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Eliseu Frechou explica porque está, pela terceira vez, no coração do continente africano

Redação Webventure/ Montanhismo

Os tuaregues  povo nômade da região (foto: Arquivo pessoal)
Os tuaregues povo nômade da região (foto: Arquivo pessoal)

O escalador brasileiro Eliseu Frechou já está em Bamako capital de Mali, país no centro-oeste da África , de onde parte amanhã (28) para a montanha Suri Tondo, uma das maiores paredes rochosas do continente, com cerca de 600 metros só de escalada.

Esta é a terceira expedição de Eliseu ao Mali. Em 1996, ele, Márcio Bruno e Sérgio Tártari abriram a via Solução Suicida (6º VII A4 550 metros) na torre vizinha à Suri, a Kaga Tondo. Em sua segunda viagem à região, em 2006, uma pedra solta, “do tamanho de uma cadeira”, machucou o companheiro Fernando Leal.

Agora, Eliseu retorna ao Maciço de La Main de Fatma novamente com Fernando Leal, mais Edemilson Padilha, com quem vai escalar pela primeira vez um big wall. A ideia é liquidar a questão “o lugar ficou engasgado na minha garganta. Estou voltando pra resolver isso”.

A seguir, o montanhista de São Bento do Sapucaí (SP) conta ao Webventure sobre as expectativas em relação à parede em si, os riscos políticos de estar região o norte do Mali sofre com uma revolta de tuaregues separatistas desde a chegada à região de combatentes líbios do ex-ditador Kadaffi; também há indícios de que a Al Qaeda atue no país e de como o trio se preparou para a expedição.

Quando você foi pra Mali da primeira vez? Como conheceu o pico?
A primeira expedição brasileira lá foi a nossa, quando conquistamos a Solução Suicida na Kaga Tondo, que é a maior torre rochosa da África. Durante 6 anos esta foi a via mais difícil da África e a primeira ascensão durante o verão. O lugar me foi apresentado por dois alemães, o Kurt Albert e o Bern Arnold, que estiveram lá três anos antes. A região é uma das maiores concentrações de paredes rochosas no mundo, com 100 quilômetros de extensão. É cabuloso. E o lugar é inóspito. Pra chegar na maior parte das paredes é preciso andar muito, sem água. Sem contar o calor [que pode chegar a 50 graus centígrados]. Em 1996, tínhamos planejado escalar o Salto Angel [na Venezuela], mas rolou uma proibição e acabamos indo para a África.

Porque essa obsessão pelo lugar?
Em 2006, a ideia era conquistar outra via na Suri Tondo, que eu acho que é maior que a Kaga a diferença é que a Suri é uma parede e não uma torre. A Suri pode ser a maior parede rochosa africana. Em 2006, o Gustavo [Pianca, integrante da equipe] estava fazendo um rapel, quando uma pedra do tamanho de uma cadeira se soltou, acertando o braço do Fernando. Então, com este debilitado, acabamos abortando a subida. Mas o lugar ficou engasgado na minha garganta. Estou voltando lá pra resolver isso.

Mas, na real, tem o seguinte: existe uma ideia formada de que um desafio da escalada é só em montanha gelada. O montanhismo tem N desafios, que incluem paredes na floresta e no deserto. Só que este não é o alpinismo clássico, que estamos acostumados a consumir. A gente importou a ideia de que escalada é só no Everest. Nós, brasileiros, estamos muito mais aptos a vencer esse tipo de desafio [em paredes quentes no deserto] do que os gringos. Nós aprendemos a escalar no calor, na vegetação e com os bichos.

O Fernando já escalou com você, mas o Ed não. Vai dar certo?
O Ed é um cara que escala pra caralho. Eu o respeito muito. Eu tenho certeza absoluta que o cara é sossegado, competente e que vamos nos dar bem. A gente já se conhece há muitos anos. O Márcio Bruno, que é meu parceiro, não podia ir dessa vez. E como estou com a grana e minha lista de montanhas é grande, não dava para esperar. Então liguei para o Ed e o cara topou. O mais importante é o caráter e o temperamento da pessoa. Escalador esportivo pode subir um grau 10, mas quando chega no perrengue, ele quer descer. O Ed, pelas expedições que ele já fez , está acostumado com o sofrimento.

Quanto custa esta viagem? Vocês têm patrocínio?
Só de equipamentos, gastamos 12 mil dólares em conjunto. Além disso, cada um coloca uns 7 mil dólares por conta para a viagem. Mas, conseguimos patrocínio de comida, coisas assim. Temos patrocínio da Solo, Deuter, Master, Snake, Conquista e Crio Foods.

Vocês treinaram juntos? Como está o entrosamento?
O Fernando costuma vir aqui uma vez por mês. Então, sempre treinamos. O Ed é do Paraná e tem o negócio dele [a fábrica de equipamentos Conquista]. Então, é difícil sairmos para viajar juntos, mas volta-e-meia nos encontramos. Como nunca escalamos uma parede grande juntos, os primeiros lances devem ser de adaptação, para ver o que cada um prefere. Mas, temos a mesma escola americana. Estamos mais para o jeito do Yosemite de escalar do que para o estilo europeu [basicamente, no primeiro os suprimentos e equipamentos são puxados por um sistema de roldanas, em uma ascensão mais lenta e trabalhosa; no segundo, os escaladores vão de uma forma mais autônoma, mais leves e subindo mais rápido]. Se fossemos diferentes, poderíamos ter problemas.

Que dia começa efetivamente a escalada? Quantos dias vocês ficarão pendurados?
Espero estar na região das torres no sábado que vem, dia 3 de março. Depois, são mais dois dias para começar a escalada (5). Se tudo der certo, em sete dias terminamos a via (dia 11). A previsão de volta para o Brasil é no dia 19, até por causa da instabilidade política da região no hotel onde vamos ficar dois franceses já foram raptados pela Al Qaeda.

Vocês receberam alguma recomendação do governo sobre segurança?
Ir para a África é sempre enrolado. Mas falam que o bicho pega mesmo, com galera armada, 200 quilômetros pra frente de onde estaremos. Tem uma fronteira natural nessa região, que é feita pelo Rio Níger, que tem poucas pontes. A não ser que aconteça algo muito sério em Burkina Faso [país que faz fronteira ao sul com Mali, onde há conflitos armados], estaremos sossegados. Para onde vamos não é zona vermelha de segurança, é laranja. O lance é tentar chamar menos atenção possível, ou seja, ficar pouco nas cidades, ir pro meio do mato, subir a parede e ir embora.

Qual a referência que vocês têm da rocha?
Pelo que vimos nas últimas viagens, o quartzito é muito bom. A nossa expectativa é a melhor possível. Mas, tem muita quina afiada e pedras soltas. Tirando isso, é calor e a parede mesmo, que é grande. Vamos tentar fazer o máximo possível em livre, sem muito artificial [ou seja, usando as próprias agarras da parede para subir e não equipamentos de ascensão]. Gastaremos um dia avaliando a rocha, porque lá é muito quente e o consumo de água só pode ser de até 6 litros por dia.

Como você espera que seja a progressão, tecnicamente falando?
Costumamos fazer 70 metros por dia. Se fizermos no mínimo isso, terminamos a subida em sete ou oito dias. Mas acho que vamos conseguir fazer mais do que isso, talvez até dois trechos por dia. A parede, em termos de escalada, deve ficar em torno de 600 metros.

E quem vai guiar?
O Ed e eu. O Fernando é um cara que ajuda muito. Mas se ele se sentir à vontade, beleza. Ele é um cara pesado, difícil de tocar no ritmo de treino. Mas ele aguenta, é parrudo. Ele tem uma metodologia de trabalho bem legal, ele é sistemático. Posso deixar uma tarefa na mão dele, que ele faz tudo direitinho. Não precisamos de bons escaladores, precisamos de equipe. Cada um faz a sua parte e chegamos lá em cima, sem estrela.

Além das dificuldades de qualquer big wall, qual o grande desafio desta escalada especificamente?
Acho que é o calor. Ainda tem a questão da malária. Quando se fala de África, tem um monte de coisa ruim. Vamos levar repelente, mas sempre tem essa possibilidade. Tem também o desafio logístico, de não poder contar com nada por lá. Estamos levando absolutamente tudo daqui. Não vamos tomar nem lanche lá. Exceto a água.

Qual o peso da bagagem de vocês?
O Fernando está saindo com 80 quilos, e eu e o Ed com 68 cada. Usaremos a água de lá, mas estamos levando um filtro que limpa tudo, até agrotóxico. Como são 6 litros por pessoa, vamos ter que puxar uns 70 litros na subida.

Este texto foi escrito por: Pedro Sibahi

Last modified: fevereiro 27, 2012

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