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Comentários do Dakar: Ameaça terrorista

Redação Webventure/ Offroad

Ricardo (esq) e Haroldo na largada do Dakar 2007 (foto: Arquivo pessoal)
Ricardo (esq) e Haroldo na largada do Dakar 2007 (foto: Arquivo pessoal)

O jornalista especializado em rali, Ricardo Lopes, estréia um blog com os comentários do Dakar. Ricardo esteve presente na edição 2007 da prova e seguiu o caminho inteiro com uma picape fabricada no Brasil. Confira o relato inicial sobre ameaça terrorista.

Sentir na pele o que é uma ameaça terrorista não é nada fácil. É uma mistura de sensações, é algo indescritível, mas vou tentar transmitir em palavras. Pois é, passei por uma situação assim no Rally Dakar do ano passado.

Em 2007 o rali também sofreu uma ameaça, mas foi no Mali e a organização da prova cortou essa etapa, transformando-a em dia de deslocamento apenas. Porém, o clima de ameaça terrorista ficou no ar.

Depois de dormir bem no alto de uma duna durante a nona etapa do rali, eu seguia pelo deserto na tentativa de recuperar o tempo perdido e voltar a competição. Já tinha enfrentado vários percalços, estava exausto, faminto, mas seguia adiante. Depois de andar quilômetros e quilômetros por areia, dunas e pedra, encontrei mais areia pela frente, porém, meu maior pânico aconteceu: eu estava no meio de uma tempestade de areia e com o vento forte os rastros que eu vinha seguindo, sumiram.

“E agora, para onde vou?”, perguntava ao meu companheiro de viagem, o fotógrafo Haroldo Nogueira.

“É, er, … segue reto, …”, respondia ele.

E sem ver quase nada pela frente fui andando. Pouco depois a tempestade passou, mas nada de rastros. Segui a intuição, até que cheguei a um paredão de pedra.

Não tinha como alguém ter passado por ali, mas o Haroldo desceu do carro, foi do outro lado e voltou dizendo que não tinha rastro nenhum por lá. O jeito então era voltar até encontrar algum ser vivo para tentar perguntar onde era o caminho. Encontramos um vilarejo. Entramos e logo fomos abordados por um sujeito vestindo roupas camufladas.

“Vocês têm algum problema?”, perguntou ele em um inglês impecável. Dissemos que estávamos a procura da rota do rali. Ele então, muito atencioso pediu para acompanhá-lo ate sua base. Lá iria pegar a viatura e nos indicar o caminho. Seguimos o cara. Ele parou em frente a uma casa que estava num morro. Esperamos e em questão de segundos saíram três caras com metralhadoras acompanhando o nosso “salvador”.

“Pronto! Esses são os terroristas que ameaçavam a prova. Agora vão nos metralhar a aqui mesmo”, disse Haroldo.

“Vixe, e agora?”, respondi.

Foi uma eternidade, o suficiente para pensar na vida, na família, rever conceitos e até pensar em como se safar. Pensamos em tudo. Usar o telefone via satélite, mas naquela hora apertamos o botão errado e no lugar de ligar o aparelho, desligamos. Até ligar novamente já estaríamos metralhados. Pensamos em sair correndo com a picape, mas para onde? Estávamos perdidos!

O cara, nosso “salvador” se aproximou e os caras vieram em uma picape. “Sigam-me”, disse para nós. Bem, seguimos a picape dos caras camuflados. Passamos pela vilinha, ruas estreitas, muitas pessoas com olhar desconfiado que nos fez refletir.

“Bem Haroldo, se for mesmo uma emboscada, valeu. A viagem estava boa, você é um cara legal pacas”, comentei. O Haroldo olhou para mim de forma estranha. Queria rir, mas estava preocupado: “Ai, e agora, o que será de nós?”.

Foram momentos de tensão, mas logo surgiu a nossa frente os rastros dos competidores. Nosso “salvador” se aproximou e disse: “Sigam sempre pela principal e boa viagem”.

Nossa que duplo alivio. Primeiro por não serem terroristas, já que seus uniformes não ostentavam nenhum símbolo e nenhuma bandeira. Depois por estar de volta a rota do rali. Não foi uma ameaça terrorista, mas por alguns poucos minutos parecia ser e esse pouco tempo foi o suficiente para nos mostrar o quanto é apavorante uma situação dessas.

Este texto foi escrito por: Ricardo Lopes

Last modified: janeiro 4, 2008

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