As belas praias de Recife e Maceió podem oferecer mais do que sombra e água fresca. Gustavo Fachim resolveu conhecer a região sobre duas rodas e descobriu na hospitalidade e simplicidade locais, o que é a verdadeira ‘boa vida’. Confira!
Também não sabia o que era cicloturismo ou, pelo menos, ignorava o termo. Sabia que alguns já tinham feito passeios sobre duas rodas. Aliás, há tempos, já experimentara o litoral capixaba e baiano de motocicleta. Gostara da liberdade e do contato com a natureza, porém, seria melhor se estivesse realmente integrado no ambiente, sem pressa. Daí, a bicicleta.
Oportunamente, umas férias de dez dias a ser gozadas. Preparo físico garantido com algumas corridas pela manhã e umas boas braçadas à noite, por alguns meses. Dicas de como adequar a ergometria e um pouco de detalhes sobre a hidratação e alimentação com o pessoal mais ligado ao assunto. Poucas conversas e trocas de alguns e-mails com veteranos no assunto renderam boas dicas sobre comportamento (alongamentos, trânsito, hidratação, alimentação, segurança, etc), bagagem e possíveis imprevistos.
Uma geral na bike, embalada para viagem (qualquer oficina encaixota), alguns acessórios (capacete, garrafa térmica, retrovisor, bagageiro, remendos e câmaras de pneu, cabos de aço, ferramentas básicas), passagem aérea econômica (classe Z, a mais econômica não custa mais que R$ 190,00 no trecho São Paulo/Recife), roupa leve básica (bem enroladas e acondicionadas em sacos plásticos individuais para cada troca) e abrigo em tactel para situação de gala (vôo e chuva). Tudo, inclusive a bike, não pesando além de 25 kg.
Vamos ao dia-dia da viagem:
19/07
Chegada em Recife às 17h40. Balcão de informações, um telefonema, e logo depois, a própria dona da Zoia Guest Home, esta no aeroporto. Um apartamento de família, lugar tranqüilo para desembalar e montar a bike. Passeio noturno, muita água de coco. Boa noite de sono. Por distração e/ou ansiedade esqueço o “Guia 4 Rodas Praias” com o roteiro traçado.
20/07
Pela manhã, passeio ao norte, um pouco fora da rota mas justificado pela visita a Olinda. Cuidados maiores com o trânsito na capital pernambucana. Pedalados 83 kms ao fim do dia, com um pequeno e único susto, no trecho entre o Jangadeiros e a BR-101 ( não foi possível evita-la por completo), e um grupo de perueiros que falavam sobre um assalto há pouco em que fora vítima um deles, em seguida, partiram rápido. Também foram os meus 6 km de maior velocidade. Chegada em Guaibu, praia do Circuito Mundial Hang Loose de Surf. Devorada uma peixada para quatro pessoas. Banho nas piscinas naturais em companhia de novos amigos, gente muito hospitaleira.
21/07
Deixo os amigos da Pousada dos Meus Sonhos que me presentearam com uma “carta de recomendações” para uma pousada amiga e um seixo catado na rua, depois me queixar de dores musculares – isso é um pouco de fé afastam qualquer cãimbra. Depois foram 48 km de pedal. Cheguei a Porto de Galinhas, uma parada muito freqüentada por turistas. Caminhada a beira-mar ao cair da tarde, e à noite um excelente restaurante com pratos exóticos, o Beijupirá. Na Secretaria de Turismo Municipal e com alguns nativos, traço meu roteiro para o dia seguinte.
22/07
Corrigidos alguns problemas com a bike (trocada a corrente e o volante triplo em uma cidade próxima, por R$ 14,00), alcanço a PE-60 e passo cansado por Camelas (entendo o porque deste nome topológico). Encontro ‘seu’ Antônio da Silva, do engenho próximo, empurrando a sua bike de pneu furado, e tento retribuir o agrado dos conterrâneos, sem sucesso no remendo. Feita nova amizade, recebo de presente sua única chave de fenda que usamos na empreitada. Convite permanente para o café, quando passar por lá.
Desço pelo acesso a Barra de Sirinhaé e alcanço o litoral. Já pedalados 64 km do Projeto Costa Dourada, deparo com uma porteira, que protege uma fazenda de coqueiro. Estou em Guadalupe, reduto de ‘seu’ Marco e mais três famílias, que além de oferecer goiabada cascão e um canto na sua varanda para um cochilo, me leva à outra margem do Rio dos Carneiros, no único transporte local – sua jangada -ilustrando a travessia com histórias do lugar, onde holandeses se fizeram presentes!
23 e 24/07
Em Tamandaré, passo a integrar o ambiente familiar da Pousada Villa Esmeralda, em companhia de Jorge, Paula, Artur e Pedro “Aleixas” (não consegui compreender o sobrenome do meu maior amigo da viagem). Com seus dois anos, me fez sentir ainda mais em casa naquele reduto paulistano ‘simpatissíssimo’. Por conta disso, atraso a viagem e fico ali por mais um dia. Saborosas refeições e companhias agradáveis, numa boa instalação diante de bela praia. Tentação para qualquer um ficar pelo resto da vida. Sacrificando o convite para a churrascada do sábado, despeço-me dos novos amigos que há muito parecia conhecer.
25/07
Após pedalar 55 km, estou em Maragoji, praia bela e barracas com quitutes e pratos típicos muito bem servidos. Pousada Olho D’Água a beira-mar. Chove bastante e aproveito a parada para bom descanso. Café da manhã muito bem servido pela cozinheira que a todos atendia na mesa com as predileções. Gente de bem com a vida, marca registrada daquele povo, que mesmo sem muito, sabe gozar o melhor da vida. Aproveito as conversas para conferir as dicas e preparar-me para a tarefa do dia: seguir até São José da Coroa Grande pela orla, enquanto a maré estiver baixa. O melhor dia de pedal.
Duas travessias de canoas, boas conversas nas vilas de Porto da Pedra, Porto da Rua e Barra de São Miguel. Uma última informação do pescador local, seguidos de 25km de praia e duas pontas em falésias, tudo em companhia do mar, areia e coqueiros. Inesquecível dia de existência! Na última encosta, um retrato do coqueiro solitário inclinado ao alto. Sem entender sua resistência à gravidade, descanso do merecido esforço num cinco estrelas à beira-mar – NOZ Exotic. Atendimento a rigor, até a bike ganha um fino trato do pessoal da garagem. Não consigo resistir à chuva que inviabiliza o convite para o forró local e entrego-me ao sonho noturno que não consegue sequer ser condizente com o dia vivido. E poetizam que sonhar é que é preciso.
26, 27 e 28/07
Chove bastante e o vento sul me faz cansar. Fica registrada a dica, para quem fizer este percurso no inverno: inverta o sentido e pedale Maceió/Recife; vai ser menos penoso. Maceió parece triste naquele domingo chuvoso. Resolvo descansar meus próximos três dias em terra conhecida. Chego na Praia do Francês, faço boa opção de hospedagem e termino a semana numa cerveja cosmopolita com o Comandante Paulo, que vive seus dias parnasianos naquele pedaço de bom Brasil. São poucos dias de boa comida, peladas na praia ao cair da tarde, e dominó na praça ao fim da noite. Tudo acompanhado de muita boa conversa. Com Tomas Édison, mineiro que correu o mundo e faz boa comida numa barraca a ver o mar, filosofo e concluo que a bondade é inerente ao humano. Vive-se muito com muito pouco.
29/07
Volto para Maceió. Deixo a bike na oficina para embalagem. Vou até Ponta Verde, petiscos e conversas com um menino ambulante e um foragido com os quais divido a mesa e troco conceitos de Direito Penal (falamos sobre prescrição de pena), além de referencias de conhecidos de Osasco-SP. Finalmente, ganho um banho numa das boas academias daquele bairro burguês, a troco destas boas histórias. Ainda aposto com o taxista local que, mesmo levando a vantagem, me esmola com um desconto na corrida até o aeroporto. Inesquecível passeio. Voltei para casar.
Este texto foi escrito por: Webventure