Se existe algo que adoro, além de mergulhar, é pedalar. O pedal é um excelente exercício para o mergulhador, recrutando muitos músculos necessários para a batida de pernas com as nadadeiras. E quanto maior o desafio, como um longo percurso ou uma bela montanha pela frente, maior o meu fascínio.
Não faz muito tempo que pedalo de mountain bike, na verdade há apenas um ano, mas já tive o privilégio de participar de provas extraordinárias, conhecer locais belíssimos e fazer novos amigos. Antes disto, eu pedalava somente em academia e raramente nas ruas.
Assim que decidi participar da maior ultramaratona de mountain bike das Américas, foi necessário encarar um treinamento específico para a batalha, afinal seriam sete dias pedalando 600km e 13.000m de altimetria, em terrenos dos mais desafiadores: areia, terra, pedras, single tracks, montanhas acima e abaixo.
Como é uma prova em equipe, seguimos na categoria dupla mista (eu e meu marido), mas sempre batia aquela ansiedade, será que vou aguentar? Eu sabia que não seria fácil e a curiosidade era tentar descobrir qual seria a cruz para carregar…
Como parte do treinamento, foi muito importante participar de provas longas (marathon) realizadas na região, mas também participamos dos Warm ups Brasil Ride de Botucatu e Florianópolis, que sem dúvida nos deram experiência para podermos encarar a prova principal.
A experiência em dupla deu certo já no Desafio dos Rochas, no qual conquistamos o 2º lugar na categoria Dupla Mista Sport, mas ainda não havíamos encarado longos percursos em provas.
Nosso treino passou gradativamente para tempos e distâncias maiores, chamados de longão”. No Warm up Brasil Ride de Botucatu conseguimos conquistar o 4º lugar na categoria Dupla Mista ao final de três dias de provas e no Warm up Florianópolis conquistei o 4º lugar na Elite feminino. Aí sim deu para sentir o que vinha pela frente…
Além do treinamento, foi preciso investir na bike apropriada, alimentação e suplementos, além do acompanhamento médico para suportar a ultramaratona.
Outubro chegou: o mês da viagem para Porto Seguro/Arraial D’Ajuda, local da primeira Vila Brasil Ride. O programa envolvia largar da Costa do Descobrimento e seguir em direção às montanhas que dividem o estado da Bahia e Minas Gerais, na cidade de Guaratinga, na qual ficava a segunda Vila Brasil Ride, retornando para o local de origem.
As etapas foram:
16/10 – Domingo: Etapa 1: Prólogo em Arraial dAjuda (21,1 km e 318 m altimetria)
17/10 – 2ª feira – Etapa 2: Deslocamento para o acampamento da Vila Brasil Ride (128 km e 2225 m altimetria)
18/10 – 3ª feira – Etapa 3: Largada e chegada no acampamento (63,5 km e 1.587)
19/10 – 4ª feira – Etapa 4: Largada e chegada no acampamento (85,3 km e 2.963 m altimetria)
20/10 – 5ª feira – Etapa 5: Deslocamento do acampamento da Vila Brasil Ride para Arraial dAjuda (134 km e 2.027 m altimetria)
21/10 – 6ª feira – Etapa 6: Percurso XCO em Arraial dAjuda (31,8 km e 548 m altimetria)
22/10 – Sábado – Etapa 7: Última etapa do Brasil Ride em Arraial dAjuda (75 km e 1.105 m altimetria)
Chegamos um dia antes do início das provas. Deu tempo para fazer um reconhecimento do prólogo e já comprar um terreno (na linguagem dos bikers significa: levar um tombo).
A charmosa vila de Arraial D Ajuda jamais será a mesma após a invasão destes seres calçando chinelos e vestindo meias de alta compressão coloridas Saíamos com nossas super meias XRocks para desfilar todos os dias até a sorveteria e identificávamos os bikers pelo mesma peça do vestuário.
Desde o primeiro dia sentimos que o calor seria mais um dificultador. Decidi inclusive optar pelo manguito cinza claro, parte integrante do nosso kit de uniformes da SolParagliders.
No rosto e pernas haja protetor solar Suntech Grip System, só ele para aguentar horas de muito pedal, sol e suor! O fiel óculos Mormaii para todas as etapas e ainda nas montanhas o saco de dormir e lanternas da mesma marca foram essenciais. Na mochila muito suplemento programado para cada dia e peças acessórias para a bike.
Quando participo de provas longas tento manter a tranquilidade, mas nem sempre é possível, é preciso estar com tudo em dia e ainda ter sorte, muita sorte! Alguns fatores fogem do seu controle e é preciso encará-los friamente.
Assim conseguimos seguir adiante e superar dois eventos difíceis, o primeiro foi quando minha dupla rasgou o pneu no segundo dia de prova e andamos 88km com um pneu enrolado no silvertape (fita adesiva), depois de 3 trocas de câmaras, ainda assim conseguimos cumprir com o tempo de prova, sem sermos desclassificados pelo temido tempo de corte.
Neste dia chegamos no acampamento das montanhas. A estrutura era fantástica, tínhamos tudo! Nossos equipamentos chegaram antes, em sacolas especiais, numeradas. As barracas compunham um visual que eu jamais havia visto, uma noite de lua cheia e eu lá em cima, com mais 500 atletas, todos com o mesmo objetivo pedalar, pedalar, pedalar uma das frases do Brasil Ride resume bem isso: dormir, comer e pedalar.
Dentro do barraca ainda havia um presentinho com a frase do Brasil Ride, uma cocada e uma fita da Bahia, que penduramos na bike para proteção divina.
O toque de recolher era dado às 23h00 e acordávamos animados às 5h00 da manhã, com uma trilha sonora especial que tocava já cedinho A música do DJ francês Jubel (Klingande) era a música tema, acompanhada de um café da manhã saboroso.
Depois da prova, era o momento de dar um banho na bike no Bike Wash”, checar a parte mecânica e, se tivesse algum problema, correr para a oficina dos anjos azuis da Shimano, estacionar a bike no Bike Park já pronta para o dia seguinte, tomar banho e ir para a reunião do dia, um delicioso jantar em grandes mesas redondas que permitiam uma confraternização ainda maior. Ao final a premiação da etapa e os detalhes técnicos para o dia seguinte. Se desse tempo ainda havia um belo lounge e bar com lanches, na mesma área onde ficavam expostos os resultados.
Os dias de prova vão passando e você vai encontrando e reconhecendo companheiros de trilhas, que em algum momento encontrou em outra subida, ou enquanto carregava a bike e ia conversando, ou os pequenos pelotões que se formavam num ajuste natural de velocidade, conseguimos pegar alguns que tornaram os trajetos mais rápidos, outros que tornaram as travessias mais amenas e divertidas, que nos faziam dar gargalhadas até mesmo no asfalto quente ou como uma dupla que levava na mochila uma caixinha de som e seguia tocando reggae.
O cenário que já era lindo no litoral, se tornou esplêndido lá nas montanhas, de fato eu adoro o azul do mar, mas também o azul do céu do alto das montanhas. Durante os três dias de acampamento, encaramos diversas subidas e passamos por vilas onde os moradores nos cumprimentavam, mas um cenário foi marcante: no quarto dia de prova, quando circundamos a famosa Pedra do Oratório, você sente a energia do local, é especial.
O quarto tão temido dia foi o mais extremo, com a maior altimetria e descidas íngremes, muitas pedras. Mesmo tendo a suspensão da bike destruída no meio do percurso, consegui travá-la e prosseguir assim mesmo, chegando em tempo hábil para pontuar. Foi o meu presente de aniversário.
À noite ainda teve um super bolo de chocolate, carinhosamente oferecido aos aniversariantes pela #familiabrasilride.
Os pontos de hidratação e nutrição sempre bem colocados serviam tudo que era preciso para seguirmos na ultramaratona: água, bebidas isotônicas e carboidratos e uma equipe médica sempre de prontidão. O jantar fornecia aos pilotos um buffet farto, com entretenimento, bem como os destaques de fotos e vídeos da etapa.
No quinto dia deixamos o acampamento para percorrer a maior quilometragem dos sete dias e retornarmos para o litoral de Arraial DAjuda. Prepararam um percurso especial nos últimos quilômetros, para quem conseguisse chegar, chamado de Avatar. Um trecho alucinante de puro single track entre subidas e descidas nas quais curtimos um cenário único, com momentos em que podíamos ver o topo das árvores, mas bem úmido e de mata fechada, exigindo concentração para completar as últimas quilometragens da etapa.
O sexto dia foi um XCO divertido no qual conhecíamos uma parte, trecho do prólogo, muitos fizeram a prova para não zerar, outros aproveitaram para pontuar. Foi o único dia em que as duplas podiam rodar separadamente, neste dia consegui passar algumas concorrentes e ainda ganhei uma premiação especial que a Shimano ofereceu para as 5 melhores atletas do grupo feminino amador, um lindo selim de carbono Turnix ProBike Gear.
Confesso que passei em trechos muito mais veloz do que o de costume, só de saber o nome do segmento no Strava, como a descida chamada ladeira do mijo da onça Vai que o bicho resolve aparecer.
Ah e a minha cruz: quando já achava que nada mais aconteceria, foi a minha vez de rasgar o pneu, no sétimo e último dia, durante uma descida, antes do local do primeiro corte, neste dia perdemos muito mais tempo porque nem mesmo as desesperadas técnicas de amarração no pneu aguentaram. O caminho era cheio de troncos e forçava muito, acabei sem bike e correndo com sapatilhas, estourei as sapatilhas e então fui pedalando a bike da minha dupla e ele foi empurrando a minha pelos 4 kms finais.
A última chegada, aquela que te transforma no Finisher Brasil Ride é emocionante, você recebe a sonhada medalha e a camiseta de Forever Finisher das mãos de quem organizou este evento com tanto profissionalismo e carinho, Mario Roma e família.
E é isso aí, para sempre finalista, a ficha cai, nós conseguimos completar a mais dura ultramaratona de mountain bike das Américas! Valeu dupla pela paciência, por encararmos juntos todas as dificuldades, assim conseguimos ficar entre as 10 melhores duplas mistas.
Depois de tantos dias pedalando em tantos terrenos variados você melhora muito, ao retornar para casa percebe que seu nível é outro. Está mais forte, veloz e encarando melhor qualquer terreno.
A Brasil Ride é uma prova transformadora, uma experiência incrível, de fato uma etapa em sua vida.
Confira os vídeos oficiais:
Etapa 1 – Prólogo de 21 km em Arraial dAjuda
https://www.youtube.com/watch?v=4NgrasQBgU0
Etapa 2 – 128 km – entre Arraial dAjuda e Gauratinga
https://www.youtube.com/watch?v=V9eBT-dVqlY
Etapa 3 – 92 km – Guaratinga
https://youtu.be/oC4-DNHTSSc
Etapa 4 – 85 km – Guaratinga
https://youtu.be/TCofffVArKk
Etapa 5 – 134 – Guaratinga/Arraial dAjuda
https://youtu.be/mzcZi5CHwNo
Etapa 6 – 34 km – Arraial d’Ajuda
https://youtu.be/QY-NvrP7fq4
Etapa 7 – 75 km – Arraial d’Ajuda
https://youtu.be/NNwBRuawsMQ
Este texto foi escrito por: Karol Meyer
Last modified: fevereiro 25, 2017