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Dunas e amuletos

Redação Webventure/ Offroad

Existe uma imagem no inconsciente das pessoas, como existia no nosso antes de pisarmos pela primeira vez no Saara em janeiro de 1988, de que o deserto é feito apenas de dunas. Na verdade, apenas parte dele é coberta por esta formação. Existem regiões que mais parecem montes de entulho (sobra dos seis dias de trabalho de Deus), outros lugares são planos; tem ainda terra dura e há também regiões cobertas pelas montanhas, platôs e diversos tipos de areias. As dunas são variadas. Existem as pequenas, grandes, de várias tonalidades de areia, misturadas com pedras e com a erva de camelo (um arbusto resistente que teima em viver neste inferno).

Neste imenso mar de areia é comum aparecerem miragens, mas são idênticas às formadas aqui no Brasil numa estrada asfaltada. Quando o deserto é plano e o sol está forte, surgem “ondas” de calor beirando o chão. Ao longe, no horizonte, têm aparência de água, mas não chegam a nos enganar. É certo que naquela imensidão, e solidão tão grande quanto, nosso subconsciente fica numa constante procura de sinais de vida. Já houve situação em que o martírio da dúvida da direção correta nos levava a procurar em todos os lados. Esta sede de uma confirmação já nos fez confundir pedras ou pequenos montes de areia com pessoas ou veículos em movimento. Quando você percebe que estava enganado é uma grande decepção.

Também existe um efeito visual que dificulta nossa visão ou esconde buracos e grandes degraus que podem provocar acidentes horríveis, como o do ano 2000, quando quatro carros saltaram sem perceber de uma duna, a 160 km/h, e se espatifaram no chão. Ninguém morreu, mas sete colunas ficaram quebradas. Este fenômeno ocorre quando a areia está clara e o sol muito forte. Ele é bastante raro e justamente este é um dos nossos maiores temores, já que a raridade não nos dá a oportunidade de treinar ou acostumar com isso. Para piorar a situação, o Dakar é um rali de velocidade no desconhecido. Então, se você tem como objetivo subir no pódio, é preciso acelerar ao máximo. Sendo assim, não é possível andar o tempo todo esperando pelo pior e este fenômeno não dá avisos.

Ele acontece de três maneiras.
1) Nas dunas aparecem algumas ondulações, muitas vezes parecendo pequenas barrigas; outras vezes no formato de cristas, em geral com meio metro de altura. Uma boa suspensão praticamente “engole” estes obstáculos. Então, passamos acelerando, sem temer, mas, às vezes, é aí que mora o perigo. Estas pequenas ondulações rapidamente se transformam em ondulações enormes, com um metro ou mais. Alguns conseguem sair ilesos, outros não têm tanta sorte.

2) Mesmo em terrenos de areia dura, o brilho do chão, a poeira e erosões traiçoeiras estão de tocaia. Nós passamos por milhares de buracos, rachaduras, erosões e rios secos, mas misturados a isso sempre existe um quase invisível, grande, com aquelas bordas quadradas, que gostam de nos fazer capotar. Foi assim que o Klever Kolberg ganhou 16 parafusos no braço e que o André chegou a perder a consciência. Muitos pilotos já viram seu sonho se tornar um pesadelo graças a esta surpresa.

3) Com certeza o mais temido de todos está nas grandes dunas. A areia é muito fofa e, para não ficar atolado, é preciso andar rápido. Neste ambiente existem trechos com esta areia fofa e outros de areia dura que se alternam um milhão de vezes sem qualquer regra. O ideal seria andar a pé na frente para sentir o piso, mas isso é inviável. Com a experiência, pilotos e navegadores passam a perceber ou tentam adivinhar o melhor caminho ou o que há do outro lado da duna. É o momento mais excitante, é pura adrenalina e a emoção chega a atrapalhar a concentração. Cruzamos cerca de 2.000 dunas numa prova, e no meio disso tudo o sol pode esconder um degrau, uma espécie de desabamento de areia. Ele está bem na sua frente, no seu nariz, e apesar de haver um desnível, fica invisível. Campeões já dançaram numa destas, para enfatizar que não se trata de inexperiência.

Para nossa sorte andamos sempre alertas, preparados, quase prevenidos. Na maioria das vezes, quando acontece este salto inesperado, nossa resposta é rápida, mas o final da história também vai depender muito de nossa sorte e da velocidade em que estávamos no segundo anterior. É por isso que nós treinamos muito e investimos nos melhores equipamentos, mas não paramos por aí: rezamos e nos carregamos de amuletos.

Até a próxima! “Se Deus quiser”.

Este texto foi escrito por: Klever Kolberg (arquivo)

Last modified: dezembro 26, 2001

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