O jornalista Ricardo Ribeiro no Dakar 2002 (foto: )
Não há nada de exagero quando dizem que o Rally Paris-Dakar é um verdadeiro teste de resistência para homens e máquinas. Nosso limite está à flor da pele e ainda estamos na metade dos 8.552 quilômetros entre a França e o Egito… Não falo sobre competidores, os verdadeiros heróis do deserto, mas do cotidiano dos jornalistas que acompanham a prova, testados a todo o momento
Os repórteres viajam em aviões sem serviço de bordo (?!), sem banheiro e sem poltrona reclinável. Quando chegamos ao acampamento do rali, começa a rotina. Primeiro é preciso achar um bom lugar fora do alcance das turbinas dos malditos Antonov, aqueles aviões de carga russos que levam toneladas de equipamentos. Depois, a parte mais chata: armar a barraca. Tarefa aparentemente simples, mas depois do segundo dia no deserto é um martírio. Pronto. Já tenho um lugar para dormir. Ou melhor, tentar dormir
Mais uma maratona. É preciso correr para pegar um bom lugar na sala de imprensa, na verdade uma tenda de plástico com mesas, bancos coletivos e tomadas de energia. Espaço tem para todo mundo, mas o segredo para garantir o melhor lugar é estudar a posição do sol para que ele não se torne inconveniente durante o dia. Aqui dentro é um forno, já que as paredes transparentes não podem ser abertas devido à poeira do deserto. A situação fica ainda mais complicada no momento dos pousos e decolagens dos aviões da organização, quando sobre pó para todo lado…
Tudo instalado e espero informações. Mesmo a centenas de quilômetros daqui, conseguimos saber o que está acontecendo nas dunas da Líbia. Agora mesmo o que causou certo rebuliço foi o abandono do espanhol Joan Roma, um dos favoritos ao título na categoria motos. Depois é aguardar a chegada dos pilotos brasileiros da equipe Petrobras Lubrax para as entrevistas e fotos. Aí começa o trabalho pesado
Além de escrever textos para o site oficial e os press releases para toda a imprensa, ainda faço os boletins informativos para a ESPN Brasil, Bandsports, Bandnews, Rádio Eldorado às vezes para o SBT. Ainda tenho que descarregar as fotos da máquina digital, escolher as melhores e transmitir para o Brasil. A rotina é longa e demorada: foto, texto, rádio, televisão, jornal, revista, produção de imagens, boletins para o site oficial…
Para que tudo isso seja possível, foram longos meses de planejamento. Aliás, desde o último Dakar, em janeiro do ano passado, já estava pensando o que faria em 2003. Um ano pensando nos detalhes, que fazem muita diferença quando se está no deserto. Primeiro, o que levar e como usar os equipamentos para o trabalho. Notebook IBM ThinkPad, câmera fotográfica digital da Kodak Professional, telefone via satélite Nera WorldCommunicator, máquina de vídeo digital. A lista até parece pequena, mas o número de cabinhos, fios, cartões de memória, disquetes, fitas, gravador, pilhas etc, etc, etc exigem atenção redobrada. Esquecer algo pode significar trabalho perdido e prejuízo. Em dólares ou euros!…
Tudo isso eu mesmo carrego. No lombo. Às vezes me sinto um camelo de carga. Imagine o estado das minhas costas… Não pára de dar pontadas. Às vezes trava. Os poucos metros entre o avião dos jornalistas e a tenda de imprensa parecem não ter fim quando carregamos tanta bagagem. Além dos equipamentos, há ainda a mala com as roupas e objetos pessoais. Outro dia parei para fazer as contas só por curiosidade e me assustei quando descobri que tudo o que levo nas costas (ops, no lombo) pesa quase 50 quilos!
Dez da noite. Fim do expediente. A tenda de imprensa vai sendo desmontada na mesma velocidade dos pilotos de rali. Se não prestar atenção, a mesa some debaixo do seu computador. Horário é horário. E é hora de desmontar todos os equipamentos, olhar ao redor para não esquecer nenhum cabinho e guardar tudo na mochila. Vamos jantar. Se estiver ventando no deserto, mastigamos comida com areia enquanto jogamos conversa fora
Mas tudo isso é fichinha quando telefono para a casa no Brasil. O pior desafio é ouvir a voz embargada da pequena Maria Eduarda, de apenas três anos, e as palavras de carinho da Cláudia. A mala fica leve. Escrever os artigos e os boletins torna-se brincadeira de criança e desmontar a barraca passou a ser obrigação insignificante. Não tem como conter as lágrimas
E assim vamos sobrevivendo durante longos dias pelo deserto
Ricardo Ribeiro, 31 anos, é sócio da VipComm (www.vipcomm.com.br), empresa de consultoria e assessoria de imprensa. É o único jornalista brasileiro que esteve em três edições consecutivas do Rally Paris-Dakar.
Este texto foi escrito por: Ricardo Ribeiro – De Zilla (Líbia)
Last modified: janeiro 10, 2003