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Dimas Mattos não esquece hora do abandono

Redação Webventure/ Offroad

“Imposible.” Esta única palavra, que saiu da boca de um médico do Dakar, irá demorar para sair da cabeça do piloto Dimas Mattos. Foi ela que colocou fim ao sonho do brasileiro de completar o rali mais difícil do mundo, a apenas quatro dias da bandeirada final. O paulista tinha certeza que chegaria na capital senegalesa, mas foi surpreendido por uma raiz escondida.

Nesta entrevista ao Webventure, Dimas mostra ter superado o drama vivido nas proximidades da África Negra, embora ainda sofra com as dores pelo acidente. Relembra também os momentos em que dividiu um avião com o espanhol Marc Coma. O brasileiro já até consegue brincar com a tragédia. “Eu e o Coma fomos levados num avião para o Dakar, onde receberíamos tratamento. Por isso dá para dizer que fui o primeiro a chegar ao Dakar, portanto ganhei o rali. Ou melhor, ganhei junto com o Coma”, brinca.

Webventure: como foi o acidente que o tirou o Dakar?
Dimas Mattos: Tudo aconteceu no comecinho da 12ª etapa, quando a gente estava entrando na África Negra. Na altura do km 40, peguei uma raiz que estava escondida, enquanto eu estava a mais ou menos 100km/h, e fui ejetado da moto. Acabei voando muito longe, e caí em cima do ombro. Acontece que, além da queda, me feri quando bati a perna no suporte da antena de segurança da moto. Acabei tendo um corte grande na perna direita, próximo da virilha.

Mesmo assim você continuou na prova por quase 100 quilômetros.
Foi. Só parei no primeiro posto de controle, no km 138, ou seja, rodei mais 98 quilômetros. Neste meio tempo, a principal dificuldade se deu pelas dores no ombro. Pensei que tivesse quebrado algo, mas tomei um analgésico e tinha colocado na minha cabeça que ia suportar.

Mas e o corte na perna?
Não conseguia ver a gravidade do corte, por causa das proteções no pescoço que a gente usa. Achei que era só um cortinho, tanto que no posto de controle nem comuniquei nada para os caras. Só abasteci a moto. Aí um médico acabou vendo minha calça ensangüentada e veio me atender. Pedi para ele fazer um curativo, para que eu continuasse. Na hora que ele chegou perto e olhou para o machucado, falou: imposible. Lembro como se fosse agora essa palavra saindo da boca dele. Tentei convencê-lo a me deixar continuar, mas não teve jeito.

Então a lesão foi grave?
Eu não tinha a menor condição de prosseguir. Me explicaram que se o corte tivesse mais três milímetros de profundidade, teria atingido a artéria femoral e em dez minutos eu tombaria. Aí fui de helicóptero para a cidade seguinte e já passei pela primeira cirurgia de limpeza, para evitar alguma infecção.

E quando esteve junto com o Marc Coma?
No dia seguinte. Ele passou pelo mesmo que eu, ao cair por causa de uma raiz. Enquanto eu estava sendo atendido, resgataram o Coma e fomos juntos num aviãozinho até o Dakar. Estávamos em duas macas, lado a lado. Ele só chorava, o tempo inteiro. Perguntei onde doía, e ele apontou para o coração. Não se conformava com o fato de ter perdido o rali (o espanhol tinha quase 1 hora de vantagem para o vice-líder, a três dias do fim do Dakar).

Como eram as condições de atendimento lá?
Péssimas. Fomos levados a uma clínica em Dakar, que diziam ser a melhor da região. Mas lá os caras não tinham nem luva. Queriam me operar, mas não deixei. Então liguei para o Brasil e consegui uma passagem para o mesmo dia. O Coma também deu um jeito e deixou Dakar naquele mesmo dia, para ser operado na Europa.

E você já está totalmente recuperado?
Que nada. Assim que cheguei aqui, fui operado e constataram que havia sido arrancado um pedaço do músculo. Com o tempo é que o buraco que ficou na perna irá regenerar. A preocupação durante esse tempo tem sido com a possibilidade de eu ter pego alguma bactéria africana, que não poderia ser combatida com nossos remédios. Fui examinado por um bacteriologista e estou fazendo tratamento em câmera hiperbárica. O risco agora é quase zero.

Mas e o ombro?
Tive que operá-lo no domingo. Numa ultra-sonografia descobriram que houve rompimento do músculo e dos tendões do ombro. Precisei colocar pinos. Agora pilotar que é bom só o controle remoto da TV aqui de casa.

Quanto tempo de molho?
Os médicos prevêem seis semanas só de tipóia, mas não vai dar, porque na primeira semana de abril terá o Rally da Tunísia, que eu já estou inscrito e não pretendo deixar de ir.

Qual foi o sentimento quando você teve de abandonar o Dakar?
Fiquei super mal, pois vinha fazendo uma prova boa, regular e rápida. Tinha certeza que iria até o Dakar, porque já tinha superado as etapas mais difíceis, e a tendência é que as coisas fossem melhorando. Chorei demais num primeiro momento. Agora, depois de pensar muito, não me vejo como um perdedor. Cumpri quase 90% do Dakar, estava mais ou menos na 40ª posição e realizei o sonho de disputá-lo. Dá até para dizer que eu fui o primeiro a chegar ao Dakar, portanto ganhei o rali. Ou melhor, ganhei junto do Coma (risos).

E você volta para o Dakar em 2008?
Vai ser bem difícil, viu. O Dakar deixa qualquer um maravilhado num primeiro momento, por sua grandiosidade. Mas aí você chega no Marrocos e vê um monte de motos arrebentadas. Depois passa pelo cara que morreu (o sul-africano Elmer Symons), presencia acidentes terríveis… Isso mexe muito, pelo menos mexeu comigo. O Dakar é absurdamente desgastante, a ponto de, no final, vários pilotos precisarem tomar remédio para dormir, por causa da adrenalina alta, e depois tomarem remédio para acordar. Isso para mim transcende o esporte.

Este texto foi escrito por: Jorge Nicola

Last modified: janeiro 26, 2007

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