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Coluna Fabio Zander: o trabalho como Bike Guide


Bicicletas descansando no Caribe (foto: Arquivo Pessoal/ Fabio Zander)

Trabalho como guia em passeios de bicicleta (Bike Guide) desde o início de 2008 para a empresa alemã, chamada AIDA Cruises. São temporadas que duram de três a cinco meses a bordo dos navios. Nao existem finais de semana ou feriados, trabalhamos sete dias por semana. A AIDA Cruises tem no momento seis navios operando e seus nomes são: AIDAcara, AIDAaura, AIDAvita, AIDAdiva, AIDAbella e AIDAluna. Destaque para a pintura dos navios com os olhos de Ozires e o sorriso na proa. (www.aida.de)

Por enquanto foram mais que 30 países visitados em quatro continentes (América, África, Europa e Ásia). O que me fascina no trabalho é conhecer tantos lugares e poder de bicicleta vivenciar natureza, lugares, pessoas, cheiros, sons ou aquela praia paradisíaca escondida em meio às palmeiras. Gosto também do contato com o nosso público e a oportunidade de mostrar uma região e passar algumas informações a respeito. O dia termina perfeito quando você sente no olhar ou no sorriso que as pessoas curtiram o lugar assim como você.

Como brasileiro nunca imaginei, nem em sonhos, um dia poder trabalhar para uma grande empresa como a AIDA Cruises. Foi trabalho duro chegar nessa posição. Muita gente acha que isso não é trabalho e que não é possível viver da bicicleta. Pode ser difícil, mas não impossível. Vivi uma época de transição no Brasil sem apoios ou patrocinadores. A vinda para a Europa em 2005 e o emprego mais tarde na AIDA foram a minha estabilidade e a certeza de seguir o meu caminho na área das bicicletas. Fica aqui também um agradecimento especial à agência Adventure Bikes na ilha de Creta (Grécia), onde morei e trabalhei por nove meses em 2007. A Sonja e o Costa me ensinaram muito e me introduziram no mundo do turismo a pedal.

Nessa coluna inseri uma entrevista minha com o Osmar Silva da Cyclomagazine que explica um pouco mais o que ando fazendo por aí.

Qual é sua cidade natal e qual sua formação acadêmica?
Nasci em São Paulo, no dia 30 de julho de 1976, e estudei arquitetura até o terceiro ano, quando tranquei a matrícula para me concentrar no cicloturismo.

Por que tomou a decisão de se especializar em cicloturismo e turismo de aventura?
O cicloturismo sempre foi um hobby para mim desde 1991. Aproveitava meus finais de semana para fazer viagens pela serra do mar, entre Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Também subi de bicicleta o Pico da Bandeira, a terceira maior montanha do Brasil, localizada em Minas Gerais. Esse hobby, com o decorrer do tempo, foi se transformando em um meio de vida. Assim, conquistei patrocinadores, vendi matérias e livretos da Pedalada del Fuego. Hoje apresento palestras, compareço a exposições e realizo trabalhos como guia.

Como apareceu a chance de trabalhar em cruzeiros internacionais?
A chance apareceu quando trabalhava como guia de passeios de bicicleta na Ilha de Creta, na Grécia. Era um trabalho temporário de nove meses, já que no inverno há parada das atividades ciclísticas e começa a temporada de esqui. Tudo estava praticamente certo para minha continuidade em Creta, quando descobri no site da AIDA Cruises a oportunidade para trabalhar fixo como guia. A partir daí, cancelei minha atividade anterior, fiz entrevista e passei por diversas seleções. Uma vez aprovado, fiz um curso de segurança a bordo. Após os trâmites, assinei o contrato.

Como foi esse curso de segurança a bordo?
Foram quatro dias em Rostock, cidade litorânea localizada no Norte da Alemanha. Todo o conteúdo era ligado à segurança a bordo. Não tinha nenhuma ligação com ciclismo. Os temas abordados eram instruções sobre como proceder em caso de naufrágio, incêndio, além de dicas de primeiros socorros. Daí, aprendi também a pilotar pequenas embarcações. Tudo era interessante e bem dividido entre a teoria e a empolgação da prática. Entrávamos em contêineres em chamas, apagávamos incêndios com roupas especiais, aprendíamos como pular no mar com roupas e equipamentos de sobrevivência e tínhamos muitas simulações de resgate.

Qual é sua função a bordo?
Minha função é estritamente ligada ao ciclismo. Isso engloba a venda dos passeios, a pedalada em si e a manutenção das bicicletas. É claro que, em caso de emergência, existem algumas outras funções e o curso realizado é posto em prática.

Há quanto tempo exerce essa atividade?
Como guia, estou há aproximadamente 3 anos.

Qual o período de atividade a bordo?
Fico a bordo dos navios por um período de três a cinco meses. Trabalho aproximadamente oito horas por dia, incluindo finais de semana. Durante a viagem, vendemos passeios e fazemos a manutenção das bicicletas, que têm um espaço especial dentro do navio.

Qual é, em média, o número de ciclistas que participam dos passeios?
Existem três guias. Para cada guia, são aceitos no máximo 20 ciclistas.

Qual o perfil de passageiros que atende? Crianças participam?
Recebemos passageiros de todas as idades e diferentes tipos físicos. Crianças participam em quantidade significante, porém devem ter acima de 1m50 de altura. O que percebo é que pessoas na faixa dos 30 a 50 anos são as que mais participam. Cada viagem é dividida entre Soft, Soft-Aktiv e Aktiv, que equivalem a passeios leves, médios e fortes.

Qual é a origem da maioria dos passageiros?
Os seis navios atuais da Aida prestam serviço para o mercado alemão. Diria que 90% dos tripulantes são da Alemanha. O restante divide-se entre austríacos, suíços e demais países.

Quanto tempo dura, em média, uma viagem?
Fazemos pacotes de viagem que duram de cinco dias a duas semanas.

Existe alguma norma ou restrição para a participação de algum passageiro no programa de ciclismo?
Não. Os passageiros assinam um termo que nos isenta de qualquer responsabilidade caso ocorra algum problema referente à saúde. Antes de cada passeio, todos são orientados quanto ao funcionamento das bicicletas. Informamos sobre segurança, regras e programação do dia-a-dia.

As bicicletas são trazidas pelos passageiros ou são fornecidas pelo navio?
São oferecidas pelo navio. Nós fornecemos bicicletas, capacetes, caramanholas e barras de cereais. Temos a bordo 80 bikes, guardadas em um espaço especial, com oficina e lugar reservado para lavá-las.

Quais são os modelos de bikes que vocês utilizam?
Utilizamos bikes tipo Mountain Bike, da marca alemã Red Bull, da Rose Versand. Empresa que fornece as bicicletas de vários tamanhos, que já vêm personalizadas com adesivos da Aida. As bikes apresentam quadro de alumínio, suspensão Rock Shox Dart 3, cubos Shimano Deore, câmbios dianteiro e traseiro Shimano Deore XT, que pesam aproximadamente 12,9 quilos. Para as mulheres, temos quadros rebaixados e modelos aros 26” e 28”.

Quantos países você já visitou?
Com a Aida, foram aproximadamente 30 países, espalhados pelos continentes americano, europeu, asiático e africano.

Qual o lugar mais interessante que visitou e o que pode destacar de tão especial?
Pergunta difícil de responder. Foram tantos… Islândia, Egito, Costa Rica… Na Noruega, gosto do Fiorde de Geiranger, devido ao desafio físico nas montanhas. Na Turquia, em Istambul, me agrada o fato do passeio ser mais um “city tour” pela cidade. É uma mistura de cores e cheiros, de Europa e Ásia. No Caribe, dou destaque para Antígua e Barbuda. Lá, a receptividade de seus habitantes é muito forte e há belezas naturais fora do comum. Na linda ilha de Santorini, na Grécia, o ponto positivo fica pela pedalada, que chega a ser exaustiva. Por fim, na África, adorei o Marrocos e o passeio para avistar o Estreito de Gibraltar. Esses são os lugares top cinco, em minha opinião.

O que é necessário para ser um guia de cicloturismo?
Conhecimento sobre mecânica de bicicleta, estar fisicamente bem preparado e ter desenvoltura para falar em público. Também é fundamental falar outras línguas, como inglês e espanhol. É muito importante estar ciente que esse trabalho não é férias. Nesse ponto, outros guias já quebraram a cara na AIDA. As tarefas são duras e duram de nove a dez meses do ano viajando.

Fale um pouco sobre o mercado de trabalho na sua área.
Existem procura de guias e diversas agências para a temporada, que, na Europa, vai de março a outubro. A questão é que se trabalham aproximadamente oito meses. Com a chegada do inverno, as únicas opções são: procurar outro emprego, virar guia de esqui ou tirar férias. Eu queria ocupar todo meu tempo como guia na área de ciclismo, por isso continuei minha procura até encontrar o emprego na AIDA.

A bicicleta está realmente ocupando espaço como meio de transporte nas cidades européias?
Sim, há muitos anos. A bicicleta é muito valorizada aqui na Europa e esse foi um dos motivos que me trouxeram para cá em 2005. Existe uma grande infra-estrutura. Inúmeras ciclovias, possibilidades de transporte em trens e aviões. Além do mais, as leis são cumpridas e respeitadas por todos. Sem contar a literatura que temos à disposição, o grande desenvolvimento de equipamentos, realização de feiras, entre outras coisas.

Você pretende retornar ao Brasil?
Não. No momento pretendo viver do cicloturismo aqui na Europa. Infelizmente, isso não é possível no Brasil. Penso que nosso País está evoluindo quando o assunto é bicicleta e talvez um dia possamos ter uma estrutura como a do velho continente. Nessa evolução da bicicleta e da atividade de cicloturismo, todos ganham: os usuários, as autoridades e as empresas do setor. No futuro, quando voltar, com certeza, quero fazer minha parte para contribuir com esse crescimento.

Este texto foi escrito por: Fabio Zander