Procurando um lugar para almoço (foto: Divulgação/ Fabio Zander)
Observava, super contente, a poucos metros adiante a Dani, minha namorada, pedalando e curtindo a viagem, fazendo algumas paradas para comer cerejas direto do pé. Tudo bem que as cerejas eram bem azedas, mas a viagem e o visual para o rio Reno compensavam o sabor das frutinhas vermelhas.
Desde que nos mudamos para Berlim na Alemanha em 2005 tínhamos combinado em fazer algumas viagens de bicicleta. Depois de pedaladas no dia a dia e roteiros como o entorno do Muro de Berlim, decidimos tirar uma semana livre no meio de julho (2006) para a nossa sonhada viagem de bicicleta pelo rio Reno e a rota dos vinhedos.
Escolhemos este roteiro por ser mais plano, por ter inúmeros castelos e pequenas vilas espalhados pelo rio Reno, que também é conhecido pelos vinhedos. Por estes atrativos este roteiro é bastante freqüentado por cicloturistas alemães e europeus em geral.
Impressões de Daniela – Apesar de nunca ter feito uma viagem usando somente uma bicicleta para me locomover, sempre pedalei bastante. No Brasil, desde sempre a bicicleta serviu para os meus passeios, tanto nos finais de semana na cidade de São Paulo como na praia, nas férias e feriados. Agora confesso que fiquei realmente íntima da bicicleta a partir de agosto de 2005, quando me mudei para Berlim. Aqui a primeira providência, antes mesmo de alugar um apartamento, foi comprar a minha bicicleta, afinal ela seria usada principalmente como meio de locomoção logicamente também para os passeios.
Enfim, depois de pedalarmos até a cidade vizinha de Potsdam e de percorrermos todo o trajeto por onde passava o Muro de Berlim e de muitas outras pedaladas pela cidade, meu namorado e eu, resolvemos concretizar o que era um dos nossos grandes planos no Brasil, o de fazer uma viagem de bicicleta pela Alemanha. Pesquisamos alguns roteiros e acabamos ficando com a Rota do rio Reno, pois, uma vez que essa seria a minha primeira viagem de bicicleta, preferimos optar por um roteiro mais plano, sem grandes desafios. Além disso, esse trecho do rio Reno, que vai da cidade de Mainz até Köln (na verdade pedalamos uns quilômetros a mais até a cidade de Düsseldorf) é um dos mais bonitos do país, cheio de castelos, igrejas, mosteiros e cidadezinhas que parecem saídas de contos de fada.
Nossa viagem começou num domingo à tarde, com o vôo até Mainz; acho que a ida e a volta foram as partes mais estressantes, pois além do transtorno de carregar as duas bicicletas (responsabilidade do meu namorado) e os alforjes (minha responsabilidade), estávamos preocupados com a falta de cuidado que seria dedicada às bicicletas pelos funcionários da companhia aérea (e, infelizmente, acabamos vendo nossas magrelas esmagadas embaixo de todas as outras malas para, depois, ainda serem jogadas de uma distância considerável na esteira de bagagens especiais, supostamente, para bagagens que devem ser tratadas com carinho. Lembro da cena no aeroporto; nós pensando no que sobrou das nossas bicicletas enquanto víamos uma mãe ao lado inspecionando e sofrendo com os estragos feitos no carrinho de bebê de sua filha.
Fora esses pequenos detalhes, a viagem foi super tranqüila e aproveitamos muito todos os dias: comemos cerejas diretas do pé, conhecemos cidades maravilhosas como Bacharach e Zons, aprendemos mais sobre a cultura e história alemãs, tomamos banho no rio Reno, bebemos vinho (essa é a mais famosa região produtora de vinho da Alemanha) e a cerveja Kölsch (típica da região de Colônia), fomos a uma quermesse, visitamos amigos e, logicamente, pedalamos muito.
O segundo dia de viagem foi o mais cansativo, pois pedalamos mais de 115 quilômetros com uma temperatura passou tranqüilamente os 35 graus. Cheguei muito cansada no albergue e confesso que até me neguei a subir novamente na bicicleta, nesse mesmo dia, para ir procurar um restaurante para o jantar. Já o restante da pedalada foi moleza; diria que fizemos uma média de 70 quilômetros por dia, com paradas nas horas mais quentes do dia, e acho que, pelo menos agora no início, essa é a média ideal.
Eu já sabia que as viagens de bicicleta valiam a pena e agora que peguei gosto pela coisa vamos continuar com nossos planos e seguir pedalando por outros roteiros europeus. Idéias e sugestões de percurso é o que não faltam por aqui.
Os preparativos – Existe na Alemanha um clube da bicicleta chamado ADFC (Allgemeiner Deutscher Fahrrad-Club) que, entre vários produtos ligados ao cicloturismo, vendem mapas e guias sobre diversas regiões da Alemanha e da Europa, ricos em informações e muito bem detalhados.
A loja é um paraíso para cicloturistas e nela encontramos um guia bem detalhado do rio Reno entre as cidades de Mainz na Alemanha e Roterdã na Holanda. O guia, que pode ser fixado facilmente em uma bolsa de guidão, possui dicas de hospedagem, alimentação, pontos turísticos e mapas bastante detalhados em escala 1:75.000. Não há como se perder!
Optamos por usar nossas carteirinhas de albergue e fizemos nossas reservas, via internet, com pelo menos dois meses de antecedência, pois a região é bastante visitada principalmente nas estações da primavera e verão.
São várias opções de albergues pelo trajeto, por exemplo, é possível se hospedar em um albergue que fica em um castelo numa pequena cidade chamada Bacharach, mas infelizmente não conseguimos mais vagas. O legal dos albergues por aqui é que você pode ficar em quarto com diversas pessoas ou pedir um quarto para casal, pagando um pouco mais. Lembrando que é possível incluir café da manhã, almoço e/ou jantar na diária.
Também é perfeitamente possível acampar. Existem diversos campings espalhados pelo rio Reno, sendo essa a opção mais barata de pernoite. O transporte mais barato na Europa é o ônibus, mas o que vale a pena pelo custo e curto tempo para deslocamento é o avião.
Partimos de Berlim com destino a Frankfurt, sem nenhum problema com a bagagem incluindo as bicicletas, mas informamos antes as dimensões e pesos dos mesmos, a pedido da companhia aérea.
Do gigantesco aeroporto de Frankfurt pegamos um trem direto até a cidade vizinha de Mainz, que fica no encontro dos rios Meno e o Reno. Chegamos à noite no albergue de Mainz e sem perder tempo montamos as bicicletas para o início de nossa pedalada no dia seguinte com destino a Düsseldorf em uma semana.
Após algumas voltas para conhecer a cidade de Mainz, encontramos facilmente o trajeto que escolhemos pedalar, à margem esquerda do rio Reno. Lembrando que todo o trajeto do rio Reno é feito por ciclovias.
O primeiro dia pedalado foi de Mainz com destino ao albergue na pequena cidade de St. Goar. Foram aproximadamente 65 quilômetros. Nesse primeiro dia muitas cerejeiras, os primeiros castelos avistados e destaque a torre Mäuseturm construída em uma ilha no meio do Reno, próximo a cidade de Bingen que também é ótima parada para descanso e visitas, por exemplo, a ponte de pedra mais antiga da Alemanha, a Drususbrücke, erguida na Idade Média.
Para nós o destaque negativo do dia foi a não visita a um mosteiro chamado Eberbach que fica a direita do rio a quatro quilômetros da margem, no meio da floresta. Neste lindo mosteiro erguido em 1116 já viveram 300 monges e também foi usado para filmagens do filme O nome da Rosa.
Depois da cidade de Bingen passamos pela pequena Bacharach, considerada por nós umas das cidades mais bonitas do trajeto. Ela é cercada por um muro, como toda cidade da Idade Média e tem em cima de um morro o castelo de Stahlleck onde fica também instalado um dos inúmeros albergues encontrados pelo caminho. Infelizmente não conseguimos reservas para um dos mais procurados albergues alemães.
Antes da chegada a St. Goar passamos pela famosa Loreley, um rochedo de 193 metros em uma das curvas do rio. A lenda fala de uma linda mulher, uma espécie de sereia, que neste ponto do rio cantava aos navios que desatentos afundavam de encontro aos rochedos.
St. Goar é uma pequena cidade produtora de vinho e dela partimos para a segunda etapa com aproximadamente 115 quilômetros até a pernoite no albergue de Bad Neuenahr-Ahrweiler.
Nem começou a pedalada, após 15 quilômetros, paramos na cidade de Boppard para subir de teleférico e ter uma vista fascinante do Rio Reno e redondezas. O rio Reno segue em uma espécie de vale, entre as cidades de Mainz e Colônia. Valeu a pena a subida! Fez muito calor todos os dias e aproveitamos para em alguns trechos nos refrescar e nadar nas águas do rio Reno.
O rio Reno tem uma extensão de 1320 quilômetros e 833 deles são navegáveis. Atravessa a Suíça, Liechtenstein, Áustria, Franca, Alemanha e Holanda. Sua nascente na Suíça fica nos Alpes a 2344 metros e desemboca no Mar do Norte na cidade de Hoek na Holanda.
É bastante utilizado por grandes barcas de carga e navios de turismo que chegam a navegar até o porto de Roterdã na Holanda. Existem, além das pontes, diversos pontos no rio onde balsas fazem a travessia de automóveis, turistas e moradores da região.
Seguimos caminho passando por mais castelos construídos nas montanhas ao redor do Reno até chegarmos na cidade grande de Koblenz, grande comparada a todas as outras que já passamos. Em Koblenz outro rio, o Mosel, se encontra com rio Reno em um lugar chamado Deutsches Eck onde também se encontra um monumento em homenagem a reunificação alemã.
Ouvimos dizer que pedalar as margens do rio Mosel é muito bonito também, cheio de vinhedos, e claro, muitos castelos. Chegamos em Bad Neuenahr-Ahrweiler ao anoitecer com a maior distância percorrida durante a viagem. Bom jantar e descanso merecido aos ciclistas. A cidade se localiza a uns 20 quilômetros longe do rio Reno.
No dia seguinte, antes de chegarmos na antiga capital alemã, passamos por Remagen onde visitamos uma linda igreja chamada Apollinariskirche. Parada também para almoço. Beber aquela cervejinha e um pão com uma das lingüiças típicas alemãs, o Brattwurst. Entre as cidades de Boppard e Remagen passamos por muitos vinhedos, comprando três garrafas para a nossa adega nos alforjes da bicicleta.
Conhecemos então Bonn, a antiga e provisória capital alemã entre 1949 e 1990. Imaginávamos uma cidade grande, uma das maiores no trajeto e para nossa surpresa a cidade é bem pequena com ares de cidade tranqüila do interior, mas cheia de turistas. Em Colônia terminamos outra etapa de aproximadamente setenta quilômetros. A cidade é grande, cheia de turistas e muitos brasileiros. As estatísticas dizem que é nessa cidade alemã que vivem a maioria dos brasileiros.
Pontos – Destaque na cidade para a catedral Kölner Dom que deve ser visita obrigatória com direito a subir em uma de suas torres e ter vistas para a cidade e para o rio Reno. O que impressiona na catedral são os detalhes dos vitrais e entalhes em suas colunas, tetos, e portas. Tudo tem um significado. Impressionante!
De Colônia seguimos pedalando em direção a Düsseldorf. O rio Reno percorre uma região bem plana, não existem mais os morros e por conseqüência o número de castelos avistados caem.
Neste trajeto destacamos a pequena vila de Zons que só recebeu uma pequena menção em nosso guia, mas é imperdível. É segunda ou a primeira cidade mais bonita da viagem? Bacharach ou Zons, não sei, que dúvida!
Zons ainda está na margem esquerda do rio, antes da travessia para continuar a viagem até Düsseldorf. É uma pequena vila erguida na Idade Média, entre 1373 e 1400, cercada por um muro. Existe também um antigo moinho de vento. O que nos impressionou foi o ambiente tranqüilo e o estado de conservação de tudo.
Chegamos em Düsseldorf depois de termos atravessado o rio Reno de balsa na altura de Zons. Percorremos todo o perímetro urbano da cidade, que também fica as margens do rio, e chegamos ao destino final em um bairro afastado da cidade, na casa de amigos brasileiros.
No total, a pedalada, incluindo o trajeto e todos os outros passeios pelos arredores, somou aproximadamente 350 quilômetros. Todo o trajeto é bem sinalizado por ciclovias e teríamos conseguido realizá-lo sem o guia.
O trecho mais bonito do rio Reno na nossa opinião foi entre Mainz e Koblenz. Mais montanhas ao redor do rio, castelos e vinhedos incrustados em suas costas e pequenas cidades a serem visitadas.
O que nos impressionou em todo o trajeto foi o número de cicloturistas que encontramos pelo caminho e a infra-estrutura que existe para receber os turistas sobre duas rodas. A maioria dos cicloturistas tinham idades entre 40 e 70 anos e a conclusão negativa foi perceber que poucos jovens estão pedalando e viajando por aí. Caramba, tem forma de viagem mais barata do que de bicicleta?
Dicas e Informações úteis:
www.adfc.de
Este texto foi escrito por: Fabio Zander