O presidente da FEPAM Natan Fabrício fala lamenta a falta de força da própria comunidade do montanhismo às entidades que trabalham por ele (foto: Arquivo Pessoal)
Em 2002, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Dia internacional da Montanha, com o intuito de, mais uma vez, alertar o mundo sobre o aumento da destruição e degradação dos ecossistemas terrestres, gerada pela ação humana e ações que levam ao aquecimento global e alterações climáticas.
No ano passado, o Dia Internacional da Montanha teve como tema: Enfrentar a Mudança: Alterações Climáticas na Montanha. Este ano, o tema a ser discutido é:”Food Security in Mountains“, que pode ser traduzido em “Segurança Alimentar nas Montanhas”.
O grande problema de fome nas montanhas está se agravando devido ao clima e território acidentado, assim como pela marginalização política e social. Tudo isso afeta o aumento dos preços mundiais dos alimentos e o custo de transporte para áreas de montanha que, como em um círculo vicioso, resulta em dificuldades para que as comunidades locais tenham acesso a esses alimentos.
Para alertar sobre a necessidade de conscientização na prática do montanhismo em todas as esferas e ainda, comemorar o Dia Internacional da Montanha, o Webventure convidou alguns membros que trabalham por federações e órgãos nacionais, a fazerem um balanço sobre problemas, desafios e conquistas relacionados ao montanhismo brasileiro.
Entre os convidados, relatos de Sivério Nery – presidente da CBME (Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada), Neusa Vedovato – ex-presidente e tesoureira da APEE (Associação Paulista de Escalada Esportiva), Bernardo Collares – presidente da FEMERJ (Federação de Montanhismo do Estado do Rio de Janeiro) e Natan Fabrício – presidente da FEPAM (Federação Paranaense de Montanhismo).
Um dos pontos comuns levantado por todos é a necessidade de conscientizar o montanhista sobre a importância de filiar-se a clubes e federações para viabilizar meios de melhorar a prática em todas as suas faces.
Como não poderia deixar de ser, cada um apresenta, à sua maneira, emoção, razão e sabedoria sobre esta prática que, de alguma forma, fascina a todos nós.
Bernardo Collares, presidente da Federação de Montanhismo do Rio de Janeiro, transmitiu ao Webventure um balanço cheio de emoção, dando ênfase aos feitos da AME (Associação Mineira de Escalada), e firmando a importância da consciência durante as ações individuais para a evolução de toda comunidade.
“Interessante como as coisas acontecem quando tem que acontecer. A cada ano, percebo o montanhismo achando cada vez mais os melhores caminhos. Estamos muito bem organizados e com muita gente trabalhando pelo montanhismo, por puro amor. Isso definitivamente não tem preço.
Em 2008, continuamos melhorando nossa representação junto à sociedade e aos órgãos públicos. Cada vez mais, trabalhamos em conjunto com os parques levando a eles nossos quase 90 anos de montanhismo organizado.
Esse ano foi assinada a portaria pelo Ministério do Meio Ambiente, que deu um passo gigantesco para acabarmos com a obrigatoriedade de contratar um condutor para entrar nos parques.
Portaria essa produto do trabalho dos montanhistas, através das federações.
No dia da assinatura da portaria, o Ministro do Meio Ambient, Carlos Minc, me disse: “estamos cumprindo o prometido de dois anos atrás.”
Ele se referia a reunião que tivemos na sede do CEB (Centro Excursionista Brasileiro), quando o então deputado Carlos Minc se comprometeu a ajudar os montanhistas contra a obrigatoriedade de condutor.
Vejo esse fato, o mais relevante em 2008. Mas tivemos também muitos outros eventos e conquistas muito importantes.
Um fato também que merece destaque é a maturidade que vamos adquirindo ano a ano, não somente das entidades, mas principalmente dos montanhistas. Estamos todos percebendo como é importante nosso comportamento e comprometimento.
Merece destaque também o belo trabalho que a AME (Associação Mineira de escalada) vem realizando para a reabertura das escaladas na Lapinha. Mas ali é importante que um pequeno grupo perceba a importância de não escalar no local até que seja realmente liberado, pois a ação dos poucos que insistem em escalar ali, pode jogar por água abaixo todo esse belo trabalho.
É muito importante, inclusive, todos entenderem que suas ações individuais podem prejudicar (ou ajudar) toda a coletividade. Vamos pensar nisso.
Em março tem seminário na Pedra do Bau /SP. É importante que a galera compareça com espírito de pensar no que é bom para o montanhismo ali, deixando de lado interesses pessoais ou algum desafeto, afinal, será um oportunidade única para que todos se entendam.
Desejo que não só em 2009, mas para todos os anos que estão por vir, a gente continue com essa galera de valor lutando pelo montanhismo.”
Bernardo Collares
www.femerj.org
Segundo Neusa Vedovato, tesoureira da APEE, 2008 foi um ano fraco para São Paulo, se for comparar com o número de eventos realizados nos anos anteriores. Em contrapartida, tratando-se de resultados e performance, o Brasil se superou. Confira abaixo o relato sobre o cenário da escalada esportiva paulista e nacional.
“Para o Ranking Paulista, conseguimos organizar apenas dois eventos, sendo ambos dentro do mesmo mês (15 e 30 de novembro). Aproveitamos o evento da Virada Esportiva realizando o Open de Boulder e o ranking Paulista de Boulder no mesmo dia. Após 15 dias, veio o Campeonato Brasileiro, do qual saíram os campeões do Ranking Paulista de Dificuldade.
Houve um número bastante expressivo de atletas no Open, incluindo muitas crianças, o novo foco da APEE/ FEMESP para 2009. Porém, na categoria intermediária do ranking paulista, não houve participantes suficientes.
Na categoria máster também nunca houve um número tão reduzido. Muitos escaladores preferem escalar for fun, por isso o festival é um evento de sucesso. Já na competição pra valer, o pessoal está desistindo. Talvez o nível paulista esteja ficando muito forte e precisamos repensar o ranking, talvez com prêmios mais atraentes para motivar essa evolução no cenário competitivo.
Além disso, os atletas ainda não se convenceram da necessidade de estar filiado a um clube, não só para participar de um ranking estadual ou nacional, mas para dar à entidade que os representa mais visibilidade, credibilidade e poder de negociação junto a patrocinadores e ao governo.
Em contra-partida, falando do ano esportivo como um todo, temos muito a comemorar. A participação de atletas brasileiros em mundiais com resultados positivos tem aumentado e a possibilidade de trazer o Campeonato Sul-Americano para o Brasil em 2009 é uma realidade.”
Neusa Vedovato
Tesoureira da APEE
Competições – O presidente da APEE, Ricardo Leizer, foi quem acompanhou a delegação brasileira no Campeonato Centro-Sulamericano na Venezuela, estreitando os laços com o CICELA (Comitê Internacional para Competições na América Latina e com o IFSC (International Federation of Sport Climbing). “Com isso, firmamos um acordo para realizarmos a próxima competição do Centro Sul-americano, na cidade de São Paulo, em 2009”, afirma Ricardo.
O presidente da FEPAM (Federação de Montanhismo do Paraná), Natam Fabrício, fala sobre o cenário do montahismo e suas vertentes inerentes visto do Paraná. Também segundo ele, um dos grandes problemas enfrentados é a falta de valorização dos clubes e entidades que trabalham para que a prática evolua, ou no mínimo, não decaia em suas conquistas até hoje.
“Hoje, vejo a cada dia, mais pessoas praticando o montanhismo e a escalada, seja ela na montanha ou na academia. Teoricamente, os clubes e as federações deveriam ter esse mesmo aumento de participantes mas, infelizmente ocorre o contrário. A cada dia mais montanhistas e escaladores estão se distanciando dos clubes, o que automaticamente acaba prejudicando o crescimento das federações que são compostas por estas entidades.
Em uma palestra de um clube, reunião de uma federação, mutirões, ações sociais ou qualquer trabalho em prol da montanha, vemos sempre as mesmas pessoas correndo pra lá e pra cá, tentando fazer as coisas acontecerem, brigando com órgãos estaduais e federais pelos interesses dos montanhistas. Do outro lado, vemos muitos montanhistas apenas exigindo e criticando o trabalho daquele clube ou federação, mas nunca se mobilizam para ajudar de alguma forma. Muitos dizem que querem ajudar a montanha e ver o montanhismo amadurecer, mas não mexem um dedo se quer para fazer a diferença!
Não sei se isso acontece em todos os estados, porém acompanho algumas listas de discussões e infelizmente vejo que esta não é somente a realidade do Paraná.
Particularmente, acredito que uma parcela deste problema cabe à algumas gestões de clubes e federações, que em algum ponto acabaram distanciando seus associados por n motivos mas, temos que lembrar que estas gestões passam fazendo ou não um bom trabalho e devemos todos de alguma forma ajudar os clubes e as federações para que tenhamos o meio de montanha cada vez mais maduro e fortalecido! “
Natan Fabrício
Federação Paranaense de Montanhismo – Presidente
Associação Nas Nuvens Montanhismo – Presidente
O presidente da CBME, Silvério Nery, faz um balanço geral sobre o cenário nacional, falando de forma realista sobre os problemas e conquistas do ano.
“Infelizmente em 2008 houve uma redução na quantidade de competições, principalmente no paulista e no brasileiro. Uma parte disso, se deve à escassez de mão-de-obra nas equipes de organização, e a outra parte, devido à baixa participação dos atletas. Em ambos os casos, creio que o problema de fundo é a dificuldade de renovação, a ausência de novos talentos que enfrentamos, tanto entre “cartolas”, quanto entre os competidores.
Os Campeonatos em geral continuam com alto nível técnico, mas com baixa participação.
Destaque para o sucesso dos brasileiros no exterior: Janine, Cesinha, André e Felipinho mandaram bem e estão se tornando nomes conhecidos no cenário internacional.
Destaque também para o IV SP Open, na Virada Esportiva, que vem se firmando como evento anual obrigatório, Este ano foi no Ibirapuera, parque público mais importante e freqüentado da São Paulo, expondo de forma inédita a escalada esportiva para o público não praticante. Foi muito legal e concorrida a fase da competição infanto-juvenil, na parte da manhã, mostrando que a escalada tem imenso potencial e crescimento entre o público mais jovem.
Este ano, tivemos grande avanço no campo político, com a assinatura da portaria que regulamentou a não obrigatoriedade dos guias em Unidades de Conservação Federal. Destaque também para atuação do IF do RJ com a criação da profissão de guarda-parques, figura fundamental para o adequado gerenciamento de parques no mundo inteiro.
Outro destaque foi a participação da CBME em audiência pública no Senado Federal sobre projeto de lei que procura regulamentar, de forma errada, a prática dos esportes de aventura. O mais importante nesse episódio foi o reconhecimento da CBME como entidade organizada e representativa dos montanhistas na sociedade brasileira.
Em linhas gerais, continuamos nosso trabalho de formiga, com a participação em conselhos consultivos de vários parques nacionais e estaduais. Ainda não é certo, mas dependendo do resultado das próximas reuniões com o pessoal que administra o Parque Estadual do Jaraguá, existe a possibilidade da reabertura parcial do Parque para escaladas no primeiro semestre de 2009. Isso teria um significado simbólico muito importante, pois o Jaraguá foi o principal campo-escola para escaladores paulistanos durante décadas e a abertura das primeiras vias lá coincide com a época da fundação do Clube Alpino Paulista.
Em 2008, a FEMESP passou a permitir a filiação individual, para facilitar o acesso às pessoas que querem participar e ajudar o movimento montanhista, mesmo não tendo interesse em se filiar aos clubes atuais. Estamos testemunhando também uma interessante movimentação clubística no interior do estado de São Paulo, com a fundação oficial do CUME de São Carlos e, em breve, espero, do GEEU, de Campinas, que num futuro próximo poderão se filiar à FEMESP.
Expectativa – Para o ano de 2009, tenho uma grande expectativa quanto à realização do campeonato sul-americano em São Paulo, que deverá firmar a imagem do Brasil como o mais importante pólo de escalada esportiva da América Latina.
E também pela possibilidade da regulamentação juridico-legal do Termo de Responsabilidade, que evitará que chefes de parque (ou proprietarios de áreas particulares onde se pratica travessias ou escaladas) sejam responsabilizados por acidentes ocorridos no interior das Unidades de Conservação (ou áreas particulares, conforme o caso). Esse simples dispositivo eliminará o principal argumento para fechamento de várias áreas naturais e garantirá aos montanhistas a liberdade responsável que é a base conceitual de nossa atividade.”
Este texto foi escrito por: Janine Cardoso
Last modified: dezembro 11, 2008