Bela vista da escalada da Pedra do Baú (foto: Arquivo Pessoal/ Alê Silva)
Contrariando o refrão do sambinha de Dorival Caymmi, Quem não gosta de samba bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé, eu realmente não nasci para Carnaval e a cada ano que passa me programo para uma viagem, em que no mínimo não tenha que ouvir um pandeiro retumbar! Foi quando recebi uma ligação do amigo Waldemar Niclevicz, poucos dias antes do feriado, meio que se convidando pra passar o Carnaval lá em casa. Como ainda não tinha programa definido, abracei a idéia, já que por lá, realmente só ouvimos o barulho do vento e dos passarinhos.
Pois 2010 foi o ano de voltar ao meu quintal. Assíduo freqüentador da Pedra do Baú, entre Campos do Jordão e São Bento do Sapucaí, eu já não escalava por lá há quase um ano e meio. A volta não poderia ter sido melhor, fomos abençoados por um tempo excelente, de muito sol, e devido aos 1800m de altitude, uma temperatura agradável.
Nossa vontade de escalar era tamanha, que mesmo chegando no fim da tarde do sábado, resolvemos aclimatar na V de Vingança, uma via longa de 5º grau, com um lance chave de 6º. Se escalada by the book, a via tem 7 enfiadas, porém como estávamos em 3 e com cordas duplas de 60m, fizemos a escalada em 4 enfiadas longas. Mesmo assim e após um pôr do sol maravilhoso, terminamos a última parte usando nossas Headlamps. Que excelente escalada de boas vindas!
Já no dia seguinte, rapelamos novamente a parede sul do Col e demos início a via Gregos e Troianos, um 6º grau maravilhoso, alternando proteções fixas e boas colocações móveis, divididos em 2 enfiadas longas e muito bonitas. O grande barato da Gregos é que após terminada a 2º enfiada, há a possibilidade de continuar pela via Learning to Fly (6º), um diedro igualmente lindo de proteções feitas com pequenas peças em móvel. Para finalizar e chegar ao cume da pedra, fizemos a 2º enfiada da Normal do Baú (4º) e a Pássaros (6º).
Terminada essa linda seqüência ainda tivemos tempo para entrar na clássica Tudo Bem, mais um 6º grau de 2 enfiadas, onde alternamos proteções móveis e fixas, chegamos ao cume do Bauzinho já a noite com nossas Headlamps.
Mais um dia – Terça-feira começamos o dia mais tarde um pouco… O Waldemar e o Eike foram direto para a Ensaio de Orquestra(7a), sem dúvida uma das vias mais bonitas do Baú. Sua enfiada cheia de 60m, sempre protegida em chapeletas, passa por uma longa diagonal em negativo, de boas agarras e lances atléticos. Se você não conhece, não deixe de fazer essa via, mas leve pelo menos 8 costuras bem longas para que o atrito de corda não estrague sua escalada.
Enquanto isso, peguei uma carona com 2 escaladores de São Carlos pela Normal do Baú, para que pudesse fazer algumas fotos dos dois na Ensaio. Feito isso, nosso dia mais curto acabou com um excelente churrasco em Campos do Jordão.
Quarto e último dia de escalada. Enquanto o Waldemar levava sua namorada Silvia para sua primeira escalada na Normal, eu e o Eike aproveitamos para aquecer na última enfiada da via Dança da Chuva (6º), na parede norte do Bauzinho.
Em seguida, e já na minha cabeça desde o primeiro dia, resolvi tirar a limpo o assunto Corneto. A via Corneto(5º), um dos clássicos do Bauzinho, teve parte da primeira enfiada descaracterizada após um desmoronamento de um grande bloco no meio do ano passado. Para todo mundo que eu perguntava, como estava a Corneto, sempre obtive a mesma resposta: Acho que não dá pra passar.
Pois então resolvi ir até lá e tirar a dúvida. Iniciada a escalada e logo após passar o primeiro bloco na saída da via, onde encontramos uma chapeleta branca batida no “chão”, já foi possível ver a enorme mancha abaixo do teto, de onde se soltou parte da rocha. Para passar debaixo do grande teto que dá acesso à fenda da segunda enfiada, subia-se num bloco, que justamente este se foi, não deixando margem alguma para que o lance possa ser feito novamente.
Um antigo piton continua lá, porém não há mais possibilidade de se escalar por baixo deste teto. Algum material ainda está por cair, e o que sobrou desta passada está extremamente sujo e liso. Parte da rocha inclusive saiu em minhas mãos. Desta forma após proteger com um micro cam consegui dar a volta bem por baixo do bloco, chegando a uma fenda bonita a qual ficou muito bem protegida com um CAMALOT 4, e de onde se tem acesso à parada.
Pequena mudança – Resumindo, a via permanece perfeitamente escalável, com uma pequena variação de sua linha ao se contornar por baixo do grande bloco. Apesar de um lance bem exposto, este fica bem protegido e o grau permanece o mesmo.
Passada a adrenalina desta re-conquista, resolvi terminar o dia numa via antiga porém muito pouco escalada na face sul do Bauzinho, a Easy Lover (7a). Rapidamente separamos os materiais e pela trilha chegamos à base. Como esta face é uma das menos escaladas, no início foi um pouco difícil achar a entrada certa para a parede, mas uma grande laca de pedra encostada, me serviu de referência.
Comecei a escalada e junto meus problemas A parede extremamente suja e escorregadia foi mais difícil de transpôr do que o previsto, muuuuuuita adrena, em lances extremamente expostos, com possibilidade real de chão, apimentaram minha guiada. Uma enorme diagonal toda protegida em móveis mal colocados não me inspiravam muita confiança, mas por fim e quase 40 metros depois, finalmente cheguei a uma chapeleta que instantaneamente se tornou minha melhor amiga
Sem dúvida foi uma escalada de grande comprometimento e concentração como há muito tempo eu não fazia. Mas como sempre no montanhismo, quanto mais difícil o caminho, maior a conquista, e minha sensação de dever cumprido era enorme! Mais tarde em casa, e com o guia do Baú nas mãos, descobri que havia entrado na via errada e na verdade acabei escalando a temida Mixto Quente. Enfim, são situações como esta e tantas outras vividas no montanhismo, que fazem deste esporte único, ser apaixonante, memorável e indescritível
Este texto foi escrito por: Alê Silva, especial para o Webventure