores de cidades pequenas da União Soviética. Cada tentativa de modelo de periodização era experimentada nas escolas esportivas de uma certa cidade.
Com o passar dos meses, analisava-se estatisticamente os resultados alcançados pelos alunos. Caso ocorresse uma melhora de performance, aquele modelo era estudado com mais detalhamento (talvez, aplicando as novas alterações em outras cidades ainda não usadas nas experiências). Caso contrário, quando uma cidade mostrava um excesso de atletas com overtraining, Matveev voltava à sua velha prancheta e estudava aquele modelo a partir de um novo ângulo. Assim, após muitas quebradeiras de atletas, ele e sua equipe chegaram ao que hoje conhecemos como modelo de Periodização Clássica.
Mais tendências – Depois disto, outros fisiologistas estudaram e definiram seus próprios modelos de periodização (porém, sem a facilidade que Matveev teve para experimentar…). Entre os mais famosos e utilizados modelos, encontramos a Periodização em Blocos de Verkoshanski, a Periodização ATR de Valdivielso, a Modular de Vorobiev, a Multicíclica de Platonov, a de Altas Cargas de Tschiene, a Pendular de Arosiev e a Prioritária de Bompa, entre outras. Aqui no Brasil, encontramos modernamente a Periodização de Macrociclo de Meeting do Prof. Dr. Estélio Dantas.
Pois bem. Mas pra quê essa conversa científica toda? Simplesmente, para te dar uma idéia global do que falaremos agora!
Na prática, uma periodização compõe-se de valores percentuais de carga e volume para serem aplicados em cada sessão de treinamento, seguindo a curva característica do modelo. Desta maneira, após serem definidos o início e o final da temporada, as competições que o atleta tomará parte neste período e o nível de dificuldade destas competições, adapta-se estes valores ao modelo, algumas vezes através de cálculos não muito simples. O resultado disto é o desenho de uma curva totalmente individualizada, específica para aquele atleta naquela determinada temporada.
A partir daí, cada sessão diária de treinamento é planejada com base nesta curva. Assim, se um atleta é treinado através da Periodização Clássica, um dado dia de treinamento pode estar, por exemplo, no Microciclo (normalmente, sete dias) de Choque do Mesociclo (normalmente, um mês) Estabilizador. Procurando na curva, encontraremos o percentual que multiplicará o valor máximo da intensidade diária da temporada (peso na musculação; freqüência cardíaca ou velocidade na corrida e natação; rotações por minuto na bike) e o valor multiplicador do volume máximo diário da temporada (número de séries e de repetições na musculação; distância na corrida, natação e bike).
Com base nos objetivos previamente escolhidos, o preparador físico definirá se o volume daquela sessão de musculação será, por exemplo, de quatro séries de nove repetições ou seis séries de seis repetições, ambas com o mesmo valor total (trinta e seis) apresentado na curva. Em uma sessão de corrida podemos encontrar treinos intervalados com distâncias diferentes de tiros, número de repetições e intervalos, baseados no mesmo ponto da curva. Mais uma vez, será a definição de objetivos e a experiência do preparador físico quem interpretará o que a curva quer dizer e decidirá como será aquela sessão de treinamento.
Exemplo – Se detalharmos o exemplo dado acima (Microciclo de Choque do Mesociclo Estabilizador), teremos uma semana de treinamento em que as cargas aplicadas estarão no ápice do mesociclo. Assim, segundo a Periodização Clássica, as cargas desta semana seriam distribuídas da seguinte maneira:
1º. dia 80% da carga (fase de estímulo)
2º. dia 90% da carga (fase de estímulo)
3º. dia 100% da carga (fase de estímulo)
4º. dia 90% da carga (fase de recuperação)
5º. dia 80% da carga (fase de recuperação)
6º. dia 60% da carga (fase de recuperação)
Sempre considerando a carga (volume e intensidade) definida no início da temporada como o valor máximo que o atleta pode suportar (100%).
Os outros tipos de microciclos (Incorporação, Ordinário, Recuperação, Pré-Competitivo e Competitivo) e de mesociclos (Incorporação, Básico, Controle, Pré-Competitivo, Competitivo e Recuperativo) da Periodização Clássica, possuem valores próprios das cargas, sempre visando estressar o organismo e depois dar tempo para que ele se recupere e, principalmente, faça as adaptações fisiológicas desejadas (aumento da força muscular, melhora do sistema cardiopulmonar, aumento da velocidade, acréscimo na resistência, entre outras).
Finalmente, juntando este conhecimento com o que vimos no artigo Atividade física: treinamento ou estresse?, têm-se uma clara idéia da base científica usada pelos pesquisadores que criaram e desenvolveram os diversos modelos de periodização: o organismo necessita de variações freqüentes de carga e volume para melhorar sua performance e promover as adaptações.
É importante frisar que a periodização não é o substituto de um preparador físico, assim como as famosas tabelas de treinamento para maratonas encontradas em várias revistas especializadas. Estas tabelas são apenas referências para quem deseja participar de uma prova de rua, porém não treina sob a supervisão de nenhum profissional de Educação Física. Nesta situação, elas são, quase sempre, melhores do que nada. Da mesma maneira, a periodização é mais uma ferramenta usada pelo treinador, que possui a palavra final.
Ótimos treinos para você!
Este texto foi escrito por: Carlos Sposito
Last modified: julho 6, 2007