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Diário do Bravo: Matias chega a Galápagos

Redação Webventure/ Vela

Aproveitando Galápagos (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
Aproveitando Galápagos (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)

Minha despedida do Atlântico foi um recado. O mar é um só e o Pacífico pode não ser nada pacífico. Depois de fazer algumas das melhores velejadas da minha vida, nas quais atravessei o Caribe de leste a oeste com ventos e correntes a favor, minha última perna no Atlântico foi “casca de ferida”. Acabei demorando o dobro do que imaginava de Carti até Colón. Na chegada em Colón encontrei uma cidade tão perigosa que não era possível sair da marina e andar livremente pelas ruas, os assaltos acontecem em plena luz do dia e fazem SP parecer com Geneve.

Como não poderia deixar de ser, o submundo de Colón é facilmente reconhecido também na burocracia e tramites necessários para cruzar de um oceano ao outro. Mas, finalmente, no dia 27 de Julho de 2009, partimos de Shalter Bay, em Colón, e nos dirigimos à primeira eclusa. Depois de ter atravessado o Caribe em Solitário desta vez estava na companhia da Carla, o Thomas, o Carlos e o Leroy. A Carla Zaccagnini artista plástica e amiga minha de longa data; o Thomas é um grande amigo do meu irmão e, depois desta viagem, um grande amigo meu também; o Carlos e o Leroy são marinheiros profissionais já que, para atravessar o canal, são necessárias quatro pessoas além do capitão.

Para chegar no Pacífico temos que subir 30 metros acima do nível do mar até chegar num lago artificial que se chama Lago Gatun. Depois de subir as três eclusas, chegamos no lago e pernoitamos amarrados numa bóia. No dia seguinte, descemos os mesmos 30 metros passando por mais duas eclusas antes de chegar ao Pacífico. O trabalho é simples, mas precisa ser bem coordenado com quatro cabos (dois na proa e dois na popa); amarrados nas laterais das eclusas, estes cabos precisam se manter tencionados o tempo todo, deixando o barco sempre no meio da eclusa. Quando o nível da água sobe ou desce uma grande turbulência é criada na água e se o barco não estiver bem posicionado e amarrado este pode se chocar contra as paredes ou contra outros barcos. Durante a travessia pudemos ter uma ideia do que deve ter sido a construção do canal no início do século passado, coisa de louco! Mais louca ainda foi a ideia da Carla que me fez fixar uma filmadora no topo do mastro focando o barco e a água ao redor. A gravação tem mais de 10 horas e vai ser apresentada “na integra” numa feira de artes em Madrid, na Espanha.

Descanso e trabalho – Chegamos na cidade do Panamá na tarde do dia 28 e, à meia-noite do mesmo dia, seguimos para Islas Perla onde desembarcamos na tarde do dia seguinte, no caminho pescamos dois atuns. Ancorados ao largo da ilha deserta de mata fechada e areia clara, almoçamos um delicioso sashimi acompanhado de uma ótima champagne que a Carla trouxe. Estávamos todos tão cansados pela travessia e pela viagem noturna que nem descemos do barco, dormimos bastante e aproveitamos para fazer alguns trabalhos abordo.

Uma tempestade elétrica acabou danificando um dos instrumentos e tivemos que antecipar nossa volta para Panamá, onde fizemos a manutenção do barco e a preparação para a grande travessia que vem a seguir. Realizamos uma compra gigante, pois as provisões nas ilhas do Pacífico são limitadas e caras. Para se ter uma ideia, compramos 60 pacotes de macarrão e mais um monte de coisas em quantidades absurdas. O mais difícil foi achar um lugar para acomodar tudo isso dentro do barco sem ficar tropeçando em latas de atum, pacotes de arroz, leite, água e cerveja (é claro!) e mais um monte de coisas que vão ter desaparecido quando eu chegar em Fiji no final do ano (se eu chegar).

Em Panamá acabamos conhecendo outras tripulações de veleiros que também iam para Galápagos, sendo que três deles pretendem seguir para a Polinésia, dois com bandeira da Nova Zelândia, um do Canadá e outro da França. A Carla desembarcou no dia 2 de Agosto e o Thomas e eu zarpamos para Galapagos no dia seguinte, depois de abastecer os tanques com água e diesel. No começo, a viagem vinha tranquila com vento a favor e um rumo sul-sudeste que nos levava em linha reta sobre a rota que havíamos traçado, mas na madrugada do dia seguinte o vento foi minguando até acabar por completo, e o jeito foi seguir de motor.

Deveria ter desconfiado daquela parada repentina do vento. Não demorou muito e o vento começou a soprar novamente só que desta vez na direção contrária. O mar cresceu e a frequência entre uma onda e outra ia ficando cada vez mais curta. Na noite do segundo dia havia apenas quatro segundos entre a crista de uma onda e a crista da onda seguinte, uns dois metros de onda no máximo. Mas, o vento forte contra e a frequência tão curta, fez com que optássemos por ficar em capa durante três horas. Capa é o posicionamento do barco e das velas para o caso de tempestades, o barco fica numa deriva controlada até a tempestade passar. Aproveitamos este tempo para descansar. O Thomas e eu dormíamos (em turnos, por causa da eventual passagem de um navio) enquanto o pau comia lá fora.

Depois da surra, retomamos nosso rumo, só que desta vez tínhamos que ir “zig-zageando” contra o vento para conseguirmos avançar, por sorte o Bravo é um veleiro que navega muito bem contra o vento e conseguimos avançar razoavelmente bem.

Disputa – Era o terceiro dia e a rotina começava a tomar forma, não havia mais navios, estávamos muito longe da costa e muito longe de Galápagos. E ali, no meio do nada, avistamos o Aqua Marine, veleiro francês que havia partido de Panamá apenas duas horas depois de nós. Eles estavam um pouco na nossa frente e isso mexeu com os brios da tripulação e com o incontrolável instinto competitivo do capitão que aqui lhes escreve, de forma que os quatro dias restantes de viagem foram de uma regata cheia de estratégias, mudanças nas velas e rumos com o único objetivo de chegar primeiro em Galápagos. Foi divertidíssimo! Especialmente para mim que adoro correr regatas e quando navego gosto de andar o mais rápido possível desde que não danifique o material.

Chegamos primeiro na ilha de San Cristobal (principal ilha do arquipélago onde iríamos ancorar), mas o Aqua Marine chegou antes no ancoradouro por culpa de uma vacilada do capitão, que falta faz o Pedrão (nosso tático nas regatas no Brasil) nessas horas… Apesar de tudo, fomos muito bem, já que o Aqua Marine é cinco pés maior que o Bravo, um belíssimo Benetau 50′ que navega maravilhosamente bem. Ao encontrar os franceses em Galápagos chegamos à conclusão que deveríamos considerar um empate e cada um acabou pagando suas próprias cervejas. Pedimos duas no bar e qual foi nossa surpresa quando a moça nos entregou as garrafas de 750 ml com um “guardanapinho” no colarinho como se fosse uma pequena garrafinha. Foi um porre homérico! Cinco garrafas cada um e eu já não sabia como tinha chegado até ali.

Fizemos bons amigos com as tripulações que estão em Galápagos, os franceses vão voltar para Lima no Peru, os dois barcos Kiwis vão para as Marquesas, um deles saiu hoje de manhã e o outro sai na sexta ou no sábado. Eu devo sair na mesma data para fazer mais uma regata, agora contra os Kiwis. Depois de navegar acompanhado pelo Thomas (Panamá / Galapagos), volto a viajar sozinho, já que o Thomas volta para o Brasil na quinta. Vai ser uma pernada longa de Galápagos até as Marquesas, que marca a entrada na Polinésia. As Marquesas são o primeiro arquipélago para quem ruma Oeste saindo de Galápagos. Esta perna tem mais de 3.000 milhas (em línea reta) que espero navegar em 20 ou 25 dias.

Os canadenses que saíram de Panamá dois dias antes de nós vindo para Galápagos ainda não chegaram. A tripulação é formada por um casal e seus dois filhos adolescentes gêmeos. Aqui em Galápagos estamos todos muito preocupados com eles. Todos menos os franceses que garantem que os moleques devem ter jogado os pais na água no meio de uma crise de rebeldia.

Piadas a parte, já avisamos a marinha, mas o mais provável é que eles tenham voltado ou seguido diretamente para as Marquesas já que eles devem ter se afastado bastante do rumo devido ao mau tempo e a má navegabilidade do barco deles contra o vento.

Sobre Galápagos não tenho muito o que dizer, uma paisagem desértica, com tartarugas gigantes e animais esquisitos, além de focas dormindo no cais, na praia, nas pedras nos barcos, puta bicho preguiçoso! Se quiserem saber mais sobre Galápagos e só assistir ao Discovery Channel.

Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure

Last modified: abril 12, 2010

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