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Efeitos da altitude na fisiologia e o processo de aclimatação

Redação Webventure/ Montanhismo

Paulo Coelho subindo para o colo norte (8300m) do Everest (foto: Arq. Helena Coelho / Webventure)
Paulo Coelho subindo para o colo norte (8300m) do Everest (foto: Arq. Helena Coelho / Webventure)

O corpo humano é perfeitamente adaptado para operar no habitat em que nasce e vive a maior parte da sua vida. Condições de temperatura, pressão, gravidade e radiação, entre outros fatores, fazem parte das variáveis que atuam sobre nossos processos físicos, químicos e biológicos.

Imagine como seria se a força da gravidade fosse como a da Lua, onde um salto para cima nos ergueria vários metros do solo. Com a nossa musculatura terraquea poderíamos escalar XI grau com facilidade. Por outro lado, em Júpiter, não conseguiríamos nem dar um passo, e provavelmente seríamos esmagados só com o peso do próprio corpo. Aliás é um absurdo em filmes de ficção científica, os personagens se deslocando por diversos planetas diferentes e caminhando como se todos os planetas tivesses exatamente 1G de gravidade. Muito inverossímil… essas mentiras só perdem para os filmes de escalada feitos pelos mesmos estúdios de cinema.

E a radiação solar? Se não fosse a camada de ozônio e o campo eletromagnético da Terra para nos proteger dos ventos solares, estaríamos fritos, literalmente. O mesmo acontece em relação à temperatura e pressão. Existe um equilíbrio interno que rege o bom funcionamento do corpo humano, e qualquer alteração nas condições externas irá ter uma influência neste equilíbrio, e conseqüentemente na fisiologia humana.

Quando estamos nas montanhas altas, sentimos os efeitos da altitude. Depois de respirar o ar da montanha, a hemoglobina (ou glóbulo vermelho) transporta o oxigênio para todas as células do corpo através da corrente sanguínea. A quantidade de hemoglobina que temos no nosso sistema é adequada à quantidade de oxigênio que inalamos no nosso habitat natural. Porém na medida que subimos de altitude, a quantidade de oxigênio disponível diminui, e isso ocorre devido à variação da pressão atmosférica.

A composição do ar é de aproximadamente 78% nitrogênio, 21% oxigênio e o 1% restante é composto de vapor de água, dióxido de carbono, metano e outros gases. Todos esses elementos estão confinados em uma camada da atmosfera chamada troposfera, que se estende da superfície do planeta até a base da estratosfera, tendo uma espessura que varia de 17 km nos trópicos a 7 km nos pólos. Todo esse ar tem um peso na superfícia do planeta, e embora a concentração de O2 no ar permaneça praticamente a mesma (21%) tanto ao nível do mar como a 8000m de altitude, a pressão diminui na medida que a altitude aumenta, devido ao peso do ar ser menor nas altitudes elevadas (menos ar em cima).

Com a diminuição da pressão atmosférica, o ar vai se tornando rarefeito, menos denso, e o número de moléculas de O2 disponíveis por metro cúbico diminui. Ou seja, não é que exista menos oxigênio no ar, mas sim menos ar no ambiente. Conseqüentemente, menos oxigênio disponível para ser respirado.

Com menos oxigênio entrando nos pulmões, a hemoglobina presente no sangue não consegue transportar a quantidade necessária de oxigênio para manter o equilíbrio das funções fisiológicas do corpo. O montanhsita Antonio Paulo Faria escreve no seu livro Montanhismo Brasileiro Paixão e Aventura: “No nível do mar a hemoglobina pode transportar 19,5 ml de oxigênio em cada 100 ml de sangue; a 3000m de altitude a mesma quantidade de hemoglobina só consegue transportar 18,5 ml para cada 100 ml de sangue, ou seja, só há 95% de oxigênio disponível; a 8000m a mesma quantidade de hemoglobina só consegue transportar 8,5 ml para cada 100 ml de sangue.”

Na privação de oxigênio, o corpo humano entra em um estado conhecido como hipoxia. É imprescindível uma adaptação a esse novo ambiente para sobreviver, e este processo de adaptação é conhecido no montanhismo como aclimatação. Nos primeiros dias em altitude, os rins, órgãos extremamente sensíveis à química do sangue, reagem secretando um hormônio conhecido como EPO (Eritropoietina), que aumenta a produção de glóbulos vermelhos na corrente sanguínea e a capacidade muscular. Os rins também mandam mais água para a bexiga, que sai na forma de urina, fazendo com que o corpo elimine uma quantidade maior de fluídos. Essa diurese, e o aumento de células vermelhas, torna o sangue mais espesso, o que pode em alguns casos interferir na irrigação de vasos mais finos, normalmente encontrados nas extremidades (circulação periférica).

Nesse aspecto, o escalador Maurício Clauzet coloca: “A hidratação é fundamental, não exatamente ao processo de aclimatação, mas à reação do corpo ao aclimatar. O aumento de hemácias torna o sangue mais espesso, viscoso, e isso prejudica a irrigação das extremidades e tecidos muito capilarizados, facilitando o congelamento dessas partes.”

Samantha Chu acrescenta: “a hidratação é essencial, pois com o frio as pessoas sentem menos necessidade de ingerir água, correndo maior risco de se desidratar, o que acontece em lugares frios independentemente da altitude. As pessoas não sentem sede porque não sentem calor mas continuam transpirando e perdendo água através da respiração e transpiração. Além disso deve-se lembrar que ingerimos uma quantidade significante de água através dos alimentos no dia-a-dia o que não acontece em altitude devido à natureza dos alimentos ingeridos, geralmente desidratados, liofilizados, etc, ou seja, sem água. E, especialmente em altitude, é essencial que o organismo tenha água para poder funcionar normalmente. O ideal é ingerir pelo menos os 3 litros/dia recomendados, porque perdemos água sem perceber.”

Quando o corpo não consegue se aclimatar à altitude, seja por subir muito rápido, não dando tempo suficiente ao organismo para se adaptar, ou por outros fatores, inclusive genéticos, ou em situações onde o corpo está aclimatado, mas permanece exposto à altitude por um período muito prolongado, existe o risco da pessoa entrar em um estado conhecido como “síndrome de altitude”, ou “mal da montanha”, que nos casos mais extremos pode se agravar e levar a um edema pulmonar e/ou edema cerebral.

Em altitude há um aumento no ritmo da respiração e do batimento cardíaco, é comum também experimentar dor de cabeça, insônia, apnéia durante o sono, tosse, perda de apetite, enjôo, vômitos, diminuição da coordenação motora e fadiga. A urina, que no processo de aclimatação tende a aumentar, agora diminui devido à desidratação que o corpo passa. Em altitude o ambiente externo, muito seco e de baixa pressão, “suga”, quase que por osmose, o líquido em nosso corpo. Perde-se muita água apenas respirando. É muito importante manter-se bem hidratado, mesmo quando não há sinais de sede. É recomendável também evitar bebidas alcólicas, pois o alcool contribui na desidratação.

A síndrome de altitude pode se agravar para um edema pulmonar e/ou cerebral. Fluídos invadem os pulmões, causando crises de tosse fortíssimas e eventualmente podendo literalmente afogar a pessoa. No caso de edema cerebral há uma dilatação do cérebro (também devido ao vazamento de fluídos) no compartimento rígido do crânio, causando fortes dores de cabeça, perda de coordenação e incapacidade de raciocínio. Ambos os casos de edema, se não tratados a tempo, podem levar à morte.

Para a melhora desses sintomas existem algumas drogas que podem ser administradas, mas o tratamento ideal (quando possível) é simplesmente baixar de altitude. Existe um velho ditado de montanha que serve de receita a uma boa aclimatação: Suba alto durante o dia, durma baixo à noite (climb high, sleep low).

Cada pessoa responde de forma única à altitude, a própria genética determina em parte a facilidade ou dificuldade nessa adaptação, mas de forma geral a aclimatação se torna mais eficiente quando feita de forma gradual e quando a pessoa está bem condicionada fisicamente. O estado emocional também conta, pois o stress tem um efeito vaso constritor, prejudicando a circulação do sangue. Detalhes como não fumar, e uma boa dieta, facilitam na adaptação à altitude.

Existe também a memória fisiológica, como aponta o montanhista Tiaraju Fialho: “A memória fisiológica fica gravada no organismo, acelerando os processos fisiológicos de aclimatação de quem já esteve mais vezes em grandes altitudes. Lembro de uma entrevista do Kukuczka*, ao retornar da primeira invernal ao Kanchenjunga, na qual ele dizia que a melhor aclimatação era estar lá, sempre!”

*Jerzy Kukuczka, escalador polonês de alta montanha. Em 1987 se tornou o segundo homem depois de Reinhold Messner a ter escalado todas as montanhas com mais de 8000 metros do mundo. O alpinista morreu durante uma tentativa de escalar a face sul do Lhotse, no Nepal, em 24 de outubro de 1989, a uma altitude de cerca de 8200 metros.

  • As populações de montanha tem naturalmente uma quantidade elevada de hemoglobina no sangue, e mais do que isso, tem toda uma química orgânica perfeitamente adaptada para o ambiente de altitude. Os Sherpas (povo nepalês das montanhas do himalaia) tem feitos surpreendentes nas montanhas. Babu Chiri Sherpa conseguiu permanecer no cume do Monte Everest por 21 horas sem auxílio de oxigênio suplementar, Lakpa Gelu Sherpa escalou a montanha em 10 horas e 56 minutos, Pemba Dorjie Sherpa, em 12 horas e 45 minutos.

  • Acima dos oito mil metros o corpo humano, por mais aclimatado que esteja, se desfalece aos poucos, e escaladores buscam permanecer nessa altitude o menor tempo possível. Os montanhistas chamam esta região de zona da morte.

  • A escaladora Samanta Chu aponta em um estudo recente sobre o tema: “O processo de aclimatação pode ser melhorado significantemente com a ingestão de ferro. Isso porque o ferro é componente da hemoglobina.”

  • Um dado interessante sobre altitude e pressão é que na medida que se afasta da linha do Equador em direção aos pólos, a pressão do ar muda, pois na linha do Equador o limite da troposfera chega a 17 km de altitude e nos pólos o limite fica apenas a 7 km de altitude. A pressão do ar nos pólos, portanto, é menor que na linha do Equador. Como consequência disso, uma pessoa ao subir uma montanha de 4000m na Antártica pode sofrer tanto com a altitude quanto uma pessoa que está subindo uma montanha de 6000m em latitudes tropicais. (Antonio Paulo Faria – Montanhismo Brasileiro)

  • Vários atletas treinam em altitude para aumentar a performance depois que baixam, principalmente em esportes que necessitam de muita resistência, uma vez que o sangue terá maior capacidade de oxigenação das células e maior quantidade do hormônio Eritropoietina, que aumenta a capacidade muscular. Chegou-se a discutir se essa prática não consistiria em um tipo de doping.

  • Depois de baixar de altitude, a alta concentração de glóbulos vermelhos pode permanecer por várias semanas no organismo, dependendo de quanto se subiu, e quanto tempo se permaneceu em altitude.

  • Alguns sites que tratam em profundidade sobre este tema: www.high-altitude-medicine.com e www.ismmed.org

    Este texto foi escrito por: Filippo Croso, especial para o Webventure

    Last modified: fevereiro 13, 2007

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