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Diário do Bravo: novas amizades e muita cultura no Panamá

Redação Webventure/ Vela

Matias encontrou índio apaixonado pelo Brasil (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
Matias encontrou índio apaixonado pelo Brasil (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)

Saí de Cartagena com muitos novos e bons amigos. Reencontrei o Armin, alemão de Frankfurt que está vivendo há cinco anos no mar depois de ter sido músico e instrutor de parapente nos Alpes. Hoje passa seu tempo embarcado num catamarã de um sueco que trabalha na marinha mercante e deixa o barco com o Armin, enquanto viaja o mundo de navio. Nas férias, três meses para cada cinco trabalhados, ele volta para o Caribe e para o barco. Também conheci o Tadeo, um chileno sério, mas boa gente, que está navegando há mais de 30 anos e que, assim como o Armin, estava se preparando para defender uma grana levando mochileiros de Cartagena para San-blas e depois Colón no Panamá.

Muitos barcos fazer este charter, eles cobram 370 dólares por pessoa e os catamarãs chegam a embarcar 15 pessoas no passeio, que dura aproximadamente uma semana. Do Panamá, eles voltam para Cartagena com mais passageiros, e assim vai. Ao final de um mês, os skippers, ou capitães, ganham dinheiro suficiente para não ter que se preocupar mais pelos próximos 10 meses ou mais.

Também conheci o Skip, grande figura! Americano e ex-piloto da extinta Panam, com suas histórias fantásticas da época onde as companhias aéreas serviam mais do que uma barrinha de cereais durante o voo. Aliás, naqueles anos dourados da aviação, não havia comissários de voo, apenas aeromoças que eram selecionadas pelas próprias companheiras, seguindo estritos padrões de beleza e desinibição. Segundo o Skip, grandes festas rolavam quando o avião tinha que voltar vazio para algum aeroporto, com toda a tripulação a bordo e com o meio de transporte cheio de comida e bebida. Aparentemente, algumas aeromoças não podiam desembarcar, ou por estarem muito bêbadas ou porque não achavam todas as peças de baixo.

Mais amizades – Também conheci o Estebam e a Maria em Cartagena. O Estebam é argentino (com eu) e conheceu a Maria, colombiana, em Miami, onde os dois trabalhavam. Ela navegava com ele também, ficaram amigos e compraram um barco juntos, como sócios, para poderem viajar, mas aí ocorreu o óbvio e os dois resolveram se casar. Graças à Maria consegui conhecer o que há por traz das paredes das antigas casas do centro histórico de Cartagena. As ruas estreitas de pedra sustentam lindas casas. Casas machucadas, como diz a minha filha mais velha, Marina, quando vê uma casa bonita, mas velha, ou precisando de reforma.

Estas casas de pé direito muito alto são voltadas para dentro, todos os quartos e janelas dão para um ou mais jardins internos onde sempre tem um chafariz ou uma fonte de água. Neste que entramos tinha duas palmeiras imperiais que deviam medir mais de 15 metros de altura. A decoração era de tão bom gosto que chegava a irritar.

O ponto de encontro era o Club Náutico, um pequeno clube caindo aos pedaços, literalmente, pois estava em reformas. Ali podíamos acessar a internet, além de tomar duas cervejas pelo preço de uma entre as 17h e às 18h. Foi lá que falei ao Tadeo da epopéia que tem sido a instalação do Max Sea, um programa de navegação que todo mundo usa e que eu venho tentando instalar desde que saí a um ano atrás. O Tadeo me deu o número de um cara que, segundo ele, manja tudo de computadores. E lá fomos, o Armin e eu, para conhecer o mais famoso hacker de Cartagena: Felix Malo, “malo para las gravadoras, pero bueno para su computadora!”.

Ao chegar à galeria onde ficava a loja do Felix, o encontramos rodeado de computadores e de amigos, todos ouvindo rumba e pedindo para o nosso pirata virtual uma música para ouvir ou para gravar no pen drive, que todos traziam no bolso. Expliquei pra ele o meu caso, que tinha um Mac e que não conseguia fazer o tal do programa rodar, pois este era feito para PC, etc, etc e tal. Ele pegou meu laptop, ligou num dos tantos drives que ele tinha e começou a trabalhar ao som de uma rumba que se chamava ”Gringos! Go home!”

Dez minutos depois meu computador já estava rodando o tal programa e, ainda por cima, interfaceando com o GPS manual de forma que eu, hoje, posso navegar utilizando meu laptop com todas as informações que tenho no sistema do barco um excelente backup que eu estava precisando. Tudo isso me custou 40 dólares e uma rodada de cerveja para todos.

As coisas iam bem em Cartagena, mas meu caixa andava meio fraco, por isso resolvi tentar a sorte e levar alguns mochileiros para San Blas e tentar pagar pelo cruze do canal, que vai me custar 1.000 dólares. Fui para três albergues da cidade, onde ofereci meus serviços por um preço abaixo da concorrência e pagando uma comissão maior para o pessoal da recepção, mas nada disso adiantou. Eu tinha que sair de Cartagena, pois a Carla e o Tomas estariam me esperando em Colón para fazer a travessia e eu não podia me atrasar. Já não podia esperar pela maturação do meu plano de marketing com os mochileiros.

Então, na manhã do dia 17 de Julho de 2009, saí de Cartagena com destino a San Blas, na ilha de Porvenir, onde faria imigrações. Tinha que chegar antes do dia 19 para poder ligar para a Carol, que fazia aniversário. O Tadeo tinha me alertado que em Porvenir talvez não tivesse internet. Bom, depois de dois dias navegando, vim a descobrir que em Porvenir faltava muito mais do que apenas internet: nem o oficial de imigrações estava lá, em seu lugar havia apenas um bilhete que avisava sua volta dali a dois dias.

Voltei para o barco e subi a âncora. Estava indo para Carti, mais uma das ilhas de San Blas onde talvez houvesse internet para ligar para minha gatinha aniversariante. Mas ao chegar em Carti, não foi difícil descobrir que não tinha internet no local, e nem foi por causa da cara de espanto dos quatro jovens que me viram desembarcar do bote e perguntar em espanhol pela tal da internet. Obviamente, eles não conheciam aquela moça, nem entendiam espanhol apesar de Carti ser parte do Panamá, aquela tribo fala uma outra língua que se chama Cuna e que, para mim, que não falo tupi-guarani soava como grego.

As casas são feitas de junco e foi muito interessante ver este tipo de construção, pois acabei de ler um livro chamado “A Trilha de Adão”, que conta a história das primeiras viagens trans-oceânicas que aconteceram na Idade da Pedra com a ajuda de balsas de junco. A expedição Kon-Tiki, que aconteceu no início do século passado, provou que os povos que habitam as Ilhas do Pacífico são descendentes dos habitantes da costa oeste Sul-Americana e, graças às suas embarcações de junco, conseguiram chegar ao Tahiti e a todas as outras ilhas do Pacífico.

Diferenças e saudades – Estava maravilhado, besta, passado. Tudo era diferente naquelas ruas de terra batida, casas de junco e índias vestidas com as mais diferentes cores e com os “vinis” coloridos amarrados nas pernas e braços, além de piercings que eram joias de ouro que passavam de uma narina à outra e dariam inveja ao “Bob Cuspe”, personagem punk do Angeli.

Finalmente, encontrei um telefone público e consegui fazer uma ligação internacional a cobrar via Embratel para SP. Apenas pela minha querida Carol, ou por uma das minhas filhas, eu teria feito um esforço tão grande para achar algo tão fora do contexto daquele lugar como um telefone. Em qualquer outra situação, eu teria deixado para dar notícias no próximo porto.

Estava passando na frente de uma escola onde as crianças jogavam bola, meus sentidos estavam todos ligados no máximo, eu tentava perceber tudo o que estava se passando à minha volta, meus olhos e meu cérebro não paravam, tentava guardar as coisas na minha memória, já que não levo máquina fotográfica (esqueci em SP). Aquilo realmente era o que eu vinha procurando. Em toda a viagem eu busquei momentos como aquele que estava passando. De repente, escuto alguém me chamar: era um homem de meia idade que, falando em espanhol, me perguntou quem era e o que estava procurando. Falei para ele que era brasileiro (uma pequena mentirinha que tenho usado ultimamente para ser bem tratado em lugares desconhecidos) e o índio deu um pulo da rede e me falou em português, com sotaque carioca, que ele amava o Brasil e principalmente o Flamengo e a cerveja Antártica.

Não é que o índio tinha vivido cinco anos no Rio de Janeiro, onde se formou em Educação Física, e agora dava aula para os meninos da escola local? Então me lembrei que, inicialmente, meu objetivo era levar uns turistas para San Blas e que, se não fosse por eles, eu não estaria ali, naquele lugar. Pois, se as coisas tivessem se desenrolado de uma forma diferente, se eu tivesse ficado um dia a mais ou a menos em Cartagena, se eu não tivesse chegado no dia do aniversário da Carol e não precisasse ligar pra ela, eu não teria ido atrás de um telefone ou um sinal de internet para ligar e, dessa forma, não teria conhecido Carti e seus índios.

Quando despertei da minha viagem, o índio ainda falava do Flamengo. Eu o convidei e mais 10 alunos para navegar, ele aceitou na hora e foi chamando os meninos, que se acotovelavam numa fila para fazer parte da tripulação. Escolhidos os 10, fomos para o barco, mas, antes, passamos por uma das casas que ficavam no meio da aldeia. Era, sem dúvida, a maior de todas e, nela, fui apresentado ao chefe, ou cacique, que ficava confortavelmente deitado na sua rede, e seus assessores, quatro ao todo, em bancos ao seu redor.

Apresentação – O professor fez uma introdução à palavra e pediu que eu contasse minha história para o cacique enquanto um dos seus assessores ia traduzindo para o Cuna ou para o Grego (ainda não descobri). Quando terminei, o chefe me olhou da sua rede e falou que eu deveria ter muito dinheiro para poder viajar tanto. Saia justa. Eu explico pra ele que navego quase sempre a vela, e que meu consumo de combustível e muito pequeno. Acho que ele ficou satisfeito com a resposta, pois, em seguida, falou que eu era muito bem vindo na aldeia e que eu poderia ficar ali o tempo que quisesse.

Ao chegar ao Bravo, subimos as velas e navegamos contra o vento fraco de uns 13 nós de intensidade. Os meninos adoraram, eu distribuía as funções e coordenava as manobras, eles iam se revezando no timão e nas funções no convés. Quando voltamos, estávamos todos bem cansados e contentes. Eles, por terem navegado num barco a velas e, eu, por ter conseguido fazer meu charter em Carti.

Infelizmente, vou ter que pagar a travessia do canal, mas tudo bem… não se pode ter tudo!

Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure

Last modified: abril 2, 2010

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