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Diário de Porto 47 – Mais um dia no escritório


Team ABN Amro (foto: Jon Nash)

“Nuvens enigmáticas, pó-de-sol dramático, lua cheia digna de cinema, golfinhos, baleias, arco-íris no ar, mar brilhante a perder de vista em um dia daqueles que só a primavera pode dar”.

Lindo não é mesmo? E de certa maneira bem simples, afinal não é nada mais do que a Natureza em equilíbrio executando a sua obra máxima para nosso encantamento. São essas as imagens que vêm imediatamente à cabeça quando pensamos em uma viagem de volta ao mundo a bordo de um veleiro.

Na verdade não é bem isso que acontece ou, melhor, não é sempre que isso acontece em uma prova como a Volvo Ocean Race. Para os tripulantes dos barcos todo o primeiro parágrafo deve ser substituído por uma rotina que acaba sendo tão rotina quanto à de um escritório, fábrica, televisão, consultório, escola, teatro, loja, posto de gasolina, restaurante e banco.

Dura rotina – Quando os tripulantes estão no convés é trabalho intenso durante 4 horas. Depois é beliche e o trabalho, então, se chama descanso por outras 4 horas. Em seguida mais convés e depois mais beliche. Não é uma experiência muito poética. Os tripulantes têm um trabalho manual
forte, permanecem focados e concentrados, muito quietos. Cada um fazendo o que é esperado deles. Cada um se comunicando da melhor maneira possível com as suas tarefas.

O Timoneiro da hora “conversa” com o barco que “argumenta” com as ondas e com o vento, que por sua vez “retruca” com o timoneiro. Dessa “discussão” toda sai um entendimento que é traduzido em números de avanço mais rápido, mais objetivo e mais seguro.

Os Trimmers de plantão se concentram nos 6 números que ficam no painel colocado ao pé do mastro. São números que “falam” das velocidades do vento e do barco, números que “traduzem” como o barco está se comportando e que precisam ser consultados a todo segundo. Da correta interpretação deles saem as sutis ou drásticas mudanças na regulagem das velas.

O Navegador, antes considerado um artista se tornou definitivamente um cientista. Um daqueles que tem a obrigação de “ler” com antecedência o “roteiro” que a meteorologia está preparando para apresentar.

O Skipper tal qual o maestro de uma orquestra é “todo ouvidos” e dessa aparente cacofonia de múltiplas línguas diferentes, filtra decisões e age.

Mas tem mais. Os tripulantes além de se comunicarem com a natureza, o barco e as velas, também se comunicam entre eles, com gestos econômicos, frases curtas e a confiança que só a convivência e o respeito trazem. O homem da mídia a bordo se comunica ainda com o mundo exterior através da Internet e do Rádio.

Jogo – Dez homens se comunicando permanentemente em estado de alerta máximo cuidando de cada um e de todos, uma espécie de jogo de xadrez entre os 4 mosqueteiros.

Igual, como vimos, à rotina de qualquer outra atividade. Mais um dia no escritório só que com uma chance bem maior de, uma hora ou outra, aparecer um dia de primavera com as tais “Nuvens enigmáticas, o por de sol dramático, uma lua cheia digna de cinema, os golfinhos, as baleias, o arco-íris no ar e o mar brilhante a perder de vista”.

Este texto foi escrito por: Carlos Lua, correspondente do TEAM ABN AMRO