Campeão Thomas Frischknecht no alto do pódio (foto: Sampa Bikers)
Costa Rica é um pequeno país da América Central, com uma exuberante beleza natural, banhada pelos oceanos Pacífico e Atlântico, repleta de florestas, praias, vulcões e parques nacionais. Com isso, o país vem se tornando nos últimos anos um pólo de atração para aqueles que procuram um contato direto e profundo com a natureza. Entre eles, um número crescente de bikers de diversos cantos do planeta, que experimentam e desbravam suas trilhas tropicais.
A Costa Rica parece muito com o Brasil, em muitos aspectos um Brasil melhorado. A semelhança é fácil de observar na cultura, geografia, filosofia e alegria. Para começar, a Costa Rica tem extensões intactas de florestas tropicais, preciosas como a Amazônia. Por conta disso os índices pluviométricos são assombrosos traço marcante de países tropicais como, é claro, o Brasil.
Lavouras de café e cana-de-açúcar se espalham por todo o centro serrano do país, algo que se vê fácil, por exemplo, no interior de São Paulo. As estradas que correm entre as florestas lembram muito alguns caminhos sinuosos da Serra do Mar. Há ainda regiões alagadas, cheias de aves, jacarés e outros animais, feito o Pantanal.
Algumas praias têm coqueiros e areias claras, como no Nordeste. A maioria da população é católica, astros da televisão brasileira são muitos conhecidos por lá. O carnaval é uma festa famosa e o futebol também é a grande paixão daquele país, onde há campos de futebol por todos os lados e o técnico da seleção da Costa Rica é um brasileiro.
A comparação vale nas aparências, mas nunca nas dimensões. Tão bela, festiva e tropical quanto o Brasil, a Costa Rica é exageradamente mais pacata em suas proporções. Tem apenas 51 mil km² de terras, que seriam insuficientes para ocupar a área do estado da Paraíba.
A maior parte de seus habitantes vive no campo, e a população da maior cidade é San José, em torno de 100 mil habitantes. Pelo seu currículo e por sua localização a folclórica e efervescente América Central o país, como seus vizinhos, bem que poderia merecer a pejorativa alcunha de República das Bananas.
Mas a Costa Rica, diga-se desde logo, é um contundente caso a parte, apesar de ter literalmente a banana como um de seus principais produtos econômicos, ao lado do turismo, do café e da cana-de-açúcar. A diferença é que nessa república verde, chuvosa e alegre há muito encanta o mundo com suas lições de consciência ecológica. Só para se ter idéia, hoje, um quarto de todo o território está protegido por algum tipo de reserva, inclusive particular, e 12 % deles como parque nacional, com normas rigorosas de manutenção.
Mais importante é saber que o país assim se desenvolveu em meio a um epicentro de convulsões político-sociais. De um lado fica o Panamá, do outrora comandante-traficante-mercenário Manuel Noriega. Do outro a Nicarágua, que até hoje não se recuperou de quase vinte anos de guerra civil. E tem também Honduras, El Salvador e Guatemala, todos os paises com muitos problemas sociais e conflitos sanguinários. Quase sem envolver, a Costa Rica foi mais longe, pois desde 1948 as Forças Armadas do país foram extintas.
Paisagem local – A América Central tem como espinha dorsal uma cadeia de montanhas que cruza todo o território da costa Rica, conhecida como cordilheira de Tallamanca, ao sul, e Guanacaste e Tillaran, ao norte. As montanhas que cortam o país também isolam dois mundos distintos por apenas 125 quilômetros. No ponto mais largo, as águas do Atlântico e do Pacífico banham a pequena Costa Rica. No lado do pacífico o país é mais desenvolvido, já o lado do Atlântico é uma porção de astral tipicamente caribenho.
E é esse cenário de relevo verdejante, montanhoso, tropical e de muitos vulcões que sugerimos para pedaladas inesquecíveis. O país é um paraíso para mountain bikers.
Aproveitando esse fato, e inspirado na rota dos primeiros conquistadores espanhóis, Román Urbina, psicólogo de 30 anos que abandonou o divã para se dedicar a causas ecológicas e atléticas, traçou um roteiro para ser percorrido de bike. Os atletas saem do Pacífico para três dias depois terminar numa praia do Oceano Atlântico, num percurso de quase 400 quilômetros.
Esse percurso resultou também em uma das mais difíceis competições de mountain bike do planeta: La ruta de Los Conquistadores. Estive lá!
Seriam 110 km no primeiro dia. No segundo dia, 80 km com altitude máxima de 3 mil metros. Para finalizar, 127 km no terceiro dia.
A prova aconteceu em novembro, durante os dias 11,12 e 13. Uma competição que atravessa toda a Costa Rica, do pacífico ao Atlântico.
Foram 400 participantes, sendo que metade das vagas é reservada para os atletas costaricences e a outra metade para estrangeiros. Neste ano foram atletas de 27 nacionalidades.
O Brasil foi representado mim, do Sampa Bikers pela Renata Falzoni, da ESPN Brasil. Além disso, o evento conta com uma cobertura completa da imprensa local e jornalistas das mais importantes publicações da mídia especializada americana e européia. A prova é considerada por muitos a competição de mountain bike mais difícil do mundo.
Importância da prova – La Ruta de los Conquistadores iniciou há 13 anos, não como uma competição, mas como uma expedição, cujo objetivo era contemplar a grandeza dos tesouros naturais deste belo país que é a Costa Rica. Desde então, esta idéia foi mudada tornando-se uma sensacional competição internacional de mountain bike.
La Ruta é mais que uma competição, é uma experiência de superação pessoal, um desafio. O mais importante não é ganhar ou percorrer em um tempo recorde, mas sim passar por uma experiência diferente, como uma conquista pessoal e conquistar e ajudar os novos amigos ao longo do trajeto.
La Ruta de los conquistadores não é um evento para qualquer um. Além de um excelente preparo físico, o participante deve ter muita paciência, pois as dificuldades são extremas.
A paciência é definitivamente uma importante qualidade, pois as adversidades ao longo do trajeto são as mais diferenciadas. As pessoas que mais aproveitam o evento são aquelas que são desencanadas, que conseguem deixar os momentos de tensão e frustração para trás.
Na La Ruta de los Conquistadores são percorridos aproximadamente 400 quilômetros, em três dias, entre os dois oceanos, do pacífico ao Atlântico. Essa é a mesma viagem que, em 1540, os conquistadores espanhóis, liderados por Juan De Caballón, levaram 20 anos para cruzar a Costa Rica de costa a costa.
Os competidores passam por nove dos doze micro climas diferentes da Costa Rica. La ruta consiste em atravessar um bosque chuvoso, o coração de uma montanha, vulcões, encostas, pontes penseis e muito mais. Os terrenos são os mais diferentes, como terra, pedra, areia, areia vulcânica, asfalto e barro, muito barro. La Ruta de los Conquistadores coloca em prova as habilidades técnicas para manejar uma mtb, resistência, força física e psicológica e principalmente a durabilidade do equipamento.
O trajeto é devidamente marcado e ao longo do percurso encontramos pontos de assistência e controle, em alguns trechos onde carros 4 x 4 ou motos conseguem andar é possível seguir dando apoio para o participante. Mas a organização coloca em cada dia 5 postos de assistência, apoio, resgate e controles, na qual cada competidor é obrigatório a passar, até um horário limite.
Ao final da competição, são somados os tempos de cada dia, sendo o vencedor aquele que completar o menor tempo na soma dos três dias. Se um competidor não finaliza um dia, ele pode competir no dia seguinte, sendo que não será considerado na lista dos finalistas oficial da competição. Durante a parte noturna não é permitido nenhum competidor seguir na prova, sendo obrigado a seguir no veículo de resgate da competição.
O primeiro dia de competição foi o mais difícil. A largada foi dada às 5h15 da manhã, do pólo turístico de Punta Leona, às margens do Oceano Pacífico. O destino era o povoado de Santana, distante 115 quilômetros de Punta Leona, em meio a uma densa floresta tropical e 4.500 metros de ascenço total.
As subidas intermináveis com muita inclinação e muito barro. Em um trecho de 9 quilômetros, grande parte dos participantes percorreu em mais de 3 horas, havia imaginado ter percorrido todo tipo de subida, essa, conhecida como Carrara, ficou marcada.
Os participantes tinham 12 horas para terminar o trajeto. Dos 400 participantes, cerca de 300 não completaram, inclusive eu, que parei no quilômetro 60, praticamente sem forças.
O vencedor do primeiro dia foi o suíço Thomas Frischknecht (Swisspower Team), campeão mundial de maratona.
Segundo dia: percurso mais pedalável – Para quem sobreviveu ao primeiro dia, o difícil foi acordar e encontrar energias para pedalar no dia seguinte. Neste dia não fui, me intoxiquei de barras energéticas, gel e isotônicos no dia anterior, por isso não conseguia comer nada, estava muito fraco. Segui com a Renata Falzoni em um carro de apoio de uns amigos do Equador para tirar algumas fotos bem legais.
A largada foi da capital San José, o coração do país. Às 06h30 da manhã os ciclistas já estavam a postos para a largada. O percurso de 78 quilômetros tinha seu final no povoado cafeteiro de Aquiares após chegar uma altitude de três mil metros, sendo que uns 45 quilômetros de muita subida.
Apesar da longa subida, se comparado com o dia anterior o percurso foi bem mais pedalável. Um percurso totalmente diferente, pois além da altitude que deixava o ar bastante rarefeito para os participantes, tinha o problema da baixa temperatura (podendo chegar a 0°). Mas o grande desafio mesmo era sobreviver ao dia anterior. Após a longa subida, que passava bem próxima ao topado vulcão Irazú, havia um down hill muito técnico de quase 30 quilômetros, passando também bem perto do vulcão Turrialba.
O vencedor desta etapa foi o costaricence Marvin Campos (Interfin Banex Pensiones), o mesmo que conseguiu a 3ª colocação no MTB 12 horas de São Paulo, que foi disputado na semana seguinte a La Ruta de los Conquistadores. Marvin colocou mais de sete minutos na classificação acumulada de tempos sobre o Suíço Thomas Frischknecht (Swisspower Team).
Marvin tinha a seu favor um maior conhecimento de La Ruta e também uma equipe com outros seis companheiros que trabalharam para garantir uma vitória nesta difícil etapa. Marvin também foi o campeão de La ruta no ano de 2003.
Terceiro dia: muito calor e barro – Após compreender a competição e também estar um pouco mais recuperado, resolvi encarar a terceira etapa, a mais longa dos três dias com 127 km. Sem apoio é muito difícil completar esta prova.
Uma outra coisa importante é ir bem leve, sem camelbak ou nada que após alguns quilômetros se transforme em peso mais que dobrado. Combinei apoio com equipes locais, aí a coisa fluiu bem. De peso a mais só uma filmadora da amiga Renata Falzoni, mas senti falta da minha companheira de trilhas, minha inseparável máquina fotográfica.
A largada marcada para as 7 horas atrasou uns 30 minutos. O calor pela manhã já indicava que o dia não seria fácil. Um detalhe que me chamou a atenção nestes dias foi o respeito dos participantes e o modo de encarar a prova. Não se ouvia reclamações e nem histórias de espertalhões pegando carona ou cortando caminho, algo muito comum aqui no Brasil.
Outro lance legal foi na logística da prova. Todos os dias a prova não largava de onde começava. Sempre de um local diferente. Havia um caminhão baú que transportava as bicicletas e no dia seguinte colocavam as bikes todas espalhadas no chão para que cada um pegasse a sua. Ninguém mexia na bike de outro. Não se escutou nenhuma reclamação de roubo de qualquer tipo de acessório.
Os primeiros 20 quilômetros foram todos pelo asfalto. Este dia foi o que passamos por uma grande quantidade de vilas e povoados. Impressionante o envolvimento e incentivo da população local. Um enorme comboio de carros de apoio seguiam o pelotão de ciclistas acompanhando o grupo.
Estava feliz por estar no meio daquilo tudo. Terminado o trecho de asfalto encaramos um longo down hill num terreno com muitas pedras, naquela hora senti falta de uma full. Até que veio o barro, muito barro, e como tinha barro. Estava muito traumatizado do primeiro dia, mas felizmente foi um trecho pequeno de uns 500 metros.
Logo chegamos a um vilarejo onde um morador local esperava os participantes com uma mangueira para lavar as bicicletas. Mangueira para lavar as bicicletas foi o que mais vi nos primeiros 40 quilômetros. Praticamente em toda casa tinha um morador com uma mangueira esperando a passagem dos ciclistas, agora não para limpar as bikes, mas para refrescar, pois o calor era intenso.
Nas longas subidas que tínhamos pela frente os moradores também nos ofereciam laranjas, bananas, água gelada. Foi muito legal. Enquanto isso lá na frente a disputa pegava fogo.
Após as subidas percorremos uns 50 quilômetros pelo asfalto, mudando toda a tática da corrida para os ponteiros, transformando a corrida de mtb em puro ciclismo de estrada.
No dia anterior após a derrota Tomas Frischknecht disse: Estou um pouco chateado comigo mesmo porque sempre quero vencer e um atleta em minhas condições não gosta do segundo lugar. Vou fazer de tudo o possível para me recuperar e demonstrar que vim para a Costa Rica e La Ruta para ganhar. Palavras de um campeão, um tanto arrogante e nenhum pouco simpático.
No trecho de asfalto, três ciclistas escaparam: Thomas Frischknecht (Swisspower Team), o local vencedor do ano passado Paolo Montoya (Banco Cuscatlán-Santa Ana-Super Pro), e o americano Jeremiah Bishop (Volkswagen-Trek). Paolo Montoya e Bishop, sabendo que se mantivessem estas posições ficariam entre os top 5, combinaram entre si para trabalharem para o suiço.
Ao final Frischni se consagrou como o primeiro estrangeiro a conquistar o título de La Ruta de los Conquistadores, com mais de 11 minutos de vantagem sobre Marvin Campos. No feminino, a americana Louise Kobin venceu pelo terceiro ano consecutivo.
Ao final da prova o campeão mundial Thomas Frischknecht comentou aos mais de 30 meios de comunicação presentes naquele momento: Vim aqui para conhecer este charmoso país e competir nesta magnífica corrida. Agora entendo porque a chamam da mais dura do planeta.
Foi a mais dura competição que já participei. Não se trata só do duro percurso, mas também das condições do clima, do terreno e dos competidores. Tive muitos bons concorrentes e realmente não me arrependo de ter vindo. Esse tem sido um triunfo muito importante em minha carreira, completou Frischni.As palavras do suíço são um reflexo da realidade dos 400 ciclistas que iniciaram a competição no primeiro dia e só 260 completaram e um grande consolo para mim que terminei o terceiro dia quase 10 horas após a largada.
Resultado Final em 2005 – Open Men
1.Thomas Frischknecht SUI Swisspower/ Scout Team – 14:32:58
2.Marvin Campos CRC Interfin Banex Pensiones – 14:46:32
3.Paolo César Montoya CRC Santa Ana/ Banco Cuscatlán – 14:49:29
4.Deiber Esquivel CRC Interfin Banex Pensiones – 14:56:31
5.Jeremiah Bishop USA Volkswagen/ Trek Team – 15:08:30
Master A 30-39
1.Melvin Rojas CRC Litespeed/ Ciclo Guilly – 16:16:53
2.Esteban Vargas CRC Ciclo Santa Bárbara – 16:42:16
3.Esteban Méndez CRC Hospira Holding – 16:55:50
Master B 40 +
1.Allan St. Pierre CAN No team – 17:42:21
2.Pat Dodge CAN The Bike Shop – 18:51:43
3.Jorge Castillo CRC Super Pro/ Botica El Pueblo – 19:09:15
Open Women
1.Louise Kobin USA XFusion/ Adidas/ Magura Team 20:00:58
2.Ligia Madrigal CRC Powerade Team 20:58:46
3.Jamie Whitmore USA Reebok Team 22:07:35
A próxima edição de La ruta de los Conquistadores acontece nos dias 3, 4 e 5 de novembro de 2006.
O Sampa Bikers é o representante oficial do evento no Brasil e já tem um pacote para a competição.
Além disso, a organização da prova firmou uma parceira La Ruta – MTB 12 horas, onde o melhor atleta da Costa Rica na La Ruta tem o direito à inscrição e hospedagem no MTB 12 horas e os vencedores do solo masculino e feminino no 12 horas tem o direito à inscrição e hospedagem nos 3 dias de prova.
Como e quando ir à Costa Rica – Onde é: No Sul da América Central, entre o Panamá e a Nicarágua,
Melhor época: Como um bom país tropical, a Costa rica só tem duas estações bem definidas: mais seca (janeiro a abril), ideal para pedalar, e a chuvosa (maio a dezembro).
Importante: Não é necessário visto nem vacina para febre amarela. Como no Brasil, fique atento aos carros e sua segurança. Para sair do país é necessário pagar uma taxa no aeroporto para estrangeiros em torno de 20 dólares.
Quem leva: O Sampa Bikers organiza grupos de no mínimo cinco pessoas para percorrer La ruta de los Conquistadores em pelo menos cinco dias. Para quem curte desafio e a competição, o Sampa Bikers é o representante oficial no Brasil do evento la Ruta de los Conquistadores, que acontece de 3 a 4 de novembro. Mais informações no site www.sampabikers.com.br ou www.adventurerace.com .
Este texto foi escrito por: Paulo de Tarso, do Sampa Bikers