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De volta à vela, Fábio Bodra fala sobre a luta contra o câncer e a ausência no esporte


Espírito de velejador o ajudou na recuperação (foto: Lilian El Maerrawi/ www.webventure.com.br)

Praticar um esporte envolve muitas vezes mais do que ser competitivo ou ter uma profissão, como também manter uma paixão. Fábio Bodra, velejador, é a personificação desse exemplo.

Há 19 anos na vela, Bodra teve que deixar o esporte por um ano para tratar um câncer localizado nas costas, na região do rim. Descobertos em fase inicial, em alguns momentos os dois tumores de sete centímetros diagnosticados não tiraram o velejador do barco, inclusive três dias depois da primeira biopsia ele começaria as sessões de quimioterapia, e entre a sexta e a segunda, teve forças para fazer uma regata.

Velejador de classes olímpicas e pan-americanas, Fabio já disputou provas pela classe Lighting, na qual conquistou o título pan-americano e brasileiro, pela Finn, que o levou por cinco anos para a Europa, conciliando estudos com a vela, pela Star, classe dos amigos Robert Scheidt e Bruno Prada, que inclusive o levaram para essa classe fazendo de Bodra o sparring deles, ou seja, o barco que faz os treinos juntos ao principal. E foi ao lados dos velejadores durante um treino que ele sentiu uma forte dor nas costas e foi ao médico pensando ser apenas um mal jeito, já que ele velejava simultaneamente de Star de Finn, que exige muito fisicamente do velejador.

“Acabou a sessão da biopsia e eu liguei para o meu proeiro e mandei ele montar o barco que já estava guardado. Se tudo corresse bem, eu ficaria ainda uns oito meses longe da vela, e o avisei que correríamos na regata daquele fim de semana. Ainda liguei para o médico, pedi a opinião dele e ele me alertou que eu sentiria dores, mas dor por dor, velejando de Finn e fazendo muita força, eu sentiria de qualquer jeito, então ele me disse ‘monta o barco e vai’”, explicou Fabio, concluindo que essa decisão foi fundamental em sua recuperação e na força que teve para agüentar todo o tratamento e os meses longe do esporte.

Pensamento Positivo – Outra questão fundamental para sua recuperação, de acordo com Bodra, foram as palavras de seu médico, que afirmou que ele tinha de 60 a 80% de chances de se curar do câncer e o questionou em qual regata ele entrava com esse percentual de chance de vencer.

“Coloquei na minha cabeça que eu iria lutar tudo o que eu podia, e que a vitória era conseqüência de um bom trabalho realizado, como na vela. Como o médico estava me garantindo que eu estava fazendo o melhor tratamento possível, sabia que seria um trabalho vitorioso”, contou o velejador de 34 anos, que além do esporte, é empresário.

Fabio conta que ele era o ânimo de muitos pacientes que se tratavam com ele nas sessões de quimioterapia, e que chegava ao local pedindo por sua “vitamina”. “Eu falava para o médico que eu tinha regatas para disputar, então não poderia ser operado e tinha que me curar apenas com as ‘vitaminas’”.

Fabio Bodra agora faz o controle trimestral da doença e aproveitou a 35ª Rolex Ilhabela Sailing Week, que aconteceu de 6 a 12 de julho, em Ilhabela (SP), para voltar ao esporte e rever os amigos.

“Em alguns momentos passava pela minha cabeça em nunca mais voltar ao esporte, na verdade não sabia nem se eu estaria vivo dali um tempo. Cheguei a vender um barco Finn que eu tinha porque não sabia se voltaria. No meu retorno, o Prada me arrumou um barco da Star e o (Jorge) Zarif me vendeu um barco dele mesmo para eu voltar, que foi até o que eu corri as eliminatórias para a Olimpíada de Pequim, mas ainda estou despreparado e terminei em quinto”, contou.

Mas Fábio ressalta que mesmo não alcançando a vaga para os Jogos Olímpicos, foi uma vitória pois ele pode mostrar para ele mesmo e para quem o acompanha que era capaz de fazer a regata. “Independente de ganhar ou não, você ganha numa luta contra a doença. A vitória é a saúde. Eu que pensava só em ganhar, abri meus horizontes”, falou a bordo do Timberland/ Montecristo, barco de Julio Cechetto de qual fez parte da tripulação, e foi décimo colocado na classe ORCi 500 da Semana de Vela de Ilhabela.

“Hoje eu penso diferente. Tivemos até um contratempo durante uma das regatas aqui no Montecristo e em outros tempos o clima esquentaria, mas hoje penso com calma. Realmente fico chateado com a situação, mas não saio mais xingando nem fico bravo com a tripulação. Não me cobro muito mais”, disse no píer do Yacht Club de Ilhabela.

“Mas vou correr com o Artur na classe Star no ano que vem e faremos o sul-americano no Chile e o Mundial na Suécia, e aí sim eu vou me cobrar um pouco. O Artur vai sofrer um pouco mais que o pessoal aqui do Montecristo”, falou rindo e mostrando que mesmo velejando por prazer, se recuperando da doença e fazendo o controle dela, a competitividade ainda se faz presente.

Um dos presentes durante grande parte da história de Fábio Bodra na vela, incluindo os momentos de ausência graças ao tratamento que fez para se curar do câncer, foi Robert Scheidt.

De passagem pela 35ª Rolex Ilhabela Sailing Week, na última semana, o velejador fez grandes elogios à força que Bodra teve para lutar contra a doença e voltar ao esporte. “O Fábio soube superar muito bem o problema e voltou a velejar muito rapidamente. O pequeno esforço que fizemos chamando-o para alguns campeonatos já o animaram muito”, falou Scheidt.

Sobre a tristeza de se afastar da vela, Robert ressalta a força que foi feita por Fábio Bodra para não desanimar, manter a cabeça erguida e planejar seu retorno. “Para quem está acostumado a velejar e competir, principalmente quem é acostumado com o clima do esporte e as amizades, é muito duro, mas com problemas de saúde tem que sempre manter o pensamento positivo. Acho que essa é a maneira de se recuperar”, explicou Scheidt.

A semelhança entre a luta contra um câncer e uma regata na classe Finn é grande, de acordo com Fábio. “É um espírito de luta. É um homem sozinho em um barco que se faz muita força, então esse processo da vela te ensina muita coisa na vida, não só a curar uma doença, como gerenciar a sua empresa, e quem me ajudou muito, além do Scheidt e do Prada, foi o Jorge Zarif”, contou ele sobre o amigo que faleceu em março deste ano vítima de um infarto.

Em seu retorno ao esporte, ele diz que Zarif, Scheidt e Prada foram grandes companheiros, o incentivando a correr algumas regatas, inclusive quando ele não se sentia capaz de realizá-las, por estar muito fraco.

Um ano após descobrir o câncer, o que aconteceu após uma regata no Rio de Janeiro, ele voltou às competições, emocionado e cumprindo a promessa que fez quando descobriu os tumores. “Eu disse que voltaria dali um ano para a mesma regata e curado”.

“Para correr de volta na regata do Rio, no ano seguinte, o dermatologista me deu uma roupa especial para correr porque eu não podia pegar sol, então eu ia todo encapotado, só com o rosto de fora, e meu proeiro Artur viu uma lágrima escorrendo dos meus olhos quando cruzei a linha de chegada”, explicou.

Este texto foi escrito por: Lilian El Maerrawi