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Eliseu Frechou e Wagner Pahl no Monte Whitney, EUA


Abrigo no topo do monte (foto: Arquivo pessoal/ Eliseu Frechou)

Na minha opinião, viajar é algo tão inerente ao esporte de escalar quanto a própria atividade em si. É quando podemos ampliar nossos horizontes e testarmos em terrenos diferentes do nosso quintal.

Quando estive no Yosemite Valley pela primeira vez em 94, achei que não iria voltar nunca mais. É tudo tão longe, caro, difícil para nós brasileiros. Para minha felicidade consegui retornar 7 vezes, e neste ano mais uma vez, com os amigos Wagner “Guinho” Pahl e Fábio Saboya, que em datas diferentes, pudemos curtir algumas das escaladas mais bacanas de Yosemite, Tuolumne Meadows e Mount Whitney.

No início da segunda quinzena de 2006, partimos Guinho e eu para a a Califórnia com a intenção de escalarmos o Half Dome, um dos maiores símbolos do montanhismo americano, e uma das paredes mais bonitas que eu já escalei. Para quem vai do Brasil, o caminho mais fácil é por São Francisco. Yosemite está do lado oeste da Sierra Nevada, a apenas cinco horas de São Francisco, nosso portal de entrada nos EUA pela rota 120. Esta é uma cidade muito bacana, e a melhor maneira de conhecê-la é a pé. Nos dias de rolê, deixamos o carro no estacionamento e de mochila nas costas, partimos para caminhadas de 10 horas non-stop pelas ruas. Em São Francisco alugamos um carro, fizemos as compras de equipamentos e rango, e partimos o mais abastecido possível para o Vale.

Logo no segundo dia, iniciamos a caminhada de 11km para o Half Dome carregados com vários quilos de equipamentos, rango a água para escalar a Northwest Regular em dois dias. Um esforço que foi frustrante, pois assim que chegamos, nos deparamos excesso de tráfego, várias vias ocupadas. Até tentamos escalar, passamos uma noite na montanha, ma tanta pedrinha na cabeça nos fizeram repensar e desistir da parede, evitando o risco desnecessário.

O Whitney – Optamos então por seguir para o Mount Whitney, o ponto mais alto dos EUA continental (fora o Alaska), que pelo que soubemos, não havia tido nenhuma ascensão por equipes brasileiras no East Butress. As informações sobre a rota a faziam altamente recomendável. A promessa de um lugar parecido com a Patagônia, com quase nenhuma vegetação, granito cinza claro, morainas, lagos, geleiras e quase 4.500m de altitude, nos botou a pilha para partir o mais rápido possível para o outro lado (leste) da Sierra. Passamos rápido por Tuolumne Meadows e pernoitamos já no Inyo Natinal Park, não antes de é lógico, pegar o wilderness permit, exigido para escalar o Whitney, e mesmo caminhar após a entrada no parque.

A estratégia era caminharmos até a base da montanha, numa trilha que consumiria segundo informações, um dia inteiro, bivacarmos na base da rota e no dia seguinte, escalar a parede, descer por uma rota de caminhada e voltar para a sede do parque. Para esta estratégia dar certo e não ficarmos um dia a mais naquela altitude e friaca, teríamos que ser rápidos.

Isso significava que também teríamos que estar leves na caminhada, para não nos cansarmos e podermos guardar o gás para a escalada. Escolhemos então deixar no carro a barraca e o fogareiro. Levamos apenas quatro layers de roupa cada e os sacos de dormir e bivaque. O equipamento de escalada também teve seus cortes, apenas um jogo e meio de friends, algumas nuts e alguns tcu’s. Uma única corda nos deixava sem possibilidade de descida… Então, teríamos que chegar no topo para descer pelo corredor a direita da montanha. Roubada, só para variar.

No primeiro dia, seguindo as informações que conseguimos com os locais da cantina do parque, seguimos por uma trilha errada, que levava ao Whitney sim, mas via caminhada até o topo! Nos ferramos bonito, além de perdermos um dia inteiro camelando feito sherpas. Xingamos pacas, mas felizmente encontramos umas figuras que conheciam e nos mostraram a estrada do north fork, onde começa a Mountainner’s route.

Perrengue de quase sete horas de “toca para cima”, só para variar e chegamos sem maiores problemas que a falta de ar no Iceberg lake, ponto onde deveríamos montar o bivaque. O lugar é cherio de amontoados de pedra formando barreiras contra o vento. Antes do anoitecer arrumamos o equipamento de escalada e comemos um ravióli enlatado a frio mesmo (intragável!). Conforme vai escurecendo vai gelando e tivemos um bivaque glacial, a vários graus negativos.

A noite é um espetáculo. Pelo buraco de respiração do meu saco de bivaque fiquei contando satélites e estrelas cadentes sem parar. O Guinho também fiou espantado com a clareza do céu e passou boa parte da noite curtindo o visual. Pela manhã, falta coragem para sair do saco de dormir, que mesmo com gelo por dentro, ainda é mais quente que a temperatura externa. A água que havíamos preparado para a escalada estava congelada nas garrafas e o gelo estava por todas as partes.

Para o alto – Com o nascer do sol, a pressa por fazer a escalada toma conta de nós e começamos a subir a moraina em direção à montanha. A primeira enfiada é tranqüila, a proteção é boa e nos deixou confiantes em fazer as 11 enfiadas num bom tempo. Nossa idéia era alcançar o topo e ainda descer no mesmo dia, então ligamos o turbo e conseguimos realizar cada enfiada de 60 metros num tempo inferior a 30 minutos.

Entre uma parada e outra, tiramos uns minutos para filmar e fotografar. Não só nossa pressa, mas também o frio, nos lembra que precisamos nos manter em movimento. A medida que subimos, entramos na aresta da montanha, onde é mais frio por conta do vento. O lugar é uma espécie de fendolândia e por diversas vezes encontramos diversas fendas paralelas o que até dificulta a orientação. Isso, mais o fato da inexistência de grampos, e apenas um piton em 600m de parede, deixa uma enorme responsabilidade ao guia, que deve ter um bom senso de direção para não se perder na parede, entrando numa ratoeira sem saída.

O ar frio e os quase 4.400m de altitude dificultam a respiração e por diversas vezes temos que parar de escalar e respirar mais forte por alguns segundos para recuperar o fôlego. Chegamos ao meio da montanha as 10h30. Guinho e eu havíamos combinado que este seria o ponto de parada para uma barra energética, água, filmar as considerações. Quinze minutos de descanso e fomos tocando, fazendo as paradas nos melhores platôs e seguindo nosso caminho sa nossa maneira, sem deixar rastros, um dos prazeres da escalada tradicional.

Algumas incertezas e decisões felizmente acertadas e às 13h chegamos ao topo. Fotografias, papo com uma galera que estava no cume via trilha e descemos o perigoso corredor cheio de pedras soltas que termina no local de bivaque. Às 15h saímos carregados com os equipos extras e antes do pôr-do-sol estávamos no carro.

Veja abaixo o relato de Wagner “Guinho” Pahl sobre a subida do Monte Whitney ao lado de Eliseu Frechou

O contraste da viagem chega a chocar a quem não está acostumado com o lugar, como quem cruza uma porta, saímos de um vale repleto de pinheiros e montanhas e fomos para num planalto desértico onde se pode avistar a Sierra Nevada ao fundo e se não fosse pelo gelo perene que vemos em alguns pontos das montanhas jamais poderíamos acreditar que no inverno aquilo é uma badalada estação de esqui.

Após resolvermos detalhes como mantimentos e o passe para escalada, chegamos ao portal do park, de onde saem algumas trilhas para o vale. Lá alguns bolsões de estacionamento, uma loja de conveniência com preços nada convenientes, pelo menos não para meu bolso, e uma área demarcada para as barracas. Barraca pronta e janta feita é hora do banho, Epa !!! Cadê os chuveiros ? Tava bom demais pra ser verdade. Banheiros ecológicos, já ouviu falar ? Não têm água. Sem solução para o problema, guardamos o resto da comida num daqueles armários a prova de ursos e fomos dormir sujos mesmo.

Dia seguinte, saímos bem cedo da barraca, tomamos um café made USA e partimos para trilha rumo ao Iceberg Lake, um lago a base no Mount Whitney. Cara o que foi aquilo!!! Pra quem nunca viu neve na vida ver aquilo no meio do mato foi muito estranho. Por onde a água corria formavam-se cortinas e até colunas de gelo, era possível ver alguns pequenos pedaços desprendendo-se das paredes e caindo junto com a água que escorria. Mais para frente uma cachoeira em pleno final de outono ainda parcialmente congelada. Aos poucos fomos deixando o abrigo das árvores e entrando num vale aberto, onde o sol castigava sem dó entre paredes rochosas e um chão de cascalho, areia e pedras soltas. A está altura o otimismo já não estava tão inabalado e cada passo tinha que ser bem calculado pra não torcemos o pé ou voltarmos dois passos pra trás.

Volta – Acabamos nos perdendo e voltamos para a entrada do Parque. No dia seguinte acordamos mais tarde para dar uma oportunidade, mesmo que pouca, para o corpo descansar. Já cientes do que tínhamos pela frente, tomamos a decisão de deixar todo peso extra para trás, ou seja, barraca, fogareiro equipamentos repetidos e com isso, o resto de conforto que nos restava.

A trilha não foi nada amistosa, mas objetiva, sem muitos zig zags o que tornava-a ainda mais ingrime, era um campo de provas pra professor de step nenhum botar defeito. Com o corpo já todo arrebentado do dia anterior mau conseguia andar. Perto do final da tarde chegamos ao Iceberg Lake. Literalmente exausto, só tive forças pra abrir o isolante antes de cair no chão e aproveitar por alguns minutos o resto de calor do sol.

A noite chegou e com ela um frio insano. Já passei por algumas roubadas na Pedra do Baú e em Itatiai, mas frio como aquele confesso que nunca havia sentido, meu corpo tremia involuntariamente. Como não levamos a barraca tivemos que bivacar no pé de um grande bloco de pedra e improvisar uma parede com pedras empilhadas para contar o vento. Ainda bem que nenhuma delas resolveu cair na minha cabeça durante a noite.

Antes de dormir combinamos de sair bem cedo, antes do sol, por volta das 05:30h da manhã, enchemos as garrafas com água do lago e jantamos uma lata fria de ravióli pré – cozido, só de lembrar a sensação me dá ânsia. Mesmo com o céu estrelado sobre nós, nossas acomodações passavam longe de um hotel cinco estrelas, o chão era tão duro que acordava de meia em meia hora pra trocar de lado e o meu travesseiro de pedra só tinha uma posição boa.

Às 5h30 da manhã, escuto Eliseu chamando de dentro de seu saco de dormir. “E ai Guinho? Já deu a hora, vamos levantar? Com o frio que estava fazendo é claro que a resposta era uma só. “Acho melhor esperarmos mais uma hora, pelo menos até o sol sair”. O que na verdade acabou levou umas duas horas. Quando finalmente tomamos coragem pra sair do bivaque recebemos a primeira surpresa do dia, o sereno que caia sobre nós congelou, criando uma fina camada de gelo sobre os sacos de dormir. As garrafas haviam congelado.

Fomos para a base da montanha. Como as bases teriam que ser armadas em equipamento móvel, pois não haviam proteções fixas, resolvemos ir esticando a corda até onde desse, pra tentar reduzir o número de enfiadas e ganhar tempo com isto, pois estávamos preocupados em voltar ainda com luz natural. Lá pela terceira enfiada encontramos o único vestígio de que estávamos no traçado correto da via, um píton cravado na rocha na ocasião da conquista.

Não é por acaso que esta via foi classificada com 5 estrelas no Guia Super Topo de Escalada. O visual que se tem da parede é alucinante, com o lago verde escuro ao fundo, as montanhas vizinhas coladas ao lado e um horizonte plano a perder de vista. Na quinta enfiada encontramos um platô de patrão e resolvemos parar pra fazer uma boquinha, uma daquelas barras energéticas. O problema foi que assim como a água, elas também congelaram e ficaram mais dura que rapadura, não sabia se mordia ou se chupava.

Cume – Logo depois de iniciar a 11á enfiada, ultrapassando um bloco que ocultava nossa visão acima, escuto Eliseu falar. Pode desfazer a segurança, já estamos no cume. Esperava que aquela fosse a última surpresa do dia. A chegada ao cume foi um mix de euforia, satisfação, cansaço e preocupação com a volta. Não sabia se comemorava, tirava umas fotos pros amigos descrentes, comia ou arrumava tudo pra me mandar, pois a esta altura algumas nuvens estranhas começavam a se formar sobre o Whitney.

A descida era bem ingrime e seguia paralela a uma grande moraina (formação de gelo perene ), mais abaixo o gelo dava lugar a várias pedras soltas o que gerou uma certa preocupação pois a medida que andávamos as pedras iam se desprendendo e rolando em quem estava mais abaixo. Como era impossível de evitar que as pedras rolassem, fomos em zig zag e aguardando um completar uma passada para o outro prosseguir.

Este texto foi escrito por: Eliseu Frechou e Wagner Pahl