Pouca luz, formas surpreendentes, beleza. Esses locais cheios de magia atraem pesquisadores, turistas, pessoas em busca de mistérios muito antigos do nosso planeta. Um mundo de silêncio, onde a noção da passagem do tempo praticamente desaparece e as surpresas se sucedem.
As cavernas, que povoam a nossa imaginação desde os tempos de infância, guardam segredos e verdadeiros tesouros sobre a história e os processos de transformação da Terra. Para que possamos ter acesso e esses tesouros, são desafiadas por pessoas que decidiram se dedicar ao trabalho de explorar, observar, e trazer para o mundo externo imagens, relatos e mapas, nos dando a oportunidade de viajar um pouco com elas.
Agora, os espeleólogos (estudiosos desse mundo das cavernas) brasileiros lutam para que seja criada uma lei específica para a proteção das cavernas no país. Milhões de anos de história podem ser perdidas apenas com um passo de um turista desavisado. Formas que levaram séculos para serem moldadas podem desaparecer se não existir o devido cuidado.
É necessário conhecer para preservar, admirar para entender que é fundamental respeitar esses caminhos criados pela natureza.
Você se sente em um outro mundo, outra dimensão e acaba enxergando tudo com outros olhos. O tempo parece correr em outro ritmo, você simplesmente não consegue vê-lo passar. Tudo acaba tendo uma complexidade muito diferente da que estamos acostumados”, conta Edvard Dias Magalhães, presidente da SBE (Sociedade Brasileira de espeleologia).
Trabalhando na pesquisa de cavernas há mais de 15 anos, Edvard se diz um apaixonado. “É uma sensação muito intensa, e muito boa também. Às vezes, você está estudando uma caverna a quinze horas, mas tem a sensação de estar lá dentro apenas a quatro”.
O medo, a fobia, a incerteza em relação ao que se pode encontrar também estão presentes na vida das pessoas que convivem com as cavernas. Além do prazer, o desafio do contato com o novo e uma certa ansiedade também inundam os sentidos de quem pisa em lugares muito pouco ou nunca explorados.
“Sei que somos privilegiados, mas temos que estudar e nos preparar muito para isso. A prática da espeleologia traz consigo uma série de riscos”, explica Edvard. A adrenalina é uma constante. A beleza, também.
Perigo – É essa sensação que vem atraindo um número cada vez maior de turistas e curiosos para dentro das cavernas. Na maioria das vezes sem o conhecimento e/ou os equipamentos necessários, essas pessoas partem para um desafio que pode ter fins desastrosos, tanto pelos impactos ambientais causados quanto pelos possíveis acidentes.
“A sensação de estar em uma caverna é algo único. Mas é necessário muito preparo físico e psicológico, conhecimento das técnicas espeleológicas, saber o usar os equipamentos corretos e, principalmente, conhecer os próprios limites. Entrar em uma caverna sem estar acompanhado por alguém especializado é um risco desnecessário que não deve ser corrido”, explica Edvard.
Hoje, o Brasil conta com aproximadamente 3 mil cavernas cadastradas na SBE (Sociedade Brasileira de Espeleologia), entidade congregadora das atividades de espeleologia realizadas no país. Ainda segundo estimativas da SBE, este número representa apenas 5% do total de cavernas existentes no país.
Há muito para ser explorado e devidamente mapeado, mas já é possível perceber o nosso potencial e a possibilidade de importantes descobertas culturais e científicas. A décima quinta maior caverna conhecida do mundo , e a maior da América Latina, fica no Brasil: é a Toca da Boa Vista, na Bahia, com 90 km topografados.
Na região da Amazônia, estima-se que exista uma grande quantidade de cavernas que nunca foram estudadas pelo homem. Esses locais, se devidamente explorados, podem ajudar cientistas e pesquisadores a entender muito da história e ocupação do local.
A maioria das cavernas cadastradas na SBE estão nos estados do São Paulo e Minas Gerais e região de Brasília (DF). Isso acontece, porém, pelo fato de a grande parte dos espeleólogos brasileiros estarem concentrados nestes estados. Hoje, não é possível afirmar, com total certeza, que essas são as áreas com o maior número de cavernas, pois ainda existem muitos locais inexplorados.
Destaques
No município de Mariana, a 120 km de Belo Horizonte, novas explorações na Gruta do Centenário, conhecida desde o início do século, fizeram desta a mais profunda caverna do Brasil, com 400 metros de desnível e também a mais profunda do mundo na formação quartzítica. Mas é no noroeste de Minas, à margem esquerda do Rio São Francisco, no cânion rasgado pelo rio Peruaçu, que se encontra o mais fantástico conjunto de cavernas e sítios arqueológicos do Brasil.
É uma sucessão de arcos, torres, pontes naturais, paredões e centenas de cavernas que têm na Gruta do Janelão (MG-199) o seu ponto máximo: seus descomunais espaços vazios, impressionantes dolinas que a tornam iluminada naturalmente por alguns quilômetros. Outra surpresa: a maior estalactite do mundo, com 28 metros.
Imaginando as cavernas brasileiras, seus mistérios e marcas de outros tempos, fica difícil não sentir uma pontinha de inveja dos privilegiados que podem estar nesses lugares de fato, não apenas em imaginação.
Ao contrário do que se pode pensar, nem todos ali são esportistas de natureza. O currículo dos componentes de uma expedição costuma ser o mais variado, tendo de estudantes universitários a médicos, engenheiros, advogados.
“São pessoas que têm outra atividade profissional porque a espeleologia ainda é feita de maneira amadora. Com isso, quero dizer que todos fazem este trabalho por gostar e não para receber um salário”, explica Edvard.
Porém, há fatores que fazem com que esse grupo seja restrito. É preciso ter dinheiro para comprar todo o material, muitas vezes importando. Além disso, preparação física e condicionamento adequados são fundamentais e exigem treinamento.
A mágica do tempo
Outra questão que acaba por afastar muitas pessoas desta atividade é a disponibilidade de tempo exigida. Para mapear e documentar corretamente 500 metros de uma caverna gasta-se, às vezes, mais de quinze horas. Vão-se fins de semana inteiros nesta tarefa. Para os que gostam da escuridão, dos estranhos seres sem pigmento, das formas, salões, estalactites e estalagmites, nada melhor e mais divertido.
Preservar é a palavra de ordem em 2001 para as cavernas brasileiras. A luta é, em princípio, para que seja criada uma lei específica para a proteção dessas áreas, com punições severas para aqueles que, sem critério, destruírem ou se utilizarem delas causando qualquer tipo de impacto ambiental. Há aproximadamente 12 anos está no congresso a proposta da lei e espera-se que em 2001, enfim, ela seja aprovada.
O otimismo em relação a essa aprovação existe, mas ela seria apenas o primeiro passo em um processo que envolve muitos outros fatores. Preservar as cavernas brasileiras requer a junção de educação ambiental correta, ocupação planejada e turismo responsável.
Com o crescimento das áreas urbanas, por exemplo, muitas cavernas ficam expostas ao perigo de ações predatórias. Uma vez que mais pessoas vivem ao redor delas, sem receber as informações adequadas, maior é o risco de visitas que causem impacto e destruam o patrimônio cultural e natural nelas contido.
Além disso, com o turismo de aventura e ecologia crescendo, um número grande de empresas passa a explorar as cavernas comercialmente, gerando verdadeiros desastres ecológicos.
A maneira de evitar que esses danos sejam causados passa diretamente pela informação das populações que vivem ao redor de áreas com cavernas e planejamento adequado do turismo nessas regiões.
Existem cavernas que devem ser visitadas, até para que se crie uma consciência ambiental e de preservação mais sólida. Porém, devem ser determinados pontos específicos para isso, preparados para a visitação e com estrutura correta para receber turistas.
Tesouro inundado
Um exemplo do descaso atual com o material contido nas cavernas brasileiras pôde ser observado na região da Usina hidrelétrica da Serra da Mesa, em Goiás, a Segunda maior do país.
Foram descobertas na região, em 1996, 156 cavernas , todas com importantes materiais para estudo. Parte deste material foi retirado e recuperado pelos espeleólogos e paleontólogos que fizeram o mapeamento, mas 80 cavernas acabaram ficando submersas pela água.
Para refletir sobre essas questões e procurar soluções práticas,será realizado em julho deste ano, em Brasília o Espeleo Brazil 2001, evento de espeleologia promovido pela União Internacional de espeleologia e realizado pela Sociedade Brasileira de espeleologia. Os interessados em participar do congresso, podem se inscrever e ter informações detalhadas no site www.speleobrazil2001.org.br
Mesmo sem participar de encontros, desbravar essas galerias e abismos, mesmo sem enfrentar o escuro, o pouco espaço, a baixa temperatura das águas, procure você também refletir e discutir a situação das nossas cavernas. Dê você também este passo!
Last modified: julho 12, 2018