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Diário do Bravo: planejamento com destino as Ilhas Marquesas

Redação Webventure/ Vela

Apesar do bom aspécto das lulas  Matias não se sentiu bem (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
Apesar do bom aspécto das lulas Matias não se sentiu bem (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)

Cheguei anteontem (01/09/2009) à noite e a viagem foi ótima. Um pouco longe esse lugar, mas valeu a pena. Não apenas pela ilha, que ainda não consegui conhecer direito, mas que é linda e tem cheiro de flores, também pela viagem em si que foi muito bacana. O tempo ajudou e nos 17 dias de jornada só peguei a última noite de tempestade.

Saí de Galápagos no dia 15 de Setembro às 15 horas. Me despedi dos novos amigos, inclusive dos canadenses que chegaram um dia depois que eu mandei meu último relato, depois de terem navegado por 14 dias para fazer a travessia Panamá-Galápagos. O barco deles navega muito mal contra o vento, pois tem a quilha muito curta, além do mais eles não têm piloto automático, nem leme de vento e precisam se revezar no timão o tempo todo – este cansaço deve ter gerado alguns erros muito frequentes, afinal o corpo diz “chega”, e a cabeça diz o contrário.

Até em uma baleia eles bateram e o pior é que a bicha ficou brava e deu uma rabada no barco deles. Imagina o susto! Eles tinham programado sair de Galápagos com destino às Marquesas junto com o barco da Nova Zelândia que sairia uns três ou quatro dias depois de mim. Os Kiwis ficaram esperando um swell que estava previsto para o final de semana. Eles são todos surfistas e alem de surfar, o propósito da viagem era trazer o barco que um deles comprou no Caribe para poder chartear em Fiji onde moram. Acho que, quando eles chegarem, não estarei mais por aqui, pois devo ficar no máximo uma semana nas Marquesas.

Preparação – Antes da saída já tinha preparado a navegação até as Marquesas. Saí de Galápagos pelo Noroeste e tomamos o rumo Oeste por aproximadamente 2.000 milhas náuticas, quando então começamos a descer até o paralelo oito, onde se encontram as Marquesas (mais umas 1.700 MN), totalizando as 3.700 MN ou 6.800 km de viagem. Aparentemente tem uma área de instabilidade que se forma entre Galápagos e as Marquesas e esse é o motivo para permanecermos mais ao norte no começo da viagem. Mas no mar a estrada não é tão previsível quanto em terra e nem sempre a distância mais curta entre dois pontos é o caminho mais rápido.

Como não tinha vento, tive que andar bastante a motor nos primeiros dias. Fiquei preocupado com a falta de vento, pois tinha combustível para cinco dias lembrando que o motor, assim como o gerador eólico e a placa solar, também opera como gerador para carregar as baterias que utilizo para dar partida no motor, acender as luzes de navegação à noite, manter os instrumentos de navegação 24 horas por dia, piloto automático, luzes abordo e geladeira funcionando. Ou seja, precisava velejar.

Alterei o rumo um pouco mais para Sul, à procura dos ventos mais fortes que sopram à medida que baixamos em Latitude. O Equador fica na latitude zero, São Paulo na 22, o Cabo Horn fica na 55 e as Marquesas ficam na oito – igual a Maceió, no Brasil. Passei raspando nos limites imaginários da tal área de instabilidade, desci uns três graus e já comecei a sentir a diferença na brisa que soprava muito mais forte. O vento estabilizou em 15 nós, inicialmente de Sudeste, e depois virou para Leste com intensidades que variavam entre 10 e 20 nós (ventos moderados), com uma ondulação que não atrapalhava, mas jogava o barco para Norte. Por mais complicado que tudo isso possa parecer, no fundo era extremamente fácil. Basta navegar sempre o mais próximo possível de onde o sol se põe.

Quando o vento finalmente virou para Oeste o meu rumo ficou muito alinhado com a direção do vento e isso não é bom. Nessa situação chamada de “popa rasa”, as velas perdem potência e precisamos alterar o rumo do barco para manter um desempenho aceitável. Meu objetivo era fazer a travessia em menos de 20 dias, mas sabia que esta poderia durar até 25 dias, dependendo das condições e dos imprevistos que sempre acontecem. Mas a ondulação estava ajudando, pois jogava o barco para Norte e eu podia alterar o rumo para Sudoeste, o que era extremamente benéfico para as velas e, consequentemente, para o desempenho do barco e alegria do capitão, marinheiro, cozinheiro, trimer, timoneiro, proeiro e exterminador de baratas, ou seja, eu!

Dos céus – No quarto ou quinto dia, enquanto estava na proa me preparando para subir o balão, comecei a ouvir um barulho distante, que me chamou a atenção. Afinal, ali não se escuta outra coisa a não ser o vento nas velas, o mar e o rangido do barco. Comecei a procurar por um navio ou coisa parecida, mas o barulho aumentava de intensidade muito rápido para ser um navio. Foi então que percebi que tinha um helicóptero se aproximando. Ele foi se aproximando cada vez mais até ficar a uns 10 metros do barco e não mais de dois metros de distância da água.

Eu não podia acreditar no que estava vendo. No meio daquele vazio a possibilidade de um encontro desses é muito baixa. Fiz sinal de que estava tudo ok e eles não responderam, tentei chamar pelo rádio, mas também não obtive retorno. Fiquei atento aos rostos deles para ver se conseguia captar algum mínimo sinal ou mímica que fosse e que pudesse me ajudar a entender o que estava acontecendo, e nada…

Já estava ficando preocupado, pois os caras estavam flutuando no ar a 10 metros do barco a um bom tempo, que pra mim pareciam horas, mas que provavelmente não passaram de minutos. Até que o piloto fez um sinal de “ok” e foi embora me deixando com um monte de perguntas que não carregava antes do encontro. Foi aí que me lembrei que estava “peladão” e desenvolvi uma teoria para tentar dar uma explicação para o acontecido, quase como a religião que tenta explicar o inexplicável – menos para explicar do que para sossegar a mente. Resumindo: Acho que o piloto era gay!

O balão funcionou muito bem. Ele subiu e desceu umas cinco vezes e foi para água mais algumas até eu conseguir acertar a manobra que já é complicada com quatro pessoas e que para dar certo com apenas uma precisa de muita sorte e de “gambiarras” muito criativas e que algumas vezes dão certo. O fato é que graças a esta vela consegui acelerar um bocado, além do que o trabalho pesado ajudava a ocupar o tempo.

Os golfinhos eram presença constante e nas noites escuras de lua nova e céu estrelado. Eles ficavam malucos brincando com a fluorescência na água causada pelo plâncton; gostam de ficar próximos da proa, onde o casco corta a água pela primeira vez e onde se forma um bigode verde bem luminoso. Eles aceleram quando se aproximam do casco e a esteira que deixam na água parece a de um torpedo pronto para afundar a embarcação inimiga. Esta luminosidade também aparece na esteira deixada pelo barco e até no xixi que fazemos na água.

Além dos golfinhos e dos helicópteros, outra visita frequente eram os peixes voadores que vinham em vários tamanhos desde os diminutos “P” até os “XXGG”, que mal caberiam numa frigideira. Todas as manhãs eu acordava e organizava uma pequena expedição arqueológica com o objetivo de descobrir as múmias ressecadas de peixes voadores que tiveram o azar de voar alto demais e cair no lugar errado, como os helicópteros. O pior é que os peixes fedem pra caramba.

Tivemos ainda a temporada das lulas, e, assim como os peixes, vinham em diversos tamanhos e quantidades. Em duas ocasiões peguei algumas delas e fiz molho de macarrão e, em outra vez, arroz com lulas. A cara ficou ótima, mas acho que deveria ter feito umas quatro colheitas durante a noite ao invés das duas que estava fazendo, pois a comida não caiu muito bem.

Já a pesca foi fraca, perdi a isca algumas vezes e perdi peixes que já estavam na minha mão, mas em compensação peguei o maior dourado da minha vida e não é história de pescador! O bicho era grande e estou comendo peixe até hoje.

É claro que tive imprevistos e quebras, mas nada que não pudesse ser consertado abordo ou solucionado parcialmente até a chegada neste porto. Agora tenho trabalho para fazer aqui, além de consertar algumas coisas que quebraram durante a viagem. Porém, confesso que algo vem me incomodando há algum tempo: preciso descobrir onde está o cara do helicóptero que desapareceu sem deixar vestígios e até hoje não me mandou nem uma florzinha.

Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure

Last modified: abril 16, 2010

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