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Condição desnecessária

Redação Webventure/ Vela

Veleiros passam por condições difíceis nos Mares do Sul (foto: Divulgação/ VOR)
Veleiros passam por condições difíceis nos Mares do Sul (foto: Divulgação/ VOR)

O colunista do Team ABN Amro André Mirsky comenta as condições de vento e mar da segunda perna da maior regata de volta ao mundo, a Volvo OCean Race. Confira.

No segundo dia deste ano foi dada a largada para mais uma perna da Volvo Ocean Race, possivelmente a mais difícil delas. Não pela confusão logo na primeira bóia, nem pelas duas baixas que tivemos nas 48 horas iniciais, mas sim pela incerteza do que estar por vir: novos barcos em condições hostis.

A largada foi bem parecida com a regata in port de Sanxenxo, pouco vento, e o líder da competição o ABN Amro 1 sofrendo para se locomover; até que todos pararam na montagem da bóia de percurso antes do mar aberto. Barcos de setenta pés embolados, a menos de 50cm um dos outros, empurrões, protesto, batidas na marca, pênaltis, enfim, uma confusão para nenhum juiz de Match Race colocar defeito. Até que o vento chegou, ou melhor, o contravento chegou acalmando os ânimos. A flotilha se dividiu, Brasil 1 e ABN Amro 2 optaram o bordo mais para o Oceano; Piratas do Caribe, ABN Amro 1 e Brunel Sunergy menos radicais, enquanto o Movistar, sozinho aterrado.

O contravento foi piorando, o vento aumentou e a grande quantidade de ondas desencontradas fez o prazer de velejar sumir e virar sacrifício, não só pelo enjôo que muitos sentiam, mas também pela desagradável sensação de estar velejando contra as ondas, em um barco todo construído em fibra de carbono.

Quem já entrou num desses sabe como é descomunal o barulho que uma simples marola faz dentro da cabine, naquela hora imagino os tripulantes se perguntando: por que os barcos não foram construídos como os antigos Volvo 60 em Kevlar?

Mau tempo – Afinal é um material muito mais flexível e confortável que o Carbono (embora mais lento). Fazendo uma comparação “automobilística”, os novos barcos são como um superesportivo andando numa estrada brasileira, enquanto os mais antigos, de Kevlar, são similares aquelas grandes peruas americanas. Sem exagero. Mas tempo agente não escolhe, enfrenta! E assim eles seguiram.

Na noite de terça para quarta-feira o vento aumentou um pouco mais, assim como o stress material dos barcos. Os dois veleiros mais ao Sul foram os que mais sofreram, enquanto o ABN Amro 1, algumas milhas mais ao norte, velejava com a vela grande rizada e com a Genoa 4 buscando velocidade máxima, o ABN Amro 2 reduzia os panos e levantava as bolinas para diminuir o desgaste material. Logo ao lado do ABN Amro 2 estava o Brasil 1 com quem ele havia disputado palmo a palmo aquela posição mais ao sul.

A tripulação brasileira mal sabia que ali estava reservado o seu maior contratempo ate aqui nessa regata: ondas perversas que, sem pena, castigaram o barco de casco azul. Mesmo com todo o zelo da tripulação, arribando e orçando a cada subida e descida de onda, algumas delas, impiedosamente, delaminaram o convés do barco de Torbem Grael obrigando-o a tomar a única decisão cabível, retornar à terra.

Quando me refiro a ondas, digo a batida do casco contra o mar após a passagem da ondulação, e não a força da água em si. As “aterrissagens” forçam o barco ao limite! Dentro da cabine todos itens se movem, saem do lugar como se nem amarrado estivessem, no convés os tripulantes se agarram nas escotas e guarda mancebos para se manterem a bordo, o mastro balança como se fosse um bambu, e o casco, sem duvidas é o que mais sofre, forças incríveis atuam sobre ele, aonde os Runners backstays (cabos que puxam o mastro para trás) estão ancorados, mais de 15 toneladas, no fuzil* de proa, mais 15 toneladas, nos fuzis laterais mais 25 toneladas, onde o mastro apóia no fundo do casco, mais de 20 toneladas de compressão, onde os pivôs da quilha se prendem, o sistema do leme, o trilho onde é presa a vela grande, as catracas…

Enfim, uma série de esforços unitários que somados fazendo do casco um verdadeiro arco, sendo o mastro a flexa. Agora, imagine tudo isso se movendo a plena velocidade, subindo e descendo, acelerando e parando a cada batida do casco no mar. É um o risco grande? Sim, claro! Por isso todo proprietário de barco evita esse tipo de condição porque a quebra é eminente, mas em regata o papo é outro, não há uma regra, você precisa conhecer o limite do barco e puxá-lo até ele, tendo o cuidado de não ultrapassá-lo.

A sorte de alguns de não estarem naquela região de mar tão bravio, foi o azar dos outros que tiveram que retornar a terra. Se eles tivessem agüentado só mais um pouco, digo, se os barcos não tivessem quebrado naquela noite, eles possivelmente chegariam em perfeito estado a Melbourne, pois logo o mar baixou e o vento diminuiu.

Menos barcos – Realmente uma pena para a regata que perde competitividade, agora os cinco VO70 velejam “tranqüilos”, a mais de 20 nós de velocidade com vento de 30 nós de popa. Se não fosse uma zona meteorológica um pouco conturbada na proa da flotilha, diria que mais um Record estaria por vir.

Vamos ficar ligados, o Movistar mais aterrado terá que gerenciar muito bem as próximas mudanças de tempo para continuar na briga, enquanto isso Piratas do Caribe, ABN Amro 1 e 2 disputam palmo a palmo a região de bons ventos ao sul.

Até a próxima!
André

*Fuzil, plural fuzis, é a peça onde os Stays ou Brandais(cabos de PBO que seguram o mastro) se prendem ao casco.

Este texto foi escrito por: André Mirsky, do Team ABN Amro

Last modified: janeiro 6, 2006

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