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Elf, as histórias da supercorrida

Redação Webventure/ Aventura brasil

Equipe Tribo dos Pés rema para a chegada sofrida (foto: André Pascowitch)
Equipe Tribo dos Pés rema para a chegada sofrida (foto: André Pascowitch)

“Estávamos remando no caiaque para Ilha do Caju (MA) em um cenário maravilhoso. Uma lua com aquela luz que a gente via a silhueta das dunas. O mar estava flat (calmo), liso, transparente. Quando chegamos ao PC (posto de controle) era uma Dark Zone (período determinado de paralisação da prova), a gente teve de dormir lá. Foi a pior noite da minha vida. Quando colocamos os pés nas dunas foi impressionante, era o lugar que mais tinha mosquito no planeta. Não conseguimos dormir e rezamos para que a manhã chegasse rápido”
Said Aiach Neto, capitão da equipe brasileira Reebok Endurance

Corrida de Aventura, palavrinhas que andam muito em moda ultimamente… Mas, que diabo é isso? Corre-se de carro ou de moto? A pé – e as vezes se corre, outras se pedala, outras se arrasta mesmo. Uma corrida de aventura é um rali humano. Uma prova de velocidade em que os competidores devem utilizar habilidades físicas para cumprir etapas de trekking, caiaque, mountain bike, escalada, cavalgada, nado e vela. É claro, cada prova possui características próprias.

No último mês de abril, o Brasil acolheu uma prova internacional, o Elf – Authentique Aventure. Não foi simplesmente mais uma corrida com edição brasileira. Diferente das outras, por possuir também um caráter social com a realização de projetos de intercâmbio entre atletas e moradores locais, o Elf deste ano foi a maior prova já realizada no mundo. Foram mais de 800 km, cruzando os estados do Ceará, Piauí e Maranhão – uma região de pouca prosperidade, mas com hospitalidade de sobra.

A corrida teve início no dia 15 de abril e encerramento no dia 28, com a vitória da equipe internacional Pharmanex/Spie. Neste Aventura Brasil, você não saberá como foi o desempenho da campeã, quem foi a vice ou toda a classificação final. O objetivo foi captar um mínimo da experiência que 24 atletas brasileiros vivenciaram debaixo do calor fortíssimo do sertão: que dificuldades passaram nos trechos em que talvez o homem nunca tenha pisado, no meio da mata, no meio do nada.

“Passados 500 anos de Brasil, a gente percebe que nós, brasileiros, não conhecemos nada, ou muito pouco. Então não deixou de ser um descoberta, talvez, uma redescoberta. Essa sensação que nos acompanhou durante toda a prova”, resume Valdir Pavão, capitão da equipe Brasil Firemen.

Para conseguir completar uma corrida de aventura é preciso muito físico. Foram meses de treinamento de todas as modalidades, sob as condições mais adversas para não ter surpresas no decorrer do percurso. Mas nada adiantaria, se a cabeça não estivesse no lugar.

“Essa loucura de 12 dias fazendo exercícios e dormindo pouco é um trabalho do inconsciente. É um trabalho psicológico. Você prepara sua cabeça para passar por todas as dificuldades, seu organismo acaba assimilando e suportando tudo. É engraçado, mas quando coloquei na cabeça que a prova tinha terminado, meu corpo pediu arrego. Tudo doía e não conseguia andar. Meia hora antes, eu estava trotando”, conta Said. A psicologia da prova transmite uma mensagem ao cérebro do competidor para que ele não se entregue e continue até o fim.

Inteiras – Integrante da Atenah/Pão de Açúcar , única equipe feminina no Elf, Patrícia Bertolucci confirma isso. “Em situações de perigo, risco de vida, se não tiver um controle emocional, você pode se desesperar e colocar tudo a perder”. Patrícia conta que muitas foram as chances de alguma das meninas deixar a prova por falta de preparo ou por limitação psicológica. “Conseguimos terminar inteiras, mas em vários momentos alguém da equipe pensou em desistir”.

A equipe EMA/ Brasil passou por uma experiência atípica. No caminho entre os PC 17 A e 18, um dos integrantes da equipe, Marcelo Maciel, desistiu de continuar devido à formação de bolhas nos pés. À princípio foi um problema físico, mas que depois abalou psicologicamente toda equipe. “Eu não conseguia mais andar, meu pé estava doendo muito, então resolvi parar. A equipe inteira sofreu com a decisão e todos decidiram não mais continuar”, explica. O abandono de Marcelo desclassificaria a equipe da prova, porém os outros integrantes poderiam seguir e curtir o restante do Elf.

Higiene no sertão? As condições eram precárias. Todo o trajeto do Elf, que cruzou os estados do Ceará, Piauí e Maranhão, passou por vilarejos e lugares sem condições básicas de saneamento e higiene. Não se podia reclamar: saber superar esses problemas também fazia parte da aventura.

Dificuldades com acomodações em lugares sem limpeza e no meio de bichos selvagens foram constantes para as equipes. “É uma questão muito complicada. Passamos por lugares onde as populações criam porcos selvagens soltos. E como chove muito nesta época do ano, as regiões ficam alagadas. Isso contribui para a existência de doenças, comprometendo a higiene. Também tem que tomar muito cuidado com a água que vai beber”, afirma Valdir Pavão, capitão da equipe Brasil Firemen.

“Me lembro de um lugar, no Piauí, perto de uma choupana, em que afastei o porco dali e deitei. Como estava cansado, na hora você nem pensa o que faz”, completa Pavão. Muitos integrantes de equipes não se importaram. “Dizem as más línguas, que as equipes da frente passam todas a prova sem escovar os dentes e tomar banho”, diz Said.

Salão – As mulheres, claro, são um pouco mais cuidadosas. Sempre que podiam, estavam cuidando da pele. “Toda vez que parávamos, fosse na beira do rio ou onde tinha uma água melhor, eu tomava um banho e me refazia. Passava creme e trocava de meia quando dava. Saí ilesa da prova e não tive nenhum problema nos pés”, explica Carmem da Silva, companheira de Said na Reebok Endurance.

“A gente levou aqueles lenços umedecidos para a limpeza da pele, bastante filtro solar e creme. E, todos os dias, nós tomamos banho”, comenta Patrícia. “Dor, sujeira, mau cheiro, dificuldades para fazer necessidades básicas a gente enfrentou. Agora acabou a frescura”, finaliza.

Mesmo com pinta de machões, que não precisam de cuidados, foram os homens que sofreram as maiores conseqüências. Por causa da presença de fungos e bolhas nos pés, que os impossibilitava o andar, a incidência de abandono foi muito maior do que entre as mulheres.

“Na primeira subida da Serra da Ibiapaba (divisa dos estados do Ceará e Piauí), um lugar úmido, encontramos uma choupana no meio da noite. Era uma casa de pau a pique, com chão de barro. Me lembro bem, seu Miguel e Dona Teresa viram a gente passando e ofereceram abrigo. Nos deram comida e as redes, que usavam para dormir, para descansarmos. Naquela madrugada, um dos membros da equipe passou mal e Dona Teresa acordou para fazer chá. Era um momento crucial. Estava chovendo muito e, se não tivessem aparecido, não teríamos onde dormir, o que comer e, realmente, passaríamos por uma situação mais complicada. Vi os dois como os anjos salvadores. Tudo aquilo foi muito tocante”.
Valdir Pavão, capitão da equipe Brasil Firemen

Quem esperava um povo rude e desgraçado pelas péssimas condições em que as famílias nordestinas vivem, enganou-se. Mesmo morando em casas de barro e de sapê, com uma média de 12 a 13 filhos, sem energia elétrica e com uma renda mensal de R$ 90, estas famílias agem com educação. Tratam os hóspedes da maneira que podem, oferendo alimentação e conforto para uma noite de descanso, e o chefe da casa é o melhor anfitrião do mundo.

“Eu não esperava tanto, mas eles foram muito receptivos. Vivem em condições precárias, numa pobreza absoluta e tiravam tudo que tinham para nos oferecer”, conta Carmem. Seu companheiro de equipe, Luís Makoto, concorda: “a hospitalidade do povo nordestino é muito comovente. Um pessoal que mal tem comida, abriga-nos daquela maneira, dividindo tudo que eles têm…”

Macarrão e frango – Estes são alguns dos vários relatos sobre a cordialidade do povo nordestino para com a equipes do Elf, que passaram em vilarejos ou por uma casa solitária no meio do nada. Em todas as rodas de conversa entre competidores e jornalistas, essa era a pauta de todos os dias, o fato mais marcante.

“Antes da cidade de Araquém (CE), quando faltavam dez minutos para a Dark Zone de cavalgada (período determinado de paralisação da prova para descanso dos cavalos), encontramos uma casa simples. O dono nos recebeu muito bem. Levou nossos cavalos para o curral. Pedimos por refrigerantes e como ele não tinha disse que iria para cidade comprar. Insiste para que não fosse, mas ele foi. A esposa fez macarrão e arroz com frango. Depois descansamos e saímos as 5h30. Fizeram de tudo para nos agradar. Em retribuição deixei um pouco de dinheiro para eu pudessem comprar mais refrigerantes”, comenta Bernadino Pucci Neto, integrante da Tribo dos Pés.

Assim como ele, muitas equipes tentaram agradecer a receptividade pagando com dinheiro, mas a maioria das famílias recusaram. “Quando nos propusemos a pagar, eles ficaram indignados. É lógico que a gente deixava sempre um pouco. Mas o que me chamou atenção é esta falta de apego aos bens materiais. São pessoas solidárias, de um coração enorme”, completa Said.

Mais do que uma competição, esta segunda edição do Elf foi uma experiência à parte na vida dos brasileiros. Se por um lado o português ajudou na comunicação para conseguir auxílio dos locais, a dificuldade de sobrevivência foi o grande desafio.

Suportar o medo e vencê-lo foi a grande lição. “Agora, quando páro para pensar, vejo o que passei, o medo que eu enfrentei. Todo este aprendizado vai ser levado para o meu trabalho, para os futuros desafios, para a minha vida”, completa Patrícia.

Segundo Pavão, “foi uma experiência incrível. Acredito que todas as pessoas que tiveram a oportunidade de estar nesta prova, viveram momentos de intensa emoção e que serão guardados para sempre”.

Nem bem refeitos de tantos desafios, eles já sonham com o próximo, já que o Elf é anual. A edição de 2001 provavelmente será na Mongólia, mas ainda não é certa a presença de equipes brasileiras em mais essa aventura.

Para saber mais sobre o Elf, visite o site da cobertura oficial da Webventure, clicando aqui.

Este texto foi escrito por: André Pascowitch

Last modified: abril 20, 2000

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