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EMA 2001: o desafio da Amazônia

Redação Webventure/ Aventura brasil

Tom Papp desidratado na trilha na selva (foto: Gustavo Mansur)
Tom Papp desidratado na trilha na selva (foto: Gustavo Mansur)

Quem acompanha a evolução da Expedição Mata Atlântica (EMA) desde a sua primeira edição em 1998 sabe que o encontro da principal corrida de aventura da América Latina com a maior floresta tropical do planeta era algo inevitável.

A Amazônia brasileira sempre foi um cenário atraente para corridas de aventura. Após as três primeiras edições da EMA (1998, 1999 e 2000), sempre na região Sudeste, mantendo a fidelidade a idéia original do evento em regiões de mata atlântica, já era esperado um passo maior.

Mais do que tirar a prova do eixo Rio-São Paulo, levar a prova para a Amazônia colocou a EMA diante de desafios de estrutura só comparáveis a competições como o Eco-Challenge ou Raid Gauloises. Foi uma operação complexa, que levou cerca de 300 pessoas e toneladas de equipamentos até a cidade de Santarém e, de lá, até as Áreas de Transição da prova em uma região onde as estradas são os rios.

Um caminho sem volta para a EMA . A expectativa agora será sempre por uma prova procure explorar os muitos ecossistemas do Brasil. O cerrado, o pantanal, a caatinga podem ser o próximo alvo da EMA 2002. Mas mesmo a Amazônia certamente terá sua segunda chance, em uma edição da EMA que explore a realidade da selva tropical intocada e totalmente selvagem.

Em uma prova desta magnitude são várias as cenas e situações que escapam aos olhos de quem acompanha o dia-a-dia da competição. Neste Aventura Brasil você conhecerá um pouco mais sobre os bastidores e os lugares que serviram de cenário para a EMA Amazônia 2001.

Naquela sexta-feira, dia 23 de novembro, o Focker-100 da TAM decolou rumo a São Luiz, Belém e Santarém (após três horas de espera no aeroporto de Fortaleza). A bordo daquele vôo 3892, um grupo eclético formado em sua maioria por jornalistas que embarcavam para a cobertura da EMA e alguns últimos atletas que chegavam para a competição. Após a última escala em Belém, finalmente o avião iria sobrevoar a selva amazônica. Mas estava de noite… por causa dos atrasos do vôo ninguém iria poder ter uma idéia geral do que os atletas enfrentariam. A única coisa que podíamos ver eram as luzes das queimadas. Milhares delas ligavam Belém a Santarém.

“Talvez, daqui a poucos anos, ninguém mais veja esta floresta onde vamos ver as equipes passando”, avisou o organizador geral da EMA, Alexandre Freitas no briefing realizado para a imprensa um dia antes da largada. Alexandre apenas antecipou o que seria o tema inevitável durante a competição: o desmatamento.

Dois dias depois, com a prova já em andamento, bastava dar uma volta em torno do acampamento montado no PC6 para jornalistas e organização da EMA 2001 para entender a dimensão do estrago. Para a grande maioria dos jornalistas que nunca haviam estado na região antes, chegava a ser difícil acreditar que estávamos na Amazônia. O cenário ao redor era mais parecido com um cerrado da região Centro-Oeste. Tudo muito seco, árvores pequenas e retorcidas, rios rasos e com pouca água. Afinal, cadê a Amazônia?

“A área em torno de Monte Alegre e Almeirim já é ocupada há muito tempo”, explica Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, instituto especializado em pesquisas ambientais na região. “O desmatamento da floresta original nesta região é bem anterior ao período de ocupação iniciado com a construção da Transamazônica. Ele vem da primeira metade do século XX”, concluí.

Sobre a vegetação semelhante ao cerrado que dominou boa parte dos trechos de biking e trekking Paulo explica: “A vegetação natural em uma faixa de cerca de 60-70 Km acima do Amazonas já foi desmatada. Ao norte desta área desmatada a vegetação natural é um mosaico de Savana (Cerrado) floresta aberta submontana e floresta densa. Essa sequência de vegetação aparece de sul para norte, justamente o que vocês perceberam a medida que a competição se deslocava rumo ao norte”, explica o pesquisador.

De fato, longe da selva intacta, a região de Santarém e de Monte Alegra no Pará era o cenário da Amazônia pós-devastação, das terras sem a floresta e ocupadas por extensas pastagens no solo frágil e arenoso que fica depois que a floresta é derrubada.

“Eu até entendo que os países como o Brasil precisam se desenvolver e usar seus recursos naturais. Mas não deixa de ser um choque para nós que viemos com a imagem da Amazônia na cabeça e encontramos esta paisagem”, comentou a espanhola Emma Rocca, da equipe Intersport.

Para os estrangeiros participantes da prova, às vezes era difícil explicar que aquela região do Pará não representava toda a Amazônia. Que ainda existem lugares como o Amapá ou o norte do Amazonas onde há floresta virgem, onde já dá para imaginar uma verdadeira EMA Amazônia enfrentando todos os desafios de uma floresta tropical. Fica para o futuro, para outras edições.

A cena é no mínimo curiosa. Um ônibus regional se aproxima sacolejante pela rodovia PA-254. Dele descem habitantes humildes com suas roupas de domingo vindos da cidade de Monte Alegre (PA). O destino final? No meio da estrada, um acampamento montado pelo Governo do Pará para servir de QG para a EMA 2001. Uma cidade improvisada que nasceu no meio do nada que virou atração turística para a população da região. Os passageiros descem do ônibus, sentam na beira da estrada poeirenta, debaixo do sol forte, para aproveitar o melhor programa da região nos últimos anos: observar a estranha tribo da EMA.

Quatro grandes galpões de madeira, com cobertura de palha formavam a base do acampamento da EMA 2001. Os dois primeiros galpões eram o abrigo dos competidores na área de transição. Local onde ficaram durante quase toda a competição as caixas com equipamento, roupas e comidas dos atletas. O mesmo galpão serviu também de enfermaria improvisada para o primeiro atendimento de feridos que eram trazidos de helicóptero.

Outro galpão ao lado abrigava jornalistas e membros da organização da prova. Entre as redes penduradas, mochilas, era possível encontrar dia e noite algum jornalista sentado diante do notebook e uma gota de suor permanente na testa.

O último galpão abrigou durante dias um improvisado restaurante que servia refeições aos habitantes do acampamento. A noite o restaurante virava palco de shows improvisados por quem se arriscasse a enfrentar o violão eternamente desafinado do dono do restaurante. E não faltaram candidatos a performances ao vivo.

Duas vans do Governo do Pará mantinham o acampamento on line através de uma conexão via satélite. Dentro das vans computadores conectados a internet servia a imprensa e a organização da EMA. E transmitiam dali, do meio do mato, as notícias do que acontecia na prova. Não havia telefones, e toda a comunicação de voz, tanto da imprensa, como da organização era feita através de telefones de comunicação via satélite Globalstar.

A movimentação do QG da EMA não podia dar outro resultado. Virou a atração turística dos habitantes da região que vinham de longe apenas para observar do auto da estrada a movimentação daquela estranha tribo high-tech no meio da mata. Que cena rara para quem vive naquela região dos atletas carregando seus barcos infláveis após descerem o rio Maicurú no último trecho de duck da prova. Cena rara também o heliporto improvisado a beira da estrada com o incessante movimento de aeronaves de resgate, filmagem e organização. Melhor atração que esta na região tão cedo não vai haver.

Não era a Amazônia das florestas e dos animais selvagens, mas mesmo assim ainda era a Amazônia. Sem estradas, quilômetros e quilômetros sem um sinal de civilização como luz, telefone. Mais do que isso o calor constante e úmido durante o dia, e um surpreendente frio no meio da madrugada.

Para os competidores o calor o foi o inimigo principal. Minou resistências desde o primeiro dia de prova. As maiores vítimas foram os estrangeiros. “A água não está durando nada. Tivemos que pedir ajuda em casa de moradores, encher com água do rio. Realmente é difícil imaginar um calor como este” comentou o inglês David Ogden, da International Adventures logo que terminou o primeiro trecho de biking da prova.

O desgaste físico refletiu diretamente no resultado final da prova. Das 48 equipes que largaram na praia a beira da foz do rio Curuá-Una, apenas seis percorreram todo o trajeto da prova, completando todos os 21 PCs da EMA.

Para os sobreviventes, classificados ou não, o final da EMA 2001 guardou o paraíso, a vila turística de Alter do Chão, a 32 quilômetros de Santarém (PA). A beira do rio Tapajós, Alter do Chão é hoje o principal ponto turístico da região. Além das praias de areias brancas e finas na área central do vilarejo, quem guardou energias após seis dias de EMA e explorou as redondezas não se arrependeu.

As águas cristalinas do Tapajós se distribuem em milhares de bacias e praias desertas. A vegetação nativa preservada completou o cenário da chegada da EMA 2001. Após dias vendo queimadas e áreas devastadas, Alter do Chão foi o colírio nos olhos dos participantes da EMA 2001.



Cais de Santarém ao amanhecer do dia da largada.
Foto: Gustavo Mansur

Alter do Chão – um paraíso a 32 quilômetros de Santarém.
Foto: Gustavo Mansur

A festa na chegada da Lontra Radical em Alter do Chão.
Foto: Gustavo Mansur

EMA 2001 foi uma atração a parte para a população de Monte Alegre.
Foto: Gustavo Mansur

Rapel em plena selva amazônica.
Foto: Gustavo Mansur

Índios fazem festa no acampamento-base
da EMA 2001.
Foto: Gustavo Mansur

Barcos da EMA rumo a largada no Rio Amazonas.
Foto: Gustavo Mansur

Lagoa Verde, em Alter do Chão, na seca do rio Tapajós.
Foto: Gustavo Mansur

Este texto foi escrito por: Gustavo Mansur

Last modified: dezembro 14, 2001

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Redação Webventure
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