Pedalada foi de Pakhara a Katmandhu (foto: Arquivo Desafio)
Muita gente está sentada agora pensando que não tem coragem, fôlego ou mesmo tempo para se aventurar. E o que dizer de quem não tem pernas? Pois um grupo de brasileiros portadores de deficiência física encarou as corredeiras de um rio classe IV, dois dias de pedal e um vôo de balão a 3.500m de altitude, entre outras aventuras. Tudo isto no Nepal.
O “Desafio de Atitude” foi idéia do médico Manoel Morgado, que não é deficiente e largou tudo para viajar pelo mundo. Sua primeira experiência no Nepal foi há 17 anos. Em 95, numa das andanças pela capital Katmandhu, ele se deparou com um grupo de deficientes norte-americanos. “Eles haviam feito trekking. Aquilo abriu a minha cabeça e eu quis formar um grupo brasileiro para levar até lá”, conta Manoel.
Dois anos depois, nove portadores de deficiência, sete amputados e dois paraplégicos, toparam a aventura, entre eles Ranimiro Lotufo, que perdeu uma perna pilotando um parapente, o empresário Edson Passafaro, que já havia se enveredado pelos esportes extremos, e Lois Neubauer, hoje dono de uma revista de aventura e um dos incentivadores de um projeto de esportes com crianças deficientes. Também faziam parte do grupo pessoas que jamais haviam pensado em viver tal experiência, como um médico que nem sabe nadar. “Foi a maior aventura da minha vida”, resume Ranimiro.
Quem tiver coragem – ou quiser se inspirar na força desses homens, embarque neste Aventura Brasil.
Lois equilibrava uma mala grande no colo, enquanto empurrava a cadeira de rodas. Nada comparado a equilibrar-se num bote, no meio de uma corredeira, ou voar de ultraleve. Ele venceu os três desafios.
“O objetivo da expedição era desestigmatizar o portador de deficiência. Ele fizeram coisas para as quais muita gente não tem coragem e eles não eram atletas, a maioria estreava na aventura”, conta Manoel, que era guia do grupo juntamente com Dedé Ramos e Leonie McHugh. “Em nenhum momento tive medo que pudesse ter algum problema com eles ou que correriam riscos. Tudo foi planejado e havia uma equipe muito boa.”
Para o rafting, que foi a atividade desempenhada em seis dos 24 dias da viagem, houve treinamento das manobras num lago e cada aventureiro tinha um “safety” à disposição – trata-se de um guia que fica num caiaque pronto para socorrer o rafteiro em caso de necessidade; normalmente, há um “safety” por bote. E em lugar de oito pessoas, havia apenas cinco em cada bote.
Para entrar e sair dos ônibus, restaurantes, museus e outros locais visitados, havia uma equipe para montar cadeiras de roda ou carregar nas costas quem precisasse. Além disso ninguém era dispensado de aquecimento, alongamento e também de tarefas básicas na montagem do camping, onde o grupo dormiu durante boa parte da expedição.
“O esporte mais radical que eu pratiquei lá foi viajar oito, dez horas de ônibus, beirando aqueles precipícios. Os nepalesinhos dirigem, digamos bem ‘desencanados’… O banco saia do lugar a toda hora”, diverte-se Edson Passafaro.
A primeira aventura foi, claro, o rafting, tema principal do Desafio. O rio escolhido, entre os muitos que o Nepal oferece, foi o Kali Gandaki, classe IV, próximo da cidade de Pokhara. “Toda aquela região, famosa pelo trekking e a escalada, também tem um grande potencial para o rafting e a canoagem. Os rios são volumosos, ao contrário de muitos no Brasil, não há perigo de se ferir nas pedras ou bater a cabeça no fundo”, explica Manoel. “Escolhemos o Kali Gandaki porque tem muitas praias bonitas.”
O grupo acampou às margens do rio durante os seis dias de atividade. Nos botes havia sempre um guia local. Os demais remadores eram portadores de deficiência. “No rafting, um deficiente se comporta exatamente como qualquer pessoa, apoiando de um lado a outro conforme o rio faz o bote pender. Se virar, como de fato aconteceu, ele sabe que basta ficar na posição correta que o safety irá resgatá-lo”, conta Morgado.
Por ter uma lesão muito alta e quase não possuir musculatura lateral que lhe proporcione o suporte do corpo, Passafaro teve tratamento ‘especial’. “Improvisaram um banco para que ficasse sentado dentro do bote. Eu era o primeiro a entrar na corredeira, o primeiro banho era meu”, ri.
Vira-vira – Além do rafting, o grupo experimentou também a canoagem slalom, que obrigou os mais receosos a se acostumar com o constante vira-vira do barco. Por sorte, a temperatura no vale onde está situado aquele trecho do rio está muito longe do frio das famosas montanhas.
A experiência no Kali Gandali só não pode ser feita entre junho e agosto. Entre setembro e outubro, o volume de água é maior, ocasionando corredeiras de até classe V. Hoje uma barragem só permite a prática de esportes no rio por tres dias na semana.
As corredeiras não bastaram. Mountain bike, balonismo, parapente e ultraleve completaram o Desafio. A volta a Pokhara foi feita na pedalada por alguns dos aventureiros mais acostumados, beirando os precipícios e desfrutando do visual variado do Nepal. Ao longe era possível ver as montanhas nevadas, mas o caminho era rodeado por muito verde.
Em Katmandhu, o grupo fez um vôo de balão, considerado o mais alto do mundo, a 3.500m. Em uma hora se divertindo como crianças, eles chegaram a 200km do Himalaia. “Não venta muito no vale, isso tornou o vôo bastante seguro. E depois fizemos a alegria da meninada local, que faz uma festa a cada pouso”, conta Manoel.
Para Passafaro, foi a superação de mais um limite. “Já que eu não podia ficar em pé, improvisaram uma cadeira para que eu pudesse participar do vôo. Esta é a parte legal, a disposição que a equipe tinha de fazer algo para ver como seria”.
Ranimiro não podia passar pelo Nepal sem voar de parapente. Ele, que não deixou de praticar o esporte após o acidente, teve algumas dificuldades para decolar. “Tinha casas, fios, tudo ali por perto. Mesmo quando encontrei o vento e o lugar certos, ainda fui ralando para decolar, mas o visual compensou tudo.” Para também conferir o visual nepalês, Lois optou pelo ultraleve, aproveitando para fotografar e filmar o desafio.
Para encerrar a aventura, os brasileiros passearam pelo Chitwan Nation Park, um dos lugares que preserva a grande variedade de fauna e flora da região. O tour, claro, não podia ser convencional: foi a bordo elefantes. “O Lois, que foi sozinho num dos bichos, disse que este foi o passeio que lhe deu mais medo”, aponta Manoel.
Todo mundo perdeu o receio no momento em que o pacato elefante parou para se refrescar num lago do parque: o grupo se aproximou e aproveitou para ‘nadar’ com ele.
“Eu realmente me surpreendi ao ver que podia fazer aqueles esportes, como me surpreendi quando voei pela primeira vez de parapente com uma perna só. Depois passei a fazer outras coisas, como aquaride e rapel…”, comenta Ranimiro.
O Desafio não deve párar nesta edição. Uma nova etapa já foi planejada por Manoel e será feita em bike. “Serão 24 dias num percurso em que a altitude varia de 2 mil a 5.600m, na mais alta estrada transitável do mundo”, conta. Desta vez, os participantes serão selecionados pelo Comitê Paraolímpico Brasileiro. “Só poderá fazer esta viagem quem realmente estiver acostumado a pedalar muito, pois ela exige muita resistência.”
A idéia é partir em agosto próximo, se conseguirem patrocínio. “Acho que o objetivo principal da viagem, mostrar que o deficiente não é um completo inválido, está sendo cumprido. Eu não posso andar e isso não quer dizer que não possa fazer rafting… ou trabalhar, produzir na sociedade”, ensina Passafaro.
O projeto “Um Desafio de Atitude – Rafting no Nepal” foi idealizado pela Asia Online (www.asiaonline.com.br), com patrocínio de Doritos.
Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira