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Espeleologia em abismos da Iugoslávia (parte 1)


Eu e meus colegas de estágio em Belgrado (foto: Arquivo pessoal)

A espeleóloga Cristina conta ao Webventure, em duas partes, suas aventuras na distante Sérvia, com direito a abismos, sufocos e viagem num carro de plástico.

No fim de junho de 2000, viajei para Belgrado, capital da Sérvia, na Iugoslávia, para realizar, durante os próximos dois meses, um estágio de engenharia em uma construtora de lá. Por ser espeleóloga no Brasil e fissurada por cavernas, logo nos meus primeiros dias eu procurei por um grupo de espeleologia.

A espeleologia em Belgrado

Logo na minha primeira semana no país, participei da reunião semanal do SOB (Speleoloski Odsek Beograda – www.sob.org.yu), o grupo de espeleologia mais antigo da cidade, com 40 anos de existência.

Não demorou para surgir o convite para participar de sua expedição anual de verão, em Komeno More (Mar de Pedra), no estado Iugoslavo de Montenegro. Tratava-se de uma ação para explorar os abismos da região. Eles vêm realizando este trabalho em Komeno More há dez anos e já catalogaram mais de 200 abismos. O mais profundo, já mapeado, possui 900 metros de profundidade.

Antes de aceitar, pensei bem, pois tinha prometido para minha família e amigos do Brasil que não iria procurar cavernas na Iugoslávia. Na dúvida, pedi um tempo para pensar sobre o assunto, estava muito longe de casa e não se tratava só de cavernas, mas sim de abismos…

Enfim, acabei decidindo ir. Nos três fins de semana seguintes ocorreram, em uma das pontes bombardeadas, os treinamentos para o aprimoramento técnico e físico da equipe.

A viagem rumo a Montenegro

Com tudo pronto para a viagem, realizadas as reuniões e treinamentos necessários, finalmente partimos. A equipe foi dividida para a viagem de ida. Fui escalada para ir com os espeleólogos Mosketar e Uros, que era o dono do carro “de plástico” em que íamos viajar (o Trabant, da foto). Talvez a maior aventura de toda expedição tenha sido viajar 17 horas naquele carro, cruzando o território sérvio.

Com o objetivo de conseguir um atalho para o nosso destino, meus colegas decidiram passar pela Bósnia. Me aconselharam a ficar bem quietinha lá onde estava (no meio da bagagem, no banco traseiro), para que os soldados da fronteira não pedissem a minha documentação… Mas o plano falhou! Na fronteira, o guardinha pediu logo o meu passaporte e viu que não possuía visto para entrar na Bósnia (um país independente da Iugoslávia hoje em dia). Tivemos de dar meia volta e retomar o caminho mais longo pela Sérvia.

O acampamento “de guerra”

Ao chegarmos, o local do acampamento era próximo ao litoral (são apenas 12 km até a costa), em um antigo campo de guerra, cheio de ruínas de casas, fortes (no topo das montanhas mais altas), reservatórios de água (que foram usados por nós em nosso acampamento) e antigas estradas, tudo construído pelos soldados austro-húngaros, durante a Primeira Guerra Mundial. O carste lá é composto por montanhas altíssimas de calcário e quase não existem cavernas horizontais, mas é repleto de abismos.

Finalmente, os abismos!

No primeiro dia de exploração, a turma foi dividida em equipes. Eu e Mosketar fomos para o abismo “Potocara hjama”, que possui 110 metros de profundidade. No início havia um lance de 20m, tranqüilo, depois uma curta parte horizontal e, em seguida, outra descida, com uma certa inclinação positiva e 15m de extensão.

Em seguida encontramos um outro lance vertical, este grande e bonito, com 45m. O frio era mais uma dificuldade que tínhamos de enfrentar. A uma temperatura (invariável durante o ano) era de 5ºC. Por causa dos os longos minutos em que ficaríamos sem nos movimentar (durante a equipagem dos abismos), era necessária uma roupa bem quente para a descida.

Em cavernas verticais como aquela, é preciso ter cuidado e atenção redobrados. Independência técnica, preparo físico e psicológico também são fundamentais. Apesar de estar bem preparada técnica e fisicamente, senti falta mesmo foi de preparo emocional, já que sou pouco experiente em cavernas verticais.

Apuro

No momento em que estava no fim do lance inclinado havia um fracionamento na parede (a mesma corda é ancorada em outro lugar), que eu deveria transpor para continuar a descida, mas tive alguns sérios problemas… Devido à inclinação do lance anterior, onde a corda fez uma “barriga”, eu fiquei em uma posição que me deixou longe da alça do nó, no fracionamento. Eu deveria içar o meu corpo para conseguir alcançar o tal nó e me prender com o mosquetão da parte curta do “Longe” (equipamento usando em espeleologia vertical, que é composto por uma corda amarrada de modo que possua uma parte longa e outra curta, com mosquetões na ponta).

Por mais que tentasse puxar o meu corpo para cima, ainda ficava muito longe do nó… Eu não tinha forças para subir o meu corpo. Misturou-se a isso uma grande sensação de medo e insegurança, que foram, na verdade, os maiores complicadores da situação. A luva que usava era muito grossa e prendia os meus movimentos ao manusear os equipamentos. Tudo isso me deixava cada vez mais nervosa.

O pior era estar sozinha, pois o Mosketar já havia descido e estava me esperando no patamar 50m abaixo de onde eu estava. Naqueles momentos eu pensei bem no que tinha feito e onde eu fui me meter: “Até quando vou ficar pendurada nesse buraco?”.

Impaciente, pensei que seria muito mais fácil se tentasse prender o cabo de Longe pela sua parte mais longa, que é usada para segurar o Ascender. Então soltei o Ascender, consegui me prender para trocar o equipamento de corda com segurança e, finalmente, desci. No meio da confusão acabei deixando o Ascender lá em cima, pregado na corda. Terminada a descida, em terra firme, me recuperei do medo, mas tive que respirar fundo algumas vezes.

Nada de grave aconteceu, só que havia deixado o Ascender para trás e precisava dele para subir. Mas Mosketar tinha dois. A saída foi mais tranqüila. Dei graças a Deus ao deixar aquele buraco e jurei que nunca mais entraria numa dessa: “Eu odeio espeleologia!!”.

Cristina Caetano Bicalho tem 24 anos, é engenheira civil formada pela UFG e pratica espeleologia há quatro anos.

Este texto foi escrito por: Cristina Bicalho