Bartolomeu Dias (foto: Carlos Lua)
Neste diário, o correspondente Carlos Lua escreve sobre o Capitão Bartolomeu Dias, desbravador do período das Grandes Navegações, a quem é creditado o primeiro contorno do Cabo da Boa Esperança.
Direto da Cidade do Cabo (África) – Prezado Capitão, uma carta, quando temos certeza de que o destinatário não tem como recebê-la é sempre uma mistura de admiração com respeito e com homenagem. Mesmo escrita tanto tempo depois do feito que abriu definitivamente a rota marítima para as riquezas do oriente e arrancou os colonizadores das costas européias. Afinal o que é que são 517 anos para essa nossa velha Terra de bilhões de anos?
Pois bem, Capitão (me permita chamá-lo assim na esperança que seja o tratamento correto) a sua descoberta do Cabo das Tormentas (logo depois sábia e apropriadamente denominado da Boa Esperança por El Rei Dom João Segundo) desencadeou o famoso ciclo das navegações e todas as subseqüentes campanhas que acabaram por diminuir muito o tamanho do Planeta.
É que ao descobrir e dobrar o Boa Esperança o senhor pôs um fim à seqüência de pequenas expedições que foram descobrindo a costa oeste africana pouco a pouco, desafio a desafio, medo a medo e cabo a cabo. Infelizmente o senhor já havia nos deixado, convocado pelo próprio Cabo da Boa Esperança em 1500 e não pode ver o impacto de sua descoberta.
Novo Mundo – O Atlântico estava definitivamente ligado ao Índico e aí vieram as grandes expedições, o Novo Mundo inteiro, muitos avanços para a navegação em particular e para os humanos em geral entre eles o tal de satélite. Que invenção essa, Capitão! Pequenos planetas artificiais que assim como os seus modelos naturais, a Lua, o Sol e as outras tantas estrelas servem para que as pessoas se orientem, comuniquem e até mesmo se vejam instantaneamente. Magia? Não, nada disso, tecnologia (uma espécie de aperfeiçoamento das artes aplicadas como aquela dos mestres que construíram a sua caravela, para o senhor entender melhor) pura, resultado da dedicação de mentes incansáveis como a sua, incapazes de desistir frente ao primeiro desafio.
Pois bem esse tal de satélite permite hoje (estamos no final de 2005) que em todos os cantos do mundo, em livros de bordo especiais, as pessoas possam ver onde se encontram 5 barcos que saíram da costa da Espanha em direção ao Cabo da Boa Esperança. Barcos do tamanho (21 metros de comprimento) de sua caravela quinhentista de dois mastros mas com apenas um mastro e velas enormes, sem armamento nenhum (estão participando de uma competição coisa muito comum nos dias de hoje que os transportes são na maioria feitos por aviões que são pássaros artificiais, é sério! Mas isso fica para explicar em
uma próxima carta) e que vão fazer o percurso em apenas 21 dias. Exatamente, somente 3 semanas do Cabo Finisterra ao Cabo da Boa Esperança, com apenas 10 pessoas a bordo de cada um desses barcos.
E lembrar que o senhor perdeu 13 dias inteiros com as tempestades em sua viagem! É assombroso mesmo, não é?
Mas por mais inacreditável que seja para o senhor, porém, isso está acontecendo neste instante e enquanto escrevo essa missiva posso olhar aqui nesse meu livro de bordo (esqueci de comentar que ele tem textos e imagens que se renovam sem que alguém tenha que escrever ou desenhar nele, mas isso é assunto para outra carta ainda) e ver onde estão todos os barcos, a que velocidade navegam, que vela estão usando e como está o mar e o vento por onde eles passam.
Mas o mais importante, Capitão Bartolomeu Dias e o motivo principal desta carta é comunicar que todos eles estão fazendo o caminho inaugurado pelo senhor, seguindo exatamente a “volta do mar”, usada desde as suas viagens com Vasco da Gama e com Pedro Álvares Cabral descobrindo o Brasil. O senhor pode se orgulhar de ter “descoberto” também isso.
Por hoje é só, com todo o respeito e mais uma vez toda a admiração,
Carlos Lua direto da Cidade do Cabo.
PS Ah! Ontem fui ver a sua estátua aqui na Cidade do Cabo, mando junto uma foto (na próxima carta explico essa novidade também) para servir de prova.
PPS Ah! Vão também algumas palavras escritas sobre o senhor por Fernando Pessoa um conterrâneo seu, também com uma história ligada à África e às navegações. Um rapaz com um talento inigualável para as palavras um verdadeiro explorador das idéias. Tenho certeza de que o senhor vai gostar muito, olha só que bonito.
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”
– Fernando Pessoa
Este texto foi escrito por: Carlos Lua, correspondente do Team ABN AMRO
Last modified: novembro 28, 2005