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Dercy, a veraneio que foi para o Alasca

Redação Webventure/ Aventura brasil

Dercy  sã e salva  na porta da Webventure (foto: Gustavo Mansur)
Dercy sã e salva na porta da Webventure (foto: Gustavo Mansur)

Aos 26 anos, Dercy é arrojada, segura e, principalmente tem uma saúde de ferro. E já foi para o Alasca. O que parece um perfil de uma jovem aventureira, na verdade é o currículo de uma Veraneio 73 – que na ‘família’ dos carros já pode ser considerada uma velha senhora. Mas a caranga rodou tranqüila os 7 mil quilômetros que separam o Brasil do extremo norte da América, em 1996. Por isso, leva o nome da famosa atriz. Segundo o dono, “quanto mais velha, mais longe ela vai.”

O autor da frase e piloto da destemida Veraneio não é nenhum figurão do off road, mas um juíz aposentado que jamais planejou chegar tão longe. Como companhia, Dalton Oliveira teve a esposa Lídia, o filho Murilo e a pequena Marília, então com 6 anos. Sim, a aventura para o Alasca foi uma viagem de férias da família. “Na verdade não planejamos ir ao Alasca. Simplesmente fomos viajando de país em país, sem saber onde íamos dormir na noite seguinte”, conta Dalton.

Não foi tão simples assim. Apesar de Dalton confiar em sua Dercy, que comprou “há mais de 10 anos”, muitos amigos o chamaram de louco por arriscar a vida da família viajando por tanto tempo com um carro velho. Quando isso acontecia, o juíz se lembrava de uma história de 20 anos atrás, que o impulsionou a se tornar um aventureiro. “Na época, eu morava em Nova Friburgo (SC) e encontrei um casal de alemães com uma Kombi onde se lia ‘Alaska-Terra del Fuego’. Se eles tinham feito essa viagem, talvez eu pudesse também.”

Sozinha, Dercy deu um banho em quem só se arrisca em grandes viagens se for apoiado em GPS, computador e telefone mundial…

No dia 4 de abril de 96, a Veraneio Dercy partiu do Brasil. Primeiro, visitou os países-vizinhos. “O que mais temíamos era a Colômbia. Meu Deus, como estava tenso ao chegar lá. O pior é que alcançamos a fronteira numa sexta-feira, às cinco da tarde. Claro que o guarda não quis nos atender e mandou que voltássemos na segunda”, lembra Dalton. “Eu insisti disse que estava com a família e não podia dormir na estrada. Então ele nos indicou um restaurante e lá uma senhora nos levou para um hotel. Foram todos gentilíssimos, nada do que imaginávamos.”

Marília fez aniversário num restaurante do Equador. “Foi o único dia que eu liberei todo mundo para pedir o que quisesse comer. A conta foi de 30 dólares! Tudo é muito barato nesses países”, conta o juíz. Para dormir, nada de hotéis. A família trocou tudo pelos ‘hostais’, casas compartilhadas com turistas, um hábito muito comum nos países sul-americanos. “Era ótimo porque minha filha sempre tinha companhia: o netinho da dona da casa, um gato…”

Já na América Central, Dercy passou a noite aos pés de um vulcão. O Arenal, na Costa Rica, entrou em erupção justamente quando a família Oliveira passava por lá. O porta-malas da Veraneio foi a cama perfeita naquele dia, para assistir ao show de lava.

Buracos na lataria – Quando chegaram em Cancun, no México, Lídia não agüentou a emoção de ter ido tão longe e saiu no carro, gritando “Ainda assim, não tínhamos consciência de que chegaríamos no Alasca”, revela Dalton. Ao entrar nos Estados Unidos, o frio aumentou e o aposentado começou desconfiar de Dercy. “Ela não tem ar quente e está cheia de buracos na lataria”, respondia a quem cogitava a ida à terra dos esquimós.

A Veraneio foi consolada por uma amigo de Dalton, aquele que lhe falou sobre o nitrogênio nos pneus. Surpreso, o executivo pediu à família que a Veraneio ficasse exposta numa feira de pneus, em Atlanta. A fama de Dercy cresceu ainda mais quando foi estampada na capa de um jornal do Rotary Clube americano. E o carro foi sensação entre os nativos.

“Os americanos gritavam pra gente no meio da rua, nos abordavam nos estacionamentos. Todo mundo queria saber que raio de carro era aquele que eles, peritos em automóveis, não conseguiam identificar. A Dercy os desafiava”, descreve Dalton. Quando abria o capô para os curiosos, ouvia: ‘Este é o motor de uma barco. Como pode?’

Finalmente, no Canadá, o motorista foi convencido a seguir para o Alasca.

“Para mim, Alasca era iglu, pingüim e esquimó. Estava errado”, confessa Dalton. Do Canadá, a família Oliveira chegou a Skagway, cidade do Alasca que faz fronteira com o sudoeste do Canadá. “Pensei. Tá bom demais, já chegamos ao Alasca, agora vamos voltar. Foi um protesto geral dentro do carro.”

Mas os aventureiros não tinham com o que se preocupar. Eles tinham a companhia de centenas de velhinhos americanos vindos do Golfo do México, onde estava chegando o calor, para aproveitar a temperatura mais amena do Alasca e a temporada de pesca. “Eram uns velhinhos capengas, de muleta, sem olho… Todos dirigindo seus motorhome pela Alaska Highway”, lembra Dalton.

Sem gelo – Chegando em Seward, só encontraram gelo nas montanhas e no mar. “Os americanos que vivem no Alasca têm muito calor humano, são receptivos. E fomos na época certa, o verão. É uma alegria para quem tem quase o ano todo de noite.”

Saboreando a comida típica do Alasca, regada a muito peixe, era o momento de fazer um balanço da viagem. Dercy se comportou perfeitamente: do equipamento trazido para casos de emergência, só o cabo de aço foi usado – para desatolar um Mustang no deserto de Nevada, nos EUA.

A família voltou para os Estados Unidos e passou alguns meses lá antes de retornar ao Brasil, de avião, porque tinha pressa em chegar. Dercy ficou em Los Angeles, esperando ser resgatada.

Para Dalton, a primeira travessia da América tinha sido uma viagem light com a família. Aventura de verdade ele encontrou ao buscar Dercy em Los Angeles e fazer o caminho de volta sozinho, passando pela Amazônia venezuelana e brasileira.

Na verdade, o juíz aposentado chegou aos EUA acompanhado de um piloto, Toquinho, e um mecânico, José Carlos, para ver de que consertos a Veraneio precisava. “O Zé ajustou a direção e trocou uma mola. Era só o que estava errado com a Dercy depois de rodar tanto. Também, eu a preservei. Não passava dos 65km/h.”

Por comprimissos profissionais, os companheiros tiveram de abandonar Dalton no Panamá, quando ele embarcou no ferry para a Colômbia. De lá, o juiz dirigiu até a Venzuela em busca do Salto del Angel, a maior queda d’água do mundo (957m). Acabou não conseguindo, mas ouviu histórias incríveis sobre o local, como a de um milionário americano que passou ali a lua-de-mel e acabou encontrando uma caixa de uísque de uma famosa fábrica, que espalhava esses caixotes em locais exóticos do planeta. “Quem achasse, ganhava uma volta ao mundo e o ricaço foi um dos felizardos.”

Parado! – Saindo da Venezuela, Dalton foi parado pelo Exército no meio da mata. Depois do susto, teve de dar carona a um índio das guianas que o perguntou sobre a morte de Lady Di. O rapaz era um guia turístico fluente em várias línguas, cujo salário, mostrou a Dalton, era em pepitas de ouro.

Na Transamazônica, a tensão aumentou. Quando o juiz passava de noite pelos 130km que margeiam uma reserva indígena, na época ainda estrada de terra, um caminhão que estava a sua frente parou com os faróis apagados. Um homem saltou do veículo e começou a acenar para Dalton. “Agora estou perdido”, pensou, no coração da floresta. Era apenas mais um julgamento precipitado. O caminhoneiro ficou sem luz e queria que o motorista da Veraneio o guiasse por um pequeno trecho da estrada.

Sãos e salvos em São Paulo, Dalton e Dercy mostraram que têm espírito de aventura de sobra. “Acho que tudo foi uma aventura para a terceira idade”, brinca. A Veraneio não foi aposentada. Ela continua rodando por São Paulo e esteve na porta da Webventure. “Mais uma plástica e ela está pronta pra outra”, promete o dono.

Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira

Last modified: agosto 27, 1999

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