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Espeleologia em abismos da Iugoslávia (parte 2)


Cristina descendo a gruta PT-02 (foto: Arquivo pessoal)

Confira a segunda parte da aventura da espeleóloga Cristina pelas grutas de Montenegro, na Iugoslávia.

Segundo dia: PT3 e Abismo do Lixo

Em meu segundo dia explorando as grutas em Montenegro, depois do sufoco na primeira experiência, já estava de bem com a espeleologia de novo. “Dobro jutro! (“Bom dia!”, em sérvio), vamos para os abismos!”, eu disse.

Nos separamos novamente em equipes. Eu, Mosketar e Marjia partimos para o “Djubretara hjama” (Caverna do Lixo), que é um abismo mais fácil, não tão profundo (80m) e sujo… Encontra-se lá embaixo até uma máquina de lavar roupa, entre outros lixos.

Após subirmos, voltamos para o acampamento para um rápido café e pegamos a trilha pelas montanhas. Foram duas horas de caminhada até a próxima caverna, “PT-3”, onde encontramos Rale, Nevena e Milica, que aguardavam a nossa chegada. Este abismo possui em torno de 100m de profundidade e, no fundo, existe uma parte horizontal e meândrica.

Em comparação ao primeiro dia de terror, em Potocara, todas as outras descidas foram tranqüilas, principalmente porque estava mais auto-confiante.

Descanso merecido no mar Adriático

O terceiro dia foi de descanso no litoral. Afinal, estávamos muito perto do mar Adriático. Depois de passarmos o dia na praia, fomos para Kotor, uma cidade medieval toda cercada por muralhas, cheia de ruelas labirínticas, com prédios e igrejas quase em ruínas. Hoje é repleto de restaurantes e cafés.

Este foi o primeiro dia em que pude fazer uma refeição de verdade, pois em todos os dias anteriores, nos abismos, comíamos apenas barrinhas energéticas, amendoim, soja e mel. Outra diferença marcante entre a “espeleo-comelança” que costumava fazer no Brasil.

Não deu nem tempo de curar os machucados…

No dia seguinte, que era o meu último dia, planejava descansar mais um pouco antes da viagem, mas não tive escolha… O líder da expedição me convocou para ir com eles ao mais profundo e difícil entre os abismos que eram objeto de exploração daquela expedição, o “PT-4”. Toda a equipe partiu, sendo que nos dividiríamos entre a “PT-3” e a “PT-4”, que se encontram na mesma montanha. Novamente pela trilha de duas horas. Pensava se voltaria a tempo de pegar o ônibus para Belgrado às 18 horas.

No abismo, após descer por dois lances apertados e inclinados, o maior cuidado a ser tomado é o de não derrubar pedras no colega que está abaixo. Caso fosse atingida por qualquer coisa lá de cima, já havia aprendido alguns palavrões em sérvio, que aliás, foi uma das primeiras coisas que me ensinaram.

Em seguida, chegava-se ao maior lance vertical, em um meandro enorme, com aproximadamente 60m de profundidade. Após um pequeno trecho de caminhada existia mais um lance e, em seguida, uma passagem superapertada, onde só atravessei graças aos dias em que passei praticamente em jejum.

O abismo continuava, agora mais apertado e difícil, mas tinha de voltar ou perderia o meu ônibus. Me despedi de Uros e Mosketar, que continuaram a descer e subi sozinha. Todos os outros continuaram na expedição por toda a semana, mas eu não podia ficar mais.

Tudo ocorreu superbem, valeu muito! Além de obter uma ótima experiência em um país que não é tido como tipicamente turístico, fiz grandes amizades. Agora não só conheço as histórias da Iugoslávia como tenho as minhas próprias histórias neste país.

Um pouco sobre a capital da Sérvia

Belgrado é uma cidade impressionante. Com aproximadamente dois milhões de habitantes, é muito antiga, possui 2.400 anos. Já foi destruída 40 vezes durante a sua história, é repleta de prédios e monumentos antigos e atravessada por dois rios, o Sava e o Danúbio.
Possui vários lugares belos e interessantes, mas ainda não conseguiu se recuperar totalmente das marcas do bombardeio da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em 1999, que destruiu inúmeros prédios, pontes e indústrias em toda a Sérvia. São locais que causam uma visão chocante e que mostram toda a violência e tristeza de uma guerra.

Apesar de seus habitantes estarem em uma péssima situação econômica, arrasados devido à guerra dos últimos dez anos, não existe falta de segurança em Belgrado. Com baixíssimo índice de criminalidade, pode-se andar tranqüilo pelas ruas da cidade a qualquer hora do dia ou da noite. Os sérvios, ao contrário do que se ouve por aí, são pessoas ótimas, muito simpáticas, receptivas, bonitas e cultas. É muito interessante, para nós brasileiros, observar o forte sentimento de nação possuído por essa gente. Adoram conversar sobre a sua história, cultura, religião (ortodoxa) e até sobre as guerras. O idioma principal é o sérvio (muito parecido com o russo) e o segundo idioma é o inglês (quase todo mundo fala inglês!).

Percebe-se ainda na Iugoslávia, forte vestígio da vida comunista, pela pouca diferença entre as classes sociais e pela forte participação do governo na atividade econômica do país.

Cristina Caetano Bicalho tem 24 anos, é engenheira civil formada pela UFG e pratica espeleologia há quatro anos.

Este texto foi escrito por: Cristina Bicalho