Eli ficou a espera de sua esposa em Papeete (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
Minha estada em Nuku Hiva foi curta, apenas quatro dias, mas foi o suficiente para me aprontar para a próxima viagem, que deveria durar em torno de cinco dias. Assim que cheguei, tive uma surpresa um tanto desagradável: o meu cartão de débito, que utilizo para sacar dinheiro em moeda local, não funciona na Polinésia e, para sacar dinheiro, tinha que ir ao banco e enfrentar uma fila de pelo menos 1 hora e meia. Para piorar, os preços aqui na Polinésia são salgados e o dinheiro que saquei não deu nem pro cheiro. Ainda precisava comprar algumas coisas necessárias para fazer a manutenção do barco, assim como algumas frutas e legumes que teriam que durar até minha chegada em Papeete. Como não estava nem um pouco a fim de enfrentar a fila do banco, tive que optar entre mais uns 10 dias a base de macarrão e enlatados ou à manutenção do barco. Obviamente, fiquei com a segunda opção.
Comecei a andar pelas ruas da pequena vila, à procura da loja que vendia as peças que precisava. O caminho ia me levando cada vez mais para o interior da ilha, perto do pé da montanha. As ruas foram ficando mais estreitas e a vegetação mais fechada. Foi quando reparei que, bem na minha frente, havia um limoeiro, e eu bem que precisava de limão para temperar os peixes que pegasse no caminho e até para preparar um ceviche. Peguei alguns limões e pus no bolso, segui andando e vi uma mangueira carregada. Também tinha grapefruit, abacate, banana, mamão, goiaba, tangerina, tudo! No meio da rua e, melhor, na faixa! Voltei pro Bravo, tirei os limões do bolso e pus algumas sacolas de supermercado vazias no lugar (dica do Ceccon). Voltei para a mesma rua e fiz as minhas provisões. Pelo menos fruta não ia faltar!
Saí de Nuku Hiva com destino a Rangiroa, que fica a 570 milhas náuticas de distância (1.055 km). O vento sempre de leste ajudou e na última noite peguei uma tempestade brava, ventava muito forte e tive que diminuir as velas para reduzir a velocidade do barco e chegar de dia, uma vez que a entrada de Rangiroa é muito estreita e cercada por recifes. Além do mais, o mar cresce muito naquela região, pois a profundidade passa de mais de 1000 metros para algo em torno de 15 metros em questão de segundos. Isso faz com que a corrente fique fortíssima e as ondas muito grandes, muitas vezes quebrando em crista, na única passagem que dá acesso ao atol de Rangiroa.
Recompensa – Valeu a pena, o lugar é maravilhoso! Depois da entrada no “lagun” (é assim que o pessoal chama a parte interna dos atóis), a água azul-turquesa fica super calma e parece que estamos navegando num aquário: vemos golfinhos, raias, peixes coloridos, tudo sem nem precisar pular na água, é impressionante! Achei um lugar para jogar a âncora e fui dar uma olhada em terra.
A faixa de terra é muito estreita, não deve ter mais do que 100 metros, mas é super comprida e forma um anel. Parece ser um enorme Na verdade, se trata de um vulcão submerso onde só a beirada fica pra fora da água, é um daqueles lugares que provavelmente deixarão de existir daqui a alguns anos, devido ao aquecimento global. Que pena.
A Carol, minha esposa, vai me encontrar em Papeete no dia 16 de Setembro , e eu queria chegar lá com pelo menos cinco dias de antecedência para poder deixar o barco bem bonito, com tudo arrumado para nossa “lua de mel”. Então no quarto dia resolvi deixar o paraíso e seguir para Papeete, mas como estava perto da hora do almoço, resolvi tentar pegar um peixe com o arpão e fazer uma boa refeição antes de encarar mais dois dias de mar. Peguei meu equipamento de mergulho e meu arpão e fui de bote até uma cabeça de recife que havia a poucos metros da entrada do atol, onde alguns mergulhadores locais me explicaram que havia uma grande concentração de peixes, devido à forte correnteza e ao alto nível de nutrientes daquelas águas.
O mergulho era fantástico! Peixes coloridos, conchas enormes com lábios de várias cores, tartarugas, moréias e tubarões. Demorei uns quatro tiros para acertar a mira, mas finalmente consegui atingir um peixe que cabia direitinho na minha frigideira. O pobre coitado, espetado no arpão, se debatia tentando se safar, e o sangue começou a se misturar com a água. De repente, um tubarão veio nadando a mil e avançou sobre minha vítima, deu umas sacudidas e levou meu almoço embora. Dali pra frente, só atirava se não tivesse nenhum tubarão por perto e, ainda por cima, fiquei próximo ao meu bote para poder tirar o peixe da água tão logo ele fosse pego (mais uma dica do Ceccon). Deu certo, depois de mais algumas tentativas peguei meu peixinho e voltei ao barco. Peixe limpo e frito imediatamente, de acompanhamento purê de batatas desidratado. Depois do almoço, levantei a âncora e fui embora, deixei a siesta para quando estivesse a caminho.
Indo para Papeete, peguei um peixe muito comum aqui na Polinésia que se chama mahi-mahi, o equivalente à nossa cavala. Era um peixe grande e rendeu um sashimi, ceviche, peixe frito e assado. A viagem foi tranquila e acabei chegando em um dia e meio ao invés dos dois que havia previsto. Obviamente, acabei chegando à noite, como sempre. Não tinha certeza onde era o ancoradouro e acabei passando a primeira noite num lugar provisório. No dia seguinte, cheguei na Marina Taina, que é muito bonita e fica do lado oeste de Tahiti, que também é rodeado por um “colar” de recifes e tem apenas algumas entradas, todas muito bem sinalizadas.
Fiquei amarrado numa bóia, deixando para ficar amarrado no píer apenas dois dias antes da Carol chegar. A diária da marina é cara, o Bravo pagaria 62 dólares por dia e, ficando na bóia, eu não pagava nada. Eu estava sem um tostão no bolso, e minha situação não deveria melhorar até a chegada da segunda-feira, quando eu finalmente poderia ir ao banco sacar dinheiro. No domingo à noite caiu uma tempestade daquelas e eu tive que mudar o barco de lugar, pois o dono da poita chegou. Por sorte, eu achei outra bóia livre e tudo correu bem ou, pelo menos, era o que eu achava.
Imprevisto – Finalmente chegou a segunda-feira! Quem diria que um dia eu ira dizer uma coisa dessas? Mas enfim, acho que depois de um ano e meio de férias, finalmente estou me livrando do meu trauma com as segundas-feiras. Tinha três coisas pra fazer na cidade, que fica a uns 8 km da marina: passar pela imigração, sacar dinheiro e comprar mais algumas coisas para o barco, que eu não havia achado em Nuku Hiva. Tirei a bicicleta do paiol de proa e, quando fui colocá-la no bote para descer em terra… cadê o bote? A tempestade da noite anterior havia levado meu bote embora, com motor e tudo. Fiquei desesperado, primeiro porque a Carol chegaria dali a poucos dias e estar no barco sem um bote significaria que não poderíamos descer em terra sem nadar ou sem estar encostado num píer, o que nem sempre é possível.
Além disso, o bote serve para descer na praia, mergulhar, transportar coisas, enfim, mil e uma utilidades, e um novo custa uma fortuna, especialmente na Polinésia, onde tudo é caríssimo. Resolvi encostar no píer da marina e tentar pegar um outro bote emprestado para tentar procurar o meu, uma vez que o Tahiti é cercado por recifes e, assim, ele não poderia ter ido parar em mar aberto, deveria estar encalhado na costa ou na barreira de recifes próximo dali. Consegui um bote emprestado da tripulação do Nirvana, um mega veleiro de 170 pés (o Bravo tem 45). Fui seguindo na direção oposta de onde estava soprando o vento na noite anterior, e não é que achei o bote!? Estava perto do aeroporto, longe pra caramba, mas inteirinho, encalhado nos recifes, como eu previa.
Depois da novela do bote resolvida, subi na bike e fui para Papeete, mas no caminho o pedal da bicicleta quebrou. Que droga! Continuei pedalando daquele jeito ponto e vírgula, com uma perna só, até chegar à cidade. Foi então que começou outra novela, que era entender as explicações do povo, já que entre o meu francês e o inglês do pessoal daqui, era mais fácil se tentasse me comunicar em russo. Depois de percorrer três bancos diferentes, consegui achar um onde consegui sacar o dinheiro. Depois foi a vez de achar o posto de imigrações, onde poderia fazer minha documentação, e percorrer meia cidade procurando as peças que tinha que comprar. Passei a outra metade procurando as ferramentas que precisava para adaptar as peças que havia comprado e que não eram iguais às que estavam instaladas anteriormente. Hoje, posso dizer que realmente conheço Papeete! Só não consegui consertar a bicicleta, que não me parece ter jeito. Mas não tem problema, depois de ter achado meu bote eu estava achando tudo lindo!
Fui pro píer para dar o toque final no barco, lavar o convés com ácido para tirar algumas manchas, lavar o costado, fazer as compras e a lavanderia. A marina estava cheia e a administração acabou me colocando no mesmo píer dos super iates, todos veleiros. Da direita para a esquerda estão o Mustang, um barco de aço de 84 pés e bandeira Sul Africana; o Selyn, um barco clássico de madeira com 110 pés e bandeira Inglesa; o Carollynne, outro clássico de mais de 100 pés e bandeira Sul Africana; o Nirvana, o barco espanhol que me emprestou o bote; o Ipicsuna, um Swan moderno de 82 pés, lindo de morrer, e o Bravo, que no meio deles parece um daqueles barquinhos de brinquedo a controle remoto.
Todas as tripulações são profissionais. No dia que cheguei no píer eles me convidaram para um “dock party”, que é quando cada barco leva alguma coisa e todas as tripulações ficam no píer conversando, comendo e bebendo. Teve até churrasco de rena. Como eu só tinha macarrão e molho de tomate, levei uma garrafa de rum e umas cervejas. Essa noite tive a oportunidade de conhecer o Nirvana, que tem uma tripulação formada por dez pessoas, incluindo dois engenheiros mecânicos, um cozinheiro, uma pessoa encarregada das velas, duas camareiras, mais três pessoas no deck e o capitão; tudo isso para atender o dono que é um empresário espanhol e que, assim como eu, resolveu dar a volta ao mundo, só que com classe. O barco cala três metros, mas quando abaixa a quilha retrátil, o calado vai para 10 metros. Tem nove cabines, carrega 11.000 litros de combustível e os dois dessalinizadores produzem mais de 400 litros de água doce por hora. Da sala de comando, enfeitada com quadros originais de Miró, dá para controlar tudo: motores, a produção de água, os bancos de baterias, a navegação, telefonia, radares, velas e tudo o que se possa imaginar praticamente a NASA. Para se ter uma ideia, o Nirvana foi considerado o barco com interior mais bonito do mundo, pelo Yatch Club de Mônaco.
Expectativa – A Carol chega daqui a pouco, às 23h30 e amanhã mesmo vamos para Moorea. Hoje de manhã fui fazer as compras com o cozinheiro do Nirvana, achei de tudo, mas fiquei surpreso com minha conta, que ficou em quase 300 dólares. Ultimamente não tenho gastado quase nada e achei essa conta caríssima, até que o Arturo, o cozinheiro, me falou quanto foi a conta dele: cinco mil Euros. É mole?
Estou bem ansioso esperando a chegada da Cá. Tenho sentido muito a falta dela e das meninas, não vejo a hora de reencontrar todo mundo. Por enquanto vai ser só a Carol, que fica aqui até o dia 27 de Setembro, mas a vinda dela vai me dar o gás que estou precisando para continuar até Novembro, quando devo deixar o Bravo em Fiji para me reencontrar com a Marina e a Sofia (no Brasil).
Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure
Last modified: abril 23, 2010