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Especial 10 anos: A 1ª década do esporte e o futuro da corrida de aventura

Redação Webventure/ Corrida de aventura

Alexandre sente falta de orientação nas provas (foto: Lilian El Maerrawi/ www.webventure.com.br)
Alexandre sente falta de orientação nas provas (foto: Lilian El Maerrawi/ www.webventure.com.br)

Bem de perto e desde o começo. É assim que Clemar Corrêa, o neurocirurgião do Hospital das Clínicas e que é mais do que presença certa nas corridas de aventura, acompanha o esporte.

Sempre chefiando a equipe médica, ele completou sua 75ª corrida de aventura na última etapa do Adventure Camp, em Ilhabela (SP), no início de agosto de 2008. E até já tem apelido no meio: “Doutor Aventura”.

O começo no esporte foi anos antes da Expedição Mata Atlântica (EMA), em 1998. Clemar já tinha uma equipe de médicos responsável pelos atendimentos no Rally dos Sertões – trabalho que ele mantém até os dias atuais -, quando se interessou pela prova de Alexandre Freitas após ver um cartaz anunciando o desafio em uma loja de esportes.

“Eu me interessei pela prova e, alguns dias depois, a então esposa do Alexandre, Elza, me procurou e eu e minha equipe assumimos os atendimentos”, relembra.

Acostumado com todos os tipos de acidentes e incidentes nesses 10 anos de corrida de aventura, o médico não vê mudanças nos tipos de atendimento, mas sim, nas precauções tomadas pelos atletas antes de iniciarem uma prova. Clemar confirma que os participantes que correram as primeiras provas eram atletas de outros esportes, como triathlon, corrida e mountain bike, e não estavam preparados para tomar os cuidados necessários que a aventura exige, como os pés, frio e alimentação.

“Eu lembro perfeitamente que a maioria das pessoas passavam muito frio e o que mais me chamava a atenção foram os machucados nos pés. Além disso, não sabiam dosar a quantidade de comida que deveriam levar e passavam muita fome”, relembra Clemar.

As dificuldades – Depois de enfrentar todas as conseqüências da falta de conhecimento geradas pela novidade de ser um esporte recém-chegado ao Brasil, a corrida de aventura ultrapassou barreiras como os próprios médicos não terem conhecimento específico para as complicações geradas por essa prática.

“A corrida de aventura no Brasil teve um “boom”, mas a sensação é que não está crescendo mais no mundo todo. As grandes provas do mundo, como o ELF e o Eco-Challenge não existem mais. E no Brasil é difícil ir para frente porque é um esporte muito caro e judia das pessoas. Não são todos que têm disposição de sofrer no mato, e isso é uma verdade. Só que é um sofrimento que lapida o espírito da pessoa e o físico”, explica Dr. Clemar.

O neurocirurgião atenta para uma reação do organismo causada principalmente nas provas de expedição: a imonossupressão, que é a supressão artificial da resposta imunológica do corpo, e que causa problemas à saúde do atleta. “Na medicina nós dizemos que o esporte competitivo de alto rendimento não é saudável, o que faz bem são os treinamentos. O esporte de alto rendimento faz com que o atleta se lese”, disse.

Sem esconder sua opinião, Clemar afirma que a corrida de aventura é um esporte perigoso, pois deixa os participantes em situações hostis, em locais perigosos, de acesso remoto, com exposição à doenças tropicais, animais selvagens e insetos desconhecidos. Mas, de acordo com ele, todas essas pontuações podem ser contornadas pelo atleta, bastando ele seguir todas as regras e cuidados com muita atenção e sabendo administrar todas as situações durante uma prova.

Sobre os benefícios de todo esse investimento pessoal e financeiro, ele conta que é uma atividade multidisciplinar, já que envolve várias modalidades esportivas, proporciona uma expansão dos limites físicos e psicológico, técnicos e táticos, auto-conhecimento corporal e experiência em administração de conflitos. Outros pontos ressaltados por Clemar Corrêa, é que o esporte tirou muitas pessoas de dentro dos escritórios e os levou para o contato com a natureza, pelo apelo ecológico, diminuindo o sedentarismo, além de proporcionar interação ente pais e filhos numa mesma corrida.

São onze anos de envolvimento com a comunicação dentro dos esportes de aventura, e o Webventure acompanhou de perto o nascimento da corrida de aventura no país, quando ainda somente André Chaco e Renato Cukier, os sócios da empresa, trabalhavam nela.

Atualmente a equipe de reportagem do Webventure possui os equipamentos e a tecnologia necessária para fazer uma cobertura completa e multimídia de diversos locais do país, conseguindo inclusive fazer a transmissão de dados de lugares remotos do Brasil, mas há dez anos não existia a tecnologia que há hoje.

As redes sem fio de internet, wireless e wi-fi, são serviços comuns nos grandes centros, e onde não há o serviço, as operadoras de celular resolvem o problema com suas placas de conexão 3G.

Os notebooks e computadores, bem como os celulares, abusam de uma tecnologia impensada há anos atrás. Fazemos uso de comunicadores instantâneos que proporcionam a transmissão de informações rápidas, e-mail, mensagens de texto pelo celular, sistema de arquivamento de fotos em alta resolução em sites protegidos por senha de acesso que facilita a transmissão de imagens pesadas, enfim, ferramentas e serviços que a comunicação não vive mais sem, mas já imaginou como era quando um celular era um objeto grande e pesado e as conexões de internet, discadas por linha telefônica?

O Esforço da Realização – “Cobrimos o EMA em Paraibana e Ilhabela (SP), em 1998, e eu fui sozinho e ia passando as informações para o Renato por telefone celular. Não somos jornalistas, então não pudemos fazer muitas notas”, contou André Chaco, que relembrou que o ranking da prova era atualizado por ele mesmo por conexão via telefone.

Além da dificuldade de encontrar uma pousada em Ilhabela para fornecer conexão à internet, Chaco afirma que se deparava com outro empecilho. “Os modens dos computadores eram para linhas digitais, porque todos eram importados na época, e então para conectar com a nossa linha era horrível. Até que desenvolvemos um sistema com um telefone móvel para conectar. Eu discava no telefone e quando dava a linha, passava a conexão para o modem”, explicou André famoso por suas “engenhocas” para criar melhores meios de trabalho no Webventure, como a bomba fotográfica que desenvolveu para a cobertura do Rally dos Sertões 2008.

Para o EMA 99, o Webventure já contava com uma câmera digital e a cobertura contou com as fotos e também com os vídeos, além dos textos. Já em 2000, as entrevistas em áudio entraram para o hall de cobertura do portal, assim como um jornalista enviado para o local.

“Já estávamos na era digital naqueles anos. De lá para cá não tivemos nenhuma grande novidade, apenas uma evolução das mídias digitais e dos recursos. Temos não só uma evolução da tecnologia, mas da organização das provas, dos atletas, que como pudemos ver diminuíram imensamente seus tempos nas corridas, evolução também dos equipamentos”, ponderou André Chaco.

O Brasil recebe em 2008 o Mundial de Corrida de Aventura, que será realizado na prova do Ecomotion/ PRO, de 30 de outubro a 9 de novembro, e que passará por Piauí, Maranhão e Ceará, num percurso de 550 quilômetros.

O evento de Said Aiach ganha a oportunidade de ser o mundial deste ano. O organizador, envolvido com o esporte desde os primórdios, sempre lutou para ter sua prova associada à AR World Series, atraindo equipes estrangeiras para as suas disputas.

“Primando pela qualidade técnica da prova, fazendo um evento desafiante e, ao mesmo, tempo dando todo suporte aos atletas e à mídia, e além disso, realizando as provas em lugares sempre muito bonitos, estabelecemos a nossa marca entre as equipes estrangeiras e vi a oportunidade de organizar o mundial”, disse Said.

Para isso, Geoff Hunt acompanhou a prova de 2006, no Rio de Janeiro, e analisou os detalhes da organização, confirmando o mundial no Brasil para 2008. “Para este ano buscamos uma prova com um DNA tipicamente brasileiro, para o atleta estrangeiro sentir o clima no país e acreditamos que o nordeste tem essas características, por isso vamos passar nos Lençóis Maranhenses, Delta do Parnaíba e Jericoacoara, no Ceará”, contou.

Para Said Aiach, o Ecomotion/ Pro será o Mundial deste ano graças a um trabalho intenso ao longo de todos esses anos, e também graças ao cenário da aventura que se formou no país durante esta primeira década de vida.

“Não quero jogar confete no meu trabalho, mas sempre tivemos foco em questões estratégicas para que o evento se solidificasse. Sempre tivemos patrocínio, porque estamos totalmente comprometidos com o resultado para quem acredita no nosso trabalho. Trabalhamos em cima de um tripé: realizar uma prova desafiante para o atleta, um evento que garanta retorno para os patrocinadores e que gere lucratividade para a organização se manter de pé”, explicou Aiach.

Outro ponto levantado por Said para que o evento seja realizado com total comprometimento dos envolvidos é não ter voluntários. Para ele, o voluntariado não permite que a pessoa se comprometa 100% na execução de suas tarefas, e por isso, em suas provas todos são remunerados por suas atividades.

“Este é um momento muito importante do esporte. No Mundial teremos a equipe da Nike, considerada a melhor do mundo e que pela primeira vez fará uma prova no Brasil. É um momento de intercâmbio entre as nações”, afirmou.

As flâmulas da liderança – Sobre a inovação feita por Enio Paulo, organizador da Corrida de Aventura Carrasco, com as flâmulas da liderança, Said confirma o interesse em implementar a ação no Ecomotion/ Pro.

“Vamos fazer isso sim. As idéias boas têm que ser copiadas e usadas de maneira inteligente. Quando aparecem pessoas inteligentes com novos formatos, aproveitaremos isso, como já fizemos com os outros, quando copiaram idéias nossas e estamos totalmente aberto a essa troca”, contou ele que completa dizendo que o esporte alcançou sua maturidade.

“Agora não cresce nem diminui. Depende de patrocínio a sobrevivência do esporte. Por mais que haja provas crescendo em outros Estados, elas não estão rendendo lucros. É um envolvimento romântico desses organizadores, que fazem por amor ao esporte e por prazer, mas no quesito sustentabilidade, eu não acredito que assim esses circuitos vão para frente”, avaliou.

O futuro da corrida de aventura não se pode prever. Há anos atrás talvez as pessoas não imaginassem que em 2008 o esporte alcançaria o estágio que está hoje, com circuitos espalhados pelo país, passando por Estados do sul, centro oeste, nordeste, com opções para os atletas correrem provas longas, curtas, médias, enfim, um leque de variedades da modalidade que há uma década atrás era apenas uma grande novidade.

Alguns apostam num futuro de crescimento baseado em provas multisport. Outros ainda enxergam o mercado em desenvolvimento, caminhando para a maturidade, porém algumas coisas são certas em se afirmar, como a necessidade de maior espaço na mídia que atinge a grande massa para que os patrocinadores se sintam estimulados em injetar verba no esporte.

Atualmente, as provas exigem das melhores equipes um grande rendimento, alta performance, e depois de todos esses anos enraizado nas corridas de aventura, quem pensa em deixar de lado essa cobrança por bons resultados é Rafael Campos.

Capitão da Quasar Lontra, ele se diz cansado de correr de forma profissional. “Gasta-se muito tempo, energia e dinheiro. Isso cansa. Há poucos remanescentes de 98 correndo hoje”, falou o atleta sobre os colegas de esporte, como Sílvia Guimarães, a Shubi, que compactua das mesmas expectativas que Rafael.

“Como performance, o Mundial é realmente a minha última prova. Estou focada, quero chegar lá como nunca cheguei na minha vida, mas depois vou continuar correndo mas sem comprometimento com o resultado, só por curtição, para me divertir, com equipe formada por amigos e sem cobrança de vitória”, explicou Shubi.

A atleta comanda o Núcleo Aventura, escola de aventura voltada para crianças com prática de esportes outdoor, e uniu sua paixão pelo esporte e práticas ao ar livre, à profissão, a pedagogia. E assim como Rafael Campos, que faz hoje do esporte seu trabalho, já que ele tem uma Consultoria de Treinamento Motivacional voltada para prática esportiva, usou sua base na corrida de aventura seu modo de viver fora das competições.

“Mas os anos vão passando e as prioridades mudando. Eu pretendo desacelerar mesmo no esporte e ter meu filho daqui um tempo, que, aliás, já vai estar na escolinha de aventura antes mesmo de nascer”, brincou Shubi.

Grandes Momentos – Rafael Campos tornou-se uma das maiores referências no esporte após dez anos de vitórias e conquistas, e ele rende-se a três melhores momentos elencados por ele, em ordem de importância.

O primeiro foi a 12ª posição de sua equipe no Eco-Challenfge das Ilhas Fiji, em 2002. “Até então o melhor resultado brasileiro havia sido um 26º lugar. É uma prova muito difícil e muito cara”, explicou Campos.

O segundo momento mais marcante foi a vitória no Ecomotion/ Pro de 2004, na Costa do Dendê, na Bahia. “Estávamos numa sinergia e preparação perfeitas. E sempre os estrangeiros que venciam”, relembrou.

E o terceiro e não menos importante momento de sua carreira como atleta foi a vitória no “Between Two Continents, Between Two Oceans”, maior corrida de aventura solo realizada na Costa Rica, em 2006. “Nunca tinha corrido sozinho, não esperava chegar em primeiro”, disse.

E com esses grandes momentos e outros vividos dentro do esporte, Rafael pensa mesmo em “pendurar as sapatilhas e o remo” muito em breve. “Mas não quero organizar provas, não. Posso até vir a fazer, mas não é meu objetivo”, alerta.

Tateando ainda um futuro incerto, a corrida de aventura trilha caminhos que deixaram de ser de vanguarda e se estabelece como uma das melhores opções para aliar prática esportiva, treinamento multidisciplinar, aventura, ecoturismo e possibilidade de trabalho em equipe.

As lojas esportivas já dividem seus espaços onde antes eram reinados absolutos de materiais esportivos de futebol, vôlei, tênis, basquete e outras modalidades mais populares, com “headlamps”, bússolas e mochilas de hidratação.

Porém, atletas já experientes, organizadores e outros envolvidos no esporte já começam a dar seus pitacos com relação ao futuro do esporte, principalmente após o Mundial, em outubro deste ano.

Julio Pieroni, organizador do Brasil Wild, prevê um futuro diferente do que foi o passado do esporte. Para ele, ações correlatas às corridas é que darão o tom das próximas décadas do esporte, como empresas que fazem treinamentos corporativos com base nas modalidades e técnicas da corrida de aventura.

Para ele, ações como a da Selva Aventura, que faz assessoria especializada em treinamento no esporte, são atividades que manterão a corrida de aventura em renovação. “Eles estão fazendo um trabalho muito bom, pesquisam e estudam sobre o esporte e competem”, avaliou o organizador.

Sobre as possíveis aposentadorias dos grandes atletas da atualidade, Julio não enxerga no mercado atual outros nomes fortes que possas substituí-los. “Não sei se terão grandes nomes mais para frente, mas agora não tem”, opina.

Novos Formatos – Há sete anos envolvido no cenário da aventura, o publicitário Hadi Akkouh corre pela equipe Selva e acredita que o crescimento da corrida de aventura pode estar em pontos ainda não explorados da corrida, como o desenvolvimento do esporte com o mercado universitário.

“Para o esporte se desenvolver mais acredito, na necessidade da Federação Paulista de Corridas de Aventura (FPCA), e em outros estados. Acredito também que seja necessária a criação outros formatos de circuito, como por exemplo um circuito universitário. A FAAP é um exemplo de que o esporte se alia perfeitamente ao meio acadêmico”, disse o atleta campeão da última etapa do Adventure Camp, em Ilhabela (SP), que aconteceu no dia 3 de agosto.

Hadi ressalta que não há um formato ideal de prova, porém a variação entre provas curtas, como a 3ª etapa do Camp, em que a Selva completou o circuito em menos de 3 horas, e as disputas de expedição, com mais de 400 quilômetros contemplem bem o cenário do futuro.

“Acredito que esses dois formatos sejam os que mais dão retorno, não só para o organizador mais para as marcas e mídias. As provas curtas e com percurso no estilo “vai e volta” são excelentes para o público que corre, que consegue vivenciar uma prova de aventura como espectador, é bom para os fotógrafos que conseguem captar mais equipes, para empresas parceiras, enfim, é uma excelente opção. Já as provas de expedição são ideais para veicular na TV como um programa em capítulos, como Mark Burnett fez”, ponderou.

Acompanhando cada passo do esporte de perto, Alexandre Freitas prevê um modelo ideal para o futuro da corrida de aventura. Comparando o passado e o presente, ele afirma que atualmente as provas deixaram de ter orientação e que isso faz muita falta nas disputas. “Hoje os atletas estão mais rápidos e as provas têm menos tempo, mas falta orientação, navegação. E isso tem que ter”, disse Freitas, completando que para ele, não deve haver formatação de modalidades e defende a variação, por exemplo, de canoagem em ducks e barcos de outros tipos. “Cada corrida é uma coisa, mas a orientação sempre tem que ter”.

Outro pilar de sustentação do esporte, para Alexandre Freitas, é a presença feminina. “A mulher é mais forte em prova longa e muito mais rápida também. Além de serem mais inteligentes para a navegação. Mulher é muito importante”, contou o ex-atleta que correu o Raid Gauloise com a Atenah.

E para fechar todo o ciclo desses dez anos da corrida de aventura no Brasil, após relembrar o passado, comentar sobre o presente e desenhar um futuro, o último recado do “pai” para seus “filhos e seguidores” que praticam o esporte e pretendem ver a modalidade em ação no cenário nacional nos próximos anos é “preserve. Use, mas não estrague a natureza. Não é sua, é nossa”.

Este texto foi escrito por: Lilian El Maerrawi

Last modified: agosto 29, 2008

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Redação Webventure
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