Diário da Expedição Everest sem Oxigênio - 27 de abril: Aclimatação - Webventure

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Diário da Expedição Everest sem Oxigênio – 27 de abril: Aclimatação

Redação Webventure/ Montanhismo

Rodrigo Raineri  com o Everest ao fundo (foto: Vitor Negrete)
Rodrigo Raineri com o Everest ao fundo (foto: Vitor Negrete)

Neste relato de montanha, direto do Everest, o montanhista e colunista do Webventure Vitor Negrete explica como como é a aclimatação para a escalada ao cume mais alto do mundo.

Para chegar ao cume do Everest, precisamos considerar dois pontos: aclimatação e a janela de clima. Uma pessoa colocada no cume do Everest perderia a consciência em minutos e em algumas horas provavelmente morreria. Para chegar ao cume do Everest, com ou sem oxigênio, o alpinista precisa passar por um processo chamado de aclimatação.

A aclimatação é o processo pelo qual gradualmente nos adaptamos à falta de oxigênio no ar. No cume do Everest temos praticamente um terço do oxigênio presente no nível do mar. As transformações fisiológicas que ocorrem durante esse processo aumentam a entrega de oxigênio para as células e melhoram o seu uso por elas. Com a falta de oxigênio, respiramos mais rápido e profundamente, isto causa uma alteração no pH do sangue (alcalose). Esta alteração dificulta a troca gasosa no pulmão e a incorporação de oxigênio no sangue.

A medida que nos aclimatamos, ocorre uma compensação gradual dos rins, que excretam bicarbonato para ajustar o pH do sangue para um valor normal, o que permite a incorporação de oxigênio no sangue na troca gasosa que ocorre nos pulmões. Com a aclimatação também ocorre uma multiplicação dos glóbulos vermelhos presentes no sangue para tornar a troca gasosa nos pulmões mais eficiente. Estas transformações representam a luta do nosso corpo para sobreviver em um ambiente no qual existe menos oxigênio no ar.

Dificuldades – A aclimatação tem um forte componente genético e cada pessoa se aclimata de uma forma diferente. Alguns se aclimatam rapidamente e outros nunca se aclimatam. A capacidade de se adaptar à falta de oxigênio independe da aptidão física. Triatletas e maratonistas podem ter maior dificuldade de adaptação que uma pessoa sedentária.

Uma forma de estimular e acelerar o processo de aclimatação é o que chamamos de: “andar alto e dormir baixo”. Nós saímos do ABC (acampamento base avançado) a 6.400 metros, subimos até o colo norte da montanha a 7.100 e no mesmo dia voltamos para o ABC. No dia seguinte descemos para o BC (acampamento base) a 5.200 metros e no dia seguinte descemos de carro até a vila de Tingri a 4.300.

Esta subida e descida tem como objetivo estimular e acelerar a aclimatação do nosso corpo. Para nos adaptar à falta de oxigênio precisamos estar bem alimentados e saudáveis. Por isto as subidas e descidas.

Na descida, é aconselhável ir abaixo dos cinco mil metros. Se descansarmos acima dos 5.500, existe uma competição entre a adaptação e a deterioração devido a falta de oxigênio. À medida que subimos, a falta dele aumenta e com ela a deterioração do organismo. Assim, cada subida deve ser planejada considerando o tempo de permanência e o estado da pessoa para aquela altitude. Acima dos 8 mil metros a deterioração é extrema e fica impossível sobreviver. Esta região é chamada de zona da morte por alguns autores.

Na nossa expedição, ate agora, fizemos uma subida até 7.100 metros no colo norte e descemos até 4.300. Pretendemos subir mais uma vez, dormir uma noite nos 7.100 para no dia seguinte subir, provavelmente, até 7.800 ou 8.000 metros e descer progressivamente até 4.900. Assim repetindo a primeira descida, para descansar em um local com oxigênio suficiente para as transformações fisiológicas da aclimatação.

Daí subimos até o BC para esperar a janela de tempo (clima) e lançamos um ataque rápido ao cume. Com uma noite no colo norte (acampamento 1), uma noite no acampamento 2, e algumas horas no acampamento 3 para hidratação e ataque ao cume, que deve ter sua ultima etapa iniciada às 23hs. Precisamos chegar ao cume até às 14hs.

Este esquema de aclimatação é uma opção entre muitas outras. Na escalada invernal do Aconcágua, a Try On Expedition I, tínhamos sete ou oito esquemas diferentes, e no final decidimos por uma estratégia de ataque distinta de todas as opções anteriores. Decidimos atacar o cume a partir de Nido de Condores a 5.400 metros aproveitando uma janela de tempo inesperada.

Estratégia para o Everest – Existem duas correntes climáticas que colidem. Uma é a corrente das monções que vem do sul, da Índia, que é úmida; e a outra corrente climática vem do norte do continente asiático. No verão a monção do sul prevalece. Já no inverno a dominante é a que vem do norte. Na primavera e no outono estas massas de ar se equilibram na altura do Everest, é o momento no qual os alpinistas correm para tentar atingir o cume da montanha.

O período de tempo chamado de janela, no qual as massas de ar se equilibram, pode não ocorrer, ou durar 15 dias, pode ter sete dias, cessar e se repetir por mais sete dias, de acordo com a temporada. Não existe uma previsão exata para a janela de tempo. Nesta expedição, pretendemos estar prontos e aclimatados no acampamento base no dia 14 de maio para esperarmos ansiosos pela janela de tempo e, juntamente com mais 23 expedições, atacar o cume. Assim não sabemos exatamente em que dia atacaremos o cume. A data exata depende do clima na montanha.

Este texto foi escrito por: Vitor Negrete, da Try On Expedition 2 no Everest

Last modified: abril 27, 2005

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