No fim o alívio da vitória (foto: David Santos Jr)
A quinta edição do Ecomotion aconteceu neste ano, nos arredores do Rio de Janeiro. O clima que encontramos foi de calor, umidade e muita chuva (levaram três meses sem ver água e caiu tudo de uma vez só durante a corrida). O Brasil é tão grande que cada pequena parte dele tem características completamente distintas das outras.
O Ecomotion é uma corrida do circuito mundial (ARWS) do qual participam as melhores equipes do mundo. Este ano teríamos que lutar com os franceses da Wilsa, os neozelandeses da Orion Health e Merrel, os americanos da Sole, os suecos da Bjufors. Vínhamos com muita vontade, muito treinados e com uma equipe bastante reforçada na parte de orientação.
As modalidades que encontraríamos nos 450 quilômetros de corrida seriam mountain bike, trekking, técnicas verticais, caiaque duplo, canoa inflável, orientação… Passando por praias, montanhas, serra, mar e muito mais. Fran Lopez, Benjamin Midena, Jukka Pinola e Emma Roca estávamos preparados para dar tudo.
A largada – A corrida começou no domingo, 21 de outubro, em uma praia da cidade do Rio, às 23h, completamente de noite e já com alguns sintomas de sonho. As 56 equipes se lançaram ao mar com os caiaques sit on top duplos de plástico rígido para realizar 48 quilômetros de remo por toda a Baía de Guanabara.
À altura dos 75% de percurso ficava o PC1 ao lado do rio que desenbocava na Baía, mas com a noite e outros pequenos rios se fez difícil assegurar o ponto exato. Junto com os suecos estivemos buscando o PC, confirmando e remando para cima e para baixo do rio onde deveria estar o PC e não encontramos nada.
Perdemos mais de uma hora e meia com a conclusão final que o PC1 não estava no lugar correto. Seguimos remando até o PC seguinte com mau humor e frustração evidentes, já que este tempo perdido tão cedo nos tirava a cabeça da corrida, que era o nosso objetivo.
Depois de remar 11h sem descanso chegamos ao final do rio para pegar as bicicletas. A organização confirmou que o PC1 não estava em seu lugar, mas não aplicaria nenhuma bonificação nem neutralização. Pegamos as bicicletas na 20ª colocação e a 2h30 dos primeiros, com uma raiva evidente tomando conta do corpo. Sem dizer nada e com um mesmo objetivo na mente dos quatro, marcamos um ritmo forte, mais do que exigente. Foram 45 quilômetros de MTB que nos recolocaram pilhas quando vimos que já estávamos na 7ª colocação ao final daquele trecho.
Em seguida, veio um trekking de 35 quilômetros pelo Parque Nacional da Serra dos Órgãos, onde voltamos a marcar um ritmo frenético para recuperar o tempo perdido no caiaque e aproveitar as poucas horas de luz que nos restavam. A orientação deste trekking era particularmente difícil e se pegássemos noite na parte complicada teríamos que esperar, seguramente, a luz do dia seguinte. A surpresa nossa foi que em cada PC que passávamos víamos que encurtávamos a distância com os primeiros até o ponto de chegar à liderança da corrida justamente quando escurecia. As equipes de Wilsa e Orion tiveram alguma dificuldade com a orientação e as equipes Sole e Oskalunga se perderam. Assim, pois, acabamos de colocar o turbo e assinamos em primeiro o PC5, a 15min da Wilsa e da Orion.
A chuva começou a cair justo nesta transição e não nos abandonaria mais até o final. Orion saiu antes de nós e junto com os franceses começamos a pedalar 69 quilômetros já de noite. Aos 50 minutos desta seção já estávamos as três equipes mano a mano na bicicleta, mas o domínio de Fran na orientação noturna de bicicleta fez as outras duas equipes nos seguirem sem sequer abrir seu mapa. Orion se afastou um pouco e já estávamos só nós e os franceses da Wilsa. No meio da etapa havia um controle virtual, onde se tinha que responder a uma pergunta. Vimos a resposta desde a bicicleta sem parar e continuamos até a transição, mas os franceses não se deram conta de que havíamos passado este ponto e tiveram que voltar atrás para responder a questão perdendo dez minutos e separando-se definitivamente da gente.
Um breve descanso – Ao chegar à transição fomos obrigados a parar por duas horas (como todo mundo). Chovia. Frios e bem molhados nos trocamos rápido, preparamos algo de comida (sopas instantâneas frias) e dormimos como pudemos dentro de um carro. Dormimos apenas 45 minutos e já tínhamos que nos levantar para começar um trekking de 54 quilômetros.
Estávamos a oito minutos da Wilsa. Então, era a oportunidade para abrir deles se marcássemos um ritmo forte a pé. E assim foi: todas as descidas e planos corríamos e nas subidas íamos em um ritmo alegre. Quando acabamos este trekking depois de quase 11h sem parar e com uma orientação na selva que Jukka beirou a perfeição, os pés reclamaram. Neste momento os franceses já estavam a mais de 1h30!!
Foi quase uma miragem quando vimos que a organização havia separado quatro cavalos para cada equipe realizar o percurso de 17 quilômetros, e não um ou dois cavalos como previsto. Assim, os quatro em cima dos cavalos pudemos desfrutar de uma etapa relaxante (ainda que um pouco fria, já que não parava de chover), subindo por uma trilha linda e com algumas pontes de madeira, onde tínhamos que descer dos cavalos para passar a pé.
Ao terminar o cavalo, ainda nos restavam 5 quilômetros para chegar ao apoio passando por uma trilha ao lado de uma auto-estrada e como sempre o trote foi o nosso passo. Ao chegar ao ponto do apoio tínhamos muito pouca luz do dia, por isso resolvemos fazer uma transição rápida e sem demorar pegamos as bicicletas para encarar 51 quilômetros por pistas de sobe e desce infernais. No meio da bike teríamos outra parada obrigatória de uma hora que nos serviu para dormir uns 35 minutos. Já estávamos com dois dias de corrida e tínhamos dormido apenas uma hora no total, mas andar na liderança da corrida supunha uma série de sacrifícios, entre os quais estavam andar rápido e não parar para nada.
Ao terminar a bicicleta para arrematar os já doloridos pés veio um trekking de 43 quilômetros com uma seção de canoa inflável de sete quilômetros na parte final. Este trekking fizemos grande parte de noite em um lugar difícil de orientar, pero com a destreza de Benja e Jukka pudemos sair bem da zona perdendo apenas 30 minutos. A chuva não cessava e o rio que devíamos descer estava forte. Foram sete quilômetros rápidos com uma portagem de 500 metros que nos fez desfrutar mais do que pensávamos e os pés puderam descansar durante quase uma hora.
Quando acabamos o trekking, veio uma prova especial de 17 quilômetros: ir pela linha do trem com um carro antigo por cima dos trilhos. Durante os primeiros 40 minutos, o sistema funcionava maravilhosamente.
O problema do carrinho – No princípio, empurrávamos a pé, mas nos desgastava fisicamente e no final já estávamos todos os quatro em cima do carrinho, cada um com um pedaço de pau empurrando como se estivéssemos remando para avançar. Mas, quando deixou de funcionar (as rodas entraram nos trilhos freando o carro), chegou o calvário.
Ainda restavam 10 quilômetros para acabar e tivemos que empurrá-lo na mão uma pessoa apenas e o resto ia correndo atrás. Quando a via fazia curva, os quatro tínhamos que suspender o carrinho e carregá-lo até o fim da curva. Estávamos histéricos, já que da hora prevista para cumprir esta perna levamos três horas e já estávamos imaginando os franceses chegando. Mas por sorte todo mundo teve o mesmo problema e os tempos todos foram similares.
Este trecho nos desgastou muitíssimo, já que não comemos nem bebemos, concentrados com o maldito carrinho. No final desta parte, teríamos a última parada obrigatória de uma hora que, entre trocar de roupa, descansar, comer, reclamar do mal funcionamento do carrinho, etc, não pudemos sequer dormir.
Saímos para fazer a última perna de MTB de 23 quilômetros que nos levaria ao caiaque. Chovia tanto que as rodas ficavam cheias de barro da pista e todos nós íamos calados. Além disso, fazia um vento contra horroroso que nos impedia de avançar bem. Não sabíamos quando vinham os franceses, mas durante a hora em que ficamos parados na última transição eles não haviam aparecido.
Faltavam duas horas para escurecer, tínhamos pela frente 26 quilômetros de caiaque sit on top em alto mar para chegar ao destino, mas chovia e o vento transformaria as coisas em mais difíceis do que imaginávamos. Quando saímos da baía para entrar em alto mar as ondas de mais de um metro nos avisavam do que teríamos pela frente. Chovia, havia um vento contra terrível e as ondas já estavam com cerca de dois metros.
Íamos vigiando a todo o momento para que as ondas não quebrassem em cima do caiaque, evitando assim uma fatídica virada do barco. A remada ia bem, apesar de lenta, até que veio a noite. A tormenta aumentou, as ondas atingiam três metros, o vento não cessava e ainda por cima havia relâmpagos.
Situação desesperadora – Seguimos lutando para avançar, mas a situação era cada vez mais desesperadora, não conseguíamos enxergar nada na nossa frente por causa da chuva. Apenas víamos a costa, mas não sabíamos como poderíamos entrar na praia. Abrimos o rádio desesperados perguntando pelo que poderíamos fazer em alto mar com o temporal que nos cercava. Apenas pudemos conectar a organização rapidamente e entendemos que o PC26 estava sinalizado com luzes.
Mas o problema é que só se viam ondas enormes quebrando e não se sabia onde, se em pedras ou areia. Finalmente e já hipotérmicos decidimos ir até a arrebentação e por sorte encontramos uma praia com maré baixa. Não viramos, mas quase. Quando toquei o chão tive uma sensação de grande alívio que me encheu de alegria. Havia passado por momentos de autêntico pânico. Olhamos em volta para entrar em alguma das casas da costa, mas não abriram a porta por desconfiança.
Voltamos à praia e o temporal havia diminuído já podíamos ver as luzes do PC26. Assim voltamos para a água, a contragosto meu, porém as ondas já não eram tão grandes e o mar havia se acalmado um pouco. Quando chegamos ao PC a organização disse graças a Deus estão aqui!. Já que estavam realmente preocupados conosco, haviam enviado um barco de resgate a mar aberto.
Por sorte nessa hora o mar se acalmou e nos deixaram continuar até a chegada, 10 quilômetros adiante. A chuva e o vento nos acompanharam, mas sem aquelas ondas infernais. Íamos girando a cabeça para ver se enxergávamos as luzes da Wilsa, mas não encontrávamos nada.
No final, a 500 metros da chegada da Praia dos Ossos, em Búzios, começamos, enfim, a desfrutar o triunfo e as lágrimas desceram dos olhos. Sim, havíamos conseguido! Apesar do temporal estar a ponto de vencer, superamos com nossa tenacidade, ambição, experiência e força, tanto física quanto mental, para poder acabar este Ecomotion 2007, o mais duro de ritmo e condições climáticas feito até agora. Os franceses chegaram 1h15min depois da gente, tendo passado pelo mesmo calvário no mar. Tanto eles quanto nós havíamos conseguido com o resultado, a inscrição gratuita para o Campeonato Mundial do ano que vem.
Quando me pus embaixo da ducha e logo em cima da cama, meu corpo não acreditava que finalmente eu o deixava descansar e em menos de um minuto caiu fulminado dormindo, mas cheio de felicidade. Havíamos ganhado o Ecomotion 2007, a prova mais importante da América Latina e uma das favoritas de todo o circuito mundial.
Este texto foi escrito por: Emma Roca (capitã Buff Coolmax Team)