Areia predominou no percurso de bike. (foto: Vitor Alessandri / Webventure)
Clique aqui e veja os resultados da prova.
“Seiscentos e trinta. Este é o número aproximado de músculos que existem no nosso corpo. A maioria das pessoas nem se lembra disso. Neste último fim de semana, entretanto, eu lembrei que grande parte deles existe, alguns inclusive que eu nem imagina que existiam.” Repórter do Webventure encarou a etapa em Brotas do Caloi Adventure Camp.
Depois de três anos cobrindo corridas de aventura, finalmente resolvi aceitar o convite do Caloi Adventure Camp para participar de uma delas. Afinal, o que há de mais preciso para um repórter do que saber o que seus entrevistados realmente sentem durante uma prova destas?
Lá fui eu, feliz por poder encarar um desafio e assustada por poder estar sendo inconseqüente. Sempre gostei de esportes. Sou montanhista e corro quando posso, mas nada que seja muito freqüente. Mesmo assim, me lembrei da minha época áurea do colégio em que praticava as provas de resistência no atletismo e sempre me destacava. Lógico que ignorei o fato de fazer mais de cinco anos que isso aconteceu! Essa lembrança me motivou e resolvi encarar a aventura (ou seria loucura?).
A minicorrida de aventura aconteceu anteontem, nos entornos de Brotas, a capital paulista do ecoturismo. Foram 45 quilômetros distribuídos em: 9 km de trekking, 18 km de mountain bike e quase três horas de rafting.
No sábado, como de costume, os participantes já se encontravam reunidos para fazer alguns módulos das categorias que iriam compor a prova. Esses módulos são uma espécie de treinamento que fazemos um dia antes da prova, tirando todas as possíveis dúvidas.
Conheci minha equipe num desses módulos. Eram três rapazes: Alexandre, Elias e Daniel. Conversamos um pouquinho e me senti bastante à vontade com eles. Quando a conversa se aprofundou eu percebi que os três eram verdadeiros atletas. O Elias mora em Jundiaí e sempre que pode está pedalando ali pertinho, na Serra do Japi. O Daniel corre uma média de nove quilômetros. O Alexandre, ou Naza como é chamado pelos amigos, além de ser vizinho do Elias e encarar grandes trilhas de bike, também é maratonista e já disputou algumas vezes a maratona da São Silvestre. Nós quatro juntos formávamos a equipe Zeca 4 Fun.
Pedra no sapato, não! – Depois de saber destes “pequenos” detalhes dos integrantes da minha equipe, comecei a realmente ficar preocupada. Tive consciência de que meu preparo físico estava muito aquém do deles, mas não queria decepcioná-los, nem ser uma pedra no sapato de ninguém. Treinamos um pouco juntos e eles já foram me passando algumas dicas e técnicas das modalidades que enfrentaríamos.
À noite, recebemos o mapa e estudamos as estratégias que usaríamos no dia seguinte. A largada seria às 9 horas do domingo. Eram aproximadamente 100 equipes participando. Por volta das duas e meia da tarde, seria feito um corte entre os participantes. Os times que tivessem conseguido chegar até aquele horário seguiriam adiante para um rapel em uma das cachoeiras da região e continuariam a prova. Aquelas que chegassem depois do horário estipulado acabariam a prova logo depois de descer por uma tirolesa. O principal objetivo da nossa equipe era chegar antes do corte.
No domingo nos reunimos em frente à igreja de Brotas, onde seria dada a largada. Nos aquecemos, alongamos, organizamos tudo o que iríamos precisar em duas mochilas: pares de meias secas, energéticos, barrinhas de cereais e água. Ao se aproximar das nove horas, comecei a sentir um frio na barriga, uma ansiedade misturada com nervosismo. Será que eu ia conseguir, será que eles teriam paciência comigo? E se eu levasse um tombo na bicicleta? E se eu caísse do bote no meio do rafting? Todas minhas dúvidas foram interrompidas pela buzina de largada.
Saímos correndo junto com todas as equipes. Acho que se eu não corresse ia acabar sendo atropelada por todo aquele monte de gente afoita por chegar logo a algum lugar. O Daniel foi eleito o nosso navegador e ia nos dando as coordenadas do mapa. Ficamos os quatro juntos e fomos correndo para a estrada que estava indicada no trecho de trekking do mapa. Aliás não sei por que eles chamam este trecho de trekking, se a grande maioria das pessoas o faz correndo.
Primeira etapa cumprida – Aos poucos as equipes foram se cansando, algumas começaram realmente a fazer o trekking. Eu estava me sentindo bem e continuei no cooper com os meninos. O Alexandre foi o tempo todo do meu lado, medindo minha pulsação, pedindo para eu caminhar e cuidando da minha hidratação. Nesse ritmo percorremos 9 quilômetros, sem errar a navegação, em uma hora e quinze minutos, aproximadamente. Nos últimos cem metros já pude avistar os botes na margem do rio Jacaré-Pepira. Ufa! Uma das etapas eu já tinha cumprido!
Ao chegarmos no Posto de Controle 1, constatamos que estávamos entre as 40 primeiras equipes (eram 110). Corremos para o bote, onde rapidamente vestimos os coletes salva-vidas. Depois saímos em disparada rumo ao rio Jacaré-Pepira, o principal da cidade de Brotas. Lá enfrentaríamos corredeiras de nível 4. (o nível de dificuldade varia 1 ao 6). Começamos a remar bastante para tentar recuperar algumas posições.
Cada bote tinha um guia e o nosso mereceu um destaque especial. Seu apelido é Coré e ele foi um membro a mais na nossa equipe. Toda vez que estávamos cansando ele nos estimulava e falava que nós irÃamos alcançar o próximo bote. Com toda esta garra acredito que ultrapassamos por volta de nove equipes. Foram quase duas horas e meia remando.
O gostinho da terra – Finalmente avistamos uma grande ponte e uma série de botes sendo retirados da água. Teríamos que levar o bote até o caminhão. Combinamos que eu levaria os seis remos e os meninos, o bote. Não foi nada fácil. Some-se a isso duas horas e meia de exercícios com seus braços – imagine eles já quase bobos, tremendo. Adicione uma ladeirinha de terra e um monte de equipes carregando seus botes, uma querendo passar na frente da outra.
Pouca gente viu, mas eu levei um lindo tombo nessa ladeira. E como minhas mãos estavam ocupadas com os remos, caí de cara e joelho no chão e pude experimentar o gosto que a terra tem. O bom da adrenalina nessas horas é que você nem sente esse tipo de dor, parece que tudo é adiável. Meu joelho que o diga!
Assim que deixamos o bote no caminhão corremos para o Posto de Controle 2 e constatamos que tínhamos recuperado nove posições. Fomos direto pegar nossas bikes. Eu até tinha levado umas meias secas para fazer uma troca depois do rafting, mas meu tênis estava tão encharcado que acabei desistindo e segui com o pé molhado mesmo.
Nesse ínterim engoli uma banana, uma barra de cereais e bebidas isotônicas. Hidratados e alimentados, por assim dizer, começamos a longa jornada de mountain bike: 18 intermináveis quilômetros.
O meu pesadelo começou exatamente nesta etapa. Eu até tenho o costume de andar de bicicleta. Tá bom, não é de andar, mas sim passear. Há entre pedalar em asfalto e pedalar num terreno arenoso como o da prova. Em muitos trechos era possível pedalar tranqüilamente, pois a areia estava mais batida. Em outros, era tombo garantido.
O bom e velho espírito de equipe – Nessa modalidade percebi realmente o que é espírito de equipe. Os meninos já estavam de sobreaviso de que eu teria muita dificuldade nessa modalidade e se organizaram para me ajudar. Nos trechos de subida, por exemplo, o Alexandre passava sua bicicleta para o Elias ir levando e ia correndo atrás de mim empurrando as minhas costas para me ajudar.
Nas subidas mais íngremes, nas quais nem com a ajuda dele eu conseguia pedalar, ele carregava minha bike, e eu ia atrás caminhando o mais rápido que eu conseguia. Sem a ajuda da equipe eu não teria conseguido completar a prova.
Depois de um trecho plano encontramos nossa primeira descida. A gente sempre pensa que descida é uma enorme alegria, ainda mais quando estamos cansados. A única coisa é que eu nunca imaginei que uma bicicleta pudesse chegar a uma velocidade tão grande. Meu medo era que em uma dos trechos de areião durante a descida eu derrapasse e viesse a experimentar o gosto de areia (já tinha experimentado o da terra, mesmo…).
Tudo o que desce… – Por sorte eu prorroguei minha curiosidade sobre o gosto da areia em alta velocidade. E como tudo que sobe tem que descer, a recíproca também é verdadeira. Acho que eu nunca odiei tanto subidas como naquele instante.
Depois de algum tempo, que para mim pareceram anos, chegamos ao PC3. Nossa grande batalha agora era contra o tempo. Tínhamos de chegar no PC4 até ás 14h30 para tentar evitar o corte. Acho que tínhamos mais uns dez quilômetros pela frente e eu já estava começando a sentir que o meu esforço físico estava chegando perto do seu limite. O tempo todo o que eu mais pensava é que não podia decepcionar minha equipe e foi isso que meu deu forças para continuar.
Cada vez que descíamos da bike por causa da areia ou de alguma subida, quando precisava voltar a montar nela sentia câimbras nas minhas panturrilhas. Os últimos três quilômetros foram os mais dramáticos da minha vida de aspirante a esportista. A única lembrança que me vinha na cabeça era de uma maratonista que em uma Olimpíada chegou toda torta para cruzar a linha de chegada. Senti vontade de chorar, mas acho que nem forças para isso eu tinha mais. Vimos o PC4 e busquei tudo o que restava dentro de mim para ir o mais rápido possível.
Infelizmente quando chegamos soubemos que o corte tinha sido feito vinte minutos antes e que a prova se encerraria para nós naquele momento. Para finalizar, o Daniel e o Elias fizeram a tirolesa antes de passarmos pela chegada. Fiquei muito triste quando soube que fomos cortados, mais pela minha equipe do que por mim. Porém, se tivéssemos chegado antes do corte, acho que não teria forças para continuar. Passamos pela linha de chegada e conseguimos um bom resultado para uma equipe de iniciantes: 54º de 110 equipes.
Pós-corrida – Com muito esforço, tirei meu tênis e meia e me joguei no gramado em frente à largada. Com o pouco de energia que restava, levantei do gramado, fui almoçar, tomei um banho e voltei para São Paulo.
Como repórter foi um enorme aprendizado, pois consegui enxergar coisas que apenas com depoimentos e entrevistas seria impossível. Como aspirante a atleta consegui perceber o quanto é necessário estar bem preparado antes de uma prova de tamanho desgaste físico. E como pessoa fiquei muito orgulhosa de não ter desistido e ter completado a prova relativamente bem. Não esquecendo que sem a ajuda da minha equipe, Zeca 4 Fun, eu não teria conseguido!
E apesar de estar andando como uma anciã de 90 anos, já fui conferir quando que é a próxima minicorrida. Masoquismo? Não… desafio!!!
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Este texto foi escrito por: Carol dEssen
Last modified: agosto 19, 2003