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Coluna Fabio Zander: A vivência sobre duas rodas


No Salão Duas Rodas com a Houston Bike em 2003 (foto: Arquivo pessoal)

A palestra de um cicloturista alemão, o Tillmann, se chama “Leben, Erleben & Überleben”, traduzido do alemão significa: “Viver, Vivenciar e Sobreviver”. Lindo título para uma palestra que descreve uma longa vida sobre os pedais.

O título também combina com essa etapa da minha vida como cicloturista e “bike guide”, me dividindo entre viagens em terra firme, ilhas e vida em alto mar. No início de 2007 acabei “devolvendo” o meu apartamento em Berlim (Alemanha) por causa do trabalho como guia. Logo após foram sete meses trabalhando e morando em Georgioupolis na ilha de Creta. Agora um trabalho mais fixo, viajando onze meses durante o ano.

Atualmente trabalho como “bike guide” para uma companhia alemã de cruzeiros marítimos pelo planeta, a AIDA Cruises. Bom emprego e enfim alguma estabilidade financeira.

Estava dando uma olhada no site, o que fazia muito tempo que não fazia, e me deu até vontade de chorar. Pensei tanta coisa, que nem sei se vou conseguir registrar, mas vou tentar.

Me liguei de que desde que você foi em busca do seu sonho, que eu lá no fundo tinha uma certeza de que você ia voltar. Parece que a gente no fundo tem uma idéia fixa, e até inconsciente, de que tudo o que começa com um sonho tem que não dar certo e acabar uma hora. Acabei de me ligar que você, ao contrário de todas as outras pessoas que eu conheço, não desistiu, e conseguiu. O seu hoje então, é o que é, não é algo passageiro. Está acontecendo, e vai continuar acontecendo… Você está realmente vivendo o que sonhou, não por um período, mas sem prazo! Não é louco isso! Acabei de me dar conta. Tá bom entendi, você não vai voltar. Uau é lindo demais isso.

Voltar pra quê, fazer o que raios, aqui? Se juntar a nós, robôs, que fizemos o que nos foi planejado por gerações de uma pobre sociedade sufocada que acha que a felicidade está na segurança? Estabilidade pra quê, para viver cada hora não vendo a hora que esse dia acabe, pra logo depois começar outro e sentir isso de novo? Arranjar um emprego estável pra quê, pra não ver a hora que cheguem suas férias? Mas que “raios” de sociedade essa, especialista em criar massivamente pessoas sufocadas e infelizes. Se vier me dizer que é feliz assim, além de ser sufocado e infeliz é cego. Ou burro. Ou mentiroso, sei lá.

O momento que estou vivendo é assustador por vários motivos. Mas acho que meus motivos não são os mesmo motivos, mais comuns, da outras pessoas. Fazer 30 anos, ok, assustador. Ter um filho, ok também, mais assustador ainda. Mas não é o fato de fazer 30 anos e não ter conquistado tudo o que sonhava, como as outras pessoas. Ou de criar um filho nesse mundo louco, como um outro tanto de gente. É o de chegar nesse momento com um sufoco no peito, e a sensação de que nem comecei a viver ainda.

Minha cabeça tem tantos sonhos e pensamentos que eu acho que nem cabe mais, e tenho a sensação de que vou ter que começar a selecionar os sonhos que quero realizar nesta vida ainda, e isso sim que realmente me apavora. Ter um filho? Essa sim, me parece a maior das viagens. Estou curtindo o momento de uma maneira muito particular, pois enquanto o mundo está me dizendo o quanto um filho demanda em tempo e dinheiro, eu estou pensando que tenho nas minhas mãos um monte de argila, que nem nas aulas de artes da segunda série, e que desta vez o que a professora pediu foi: “faça um ser humano”. É excitante e fascinante. O que me assusta é ter que olhar nos olhos do meu filho e dizer, “não filho, a vida não é só isso. O que é, também não sei, pois eu optei por não buscar. Optei pela segurança”.

Ah, fácil, está na ponta da língua. Vou dizer: “vai perguntar pro Tio Fábio que ele deve saber”. Também pensei que é triste que as pessoas que vão atrás de seus sonhos, e realizam grandes feitos, são fadadas à solidão. Porque não existem dois loucos com o mesmo sonho, ou isso é tão difícil?

E penso em como pessoas como você, meu pai, e tantas outras vivem. Como é isso pra você? Parece que no momento em que escolhi amar alguém e estar com essa pessoa, e ter um filho, vem no pacote ser funcionário de uma boa empresa, que me garanta uma boa aposentadoria, pra que a gente possa ter uma bela vidinha medíocre de classe média suburbana, e quando se aposentar com 65 anos, ainda achar que foi muito feliz, pois garantiu a aposentadoria. Isso tudo me parece psicodelicamente absurdo, não sei se sou eu ou eles todos que estão errados…

Não pense que não sou feliz. Tenho sim, momentos de felicidade, mas plenitude eu não sinto há muito tempo. Sabe, quando você respira fundo e pensa “Não há lugar nenhum no mundo que eu preferia estar do que aqui?”, então, isso. Sinto-me feliz quando estou com o Má fazendo algum coisa gostosa, tipo passear no parque ou fazer cócegas antes de dormir. Ou quando estou em Piracaia, com ele, minha mãe e minha cachorra. Ou quando acontece alguma coisa engraçada aqui no trabalho. Ou quando penso que estou grávida. Como disse, em alguns momentos, mas sem plenitude, se é que isso existe.

E sabe o que é pior? Faz tanto tempo que eu “vou com a corrente”, que hoje não saberia nem te dizer que sonhos são esses. Comecei tanta coisa e não consegui terminar, que perdi o foco. Acredita?

Bom, tudo isso pra te dizer que você me inspira a não desistir de descobrir quais são meus sonhos. E de ir atrás. E de realizá-los.

Obrigada.
Muitas saudades e muitos beijos, Amanda.

Este texto foi escrito por: Fabio Zander