Direto da Adventure Fair – O homem é o único animal que se arrisca deliberadamente, disse o Dr. Clemar Corrêa, médico neurocirurgião e responsável pelos atendimentos nas principais provas de aventura do país, como o Rally dos Sertões e o Ecomotion/Pro, além de mais de 50 eventos dentro e fora do país.
A declaração veio na última palestra da noite de ontem no Adventure Congress, com alguns dos principais esportistas brasileiros envolvidos em atividades de alto risco. O evento teve a presença de Rodrigo Raineri que voltou em junho do Everest, Juca Bala, bicampeão do Rally dos Sertões e dois surfistas de ondas grandes, Jorge Pacelli e Haroldo Ambrósio, além da mediação do Dr. Clemar Corrêa.
Temas como o medo, limites, religiosidade e família foram tratados e cada palestrante mostrou como encara cada um desses fatores. Uma mistura de individualidades, mas todos com um ideal: ampliar os limites. Clemar enfatizou logo no início do encontro que o tema seria polêmico, e afirmou que os limites não são quebrados, mas expandidos. Veja a seguir um resumo dos principais temas da palestra:
Risco
A primeira pergunta veio do próprio mediador do debate, Clemar Corrêa, sobre o que é o risco e como cada um o encara. Rodrigo Raineri foi o primeiro a responder, e afirmou que o que atrai um esportista como nós não é o risco em si, mas sim fazer coisas cada vez mais difíceis e complicadas. O risco é inerente em alguns casos, faz parte e nós temos que lidar com isso. O importante é não ter medo da morte, afirmou.
O big rider Jorge Pacelli completou dizendo o risco sempre é constante. Acreditamos no nosso treino e na nossa dupla [Pacelli e Ambrósio praticam tow-in, modalidade na qual o surfista é levado até a base da onda por um jet-ski, por serem ondas gigantes, fica impossível remar para pegá-las]. Ao cair de uma onda de 20 metros de altura, não morrer afogado é sorteconcluiu.
Juca Bala disse que, no caso do rali, o importante é confiar nas informações da planilha, já que além de informar o caminho, o mapa dados aos pilotos e navegadores também informa os trechos de risco no percurso. Gosto de dias difíceis, que me deixam sempre concentrado. Relaxar em cima da moto é perigoso, disse.
Limites
Para Rodrigo Raineri, superação de limites é uma rotina tanto para esportistas como para pessoas comuns. Deu o exemplo dos colegas de mesa surfistas em comparação com ele. Hoje ficar de pé em uma prancha, para mim, já é a superação de um limite, depois disso sempre vou querer surfar mais e em locais mais perigosos. Subir o Aconcágua pela face sul foi uma superação, comentou.
O big rider Pacelli falou sobre a importância de conhecer os limites. Já vi aquela luz branca me chamando umas duas vezes, mas continuo quebrando meus limites, para mim e não para os outros, disse. Devemos respeitar os limites da natureza para nos mantermos vivo, completou Haroldo Ambrósio, que também admitiu já ter visto a luzinha branca depois de uma queda feia.
Nunca vi essas luzes, mas já vi várias estrelinhas em volta de mim, brincou Juca Bala. Já passei dos limites várias vezes, no Dakar eu bati em uma vaca a 140 quilômetros por hora, sai rolando por metros e ainda caí em um barranco. Depois que parei, mexi os pés e as mãos para ver se estava inteiro e fiquei aliviado, mas foi um susto muito grande, contou.
Amuletos
Religiosidade e fé foi outro tema da palestra, também com diversas opiniões diferentes. Eu levo sempre a mesma roupa de baixo para expedições e uma foto do meu filho sempre está comigo, disse Raineri. Além disso eu sempre rezo e peço permissão para entrar na montanha. São coisas importantes para a nossa tranqüilidade emocional, completou.
Não sei ainda qual é a minha religião. Eu acredito em uma força e rezo para ela, contou Pacelli. Seu parceiro de tow-in tem uma força materializada para rezar. Minha mãe é meu amuleto, rezo sempre para ela, disse Ambrósio. Já Juca Bala afirmou ser católico, e que leva sempre consigo um escapulário. Antes pedia a Deus para vencer, agora eu peço para voltar, disse o piloto.
Até o Dr. Clemar Corrêa admitiu levar um amuleto consigo. É difícil um médico ter essas coisas, mas uma vez no Rally dos Sertões estava me deslocando de moto e dormi. Acordei na contra-mão, com um caminhão muito próximo. Me joguei no acostamento e parei. Tínhamos acabado de entrar no Ceará e vi uma estátua do Padre Cícero bem ao meu lado. Desde então, levo sempre uma imagem dele comigo, contou.
Os esportistas de alto risco convivem muito próximos com a morte, mas como cada um a encara mostrou-se bem diferente na palestra de sábado. Penso sempre no pior, temos que ter isso conosco, mas tento afastar ao máximo a idéia da morte. Nunca estamos preparados para isso, afirmou.
Sempre procuro pensar no melhor. Só peru morre na véspera, não acredito que irá acontecer antes do tempo, disse Juca Bala. O pior e o melhor caminham lado a lado, segundo Haroldo Ambrósio. Acredito sempre na minha intuição na hora de fazer as coisas.
Nos preparamos melhor, até psicologicamente, para as situações piores. Não podemos ter medo de morrer. O medo em uma situação de risco atrapalha o raciocínio, comentou Rodrigo Raineri. Por isso temos que treinar incessantemente, para quando nos depararmos com uma situação dessa possamos nos livrar o mais rápido possível. O excesso de treino faz a resposta vir automaticamente em caso de perigo.
Família
A família foi outro ponto que reuniu diferentes pontos de vista entre os palestrantes. Jorge Pacelli afirmou que é bom por ser o que motiva para voltar. Rodrigo Raineri afirmou que no passado chegou a deixar de fazer coisas por causa da família, mas que não pôde se anular por causa do sofrimento da família. Hoje o que mais me dá força para continuar é o meu filho, disse.
Desistência
Lidar sempre com o limite é uma exigência dos esportes de alto risco. Em alguns casos, para evitar o exagero, o esportista precisa refugar. Os big-riders Pacelli e Ambrósio afirmam que ainda não desistiram de nenhuma onda, mas afirmaram ter medo de altura. Juca Bala admitiu a mesma fobia. Fui fazer um bungee-jump e fiz o cara me descer assim que chegamos no alto. Não consegui pular, contou.
Para Rodrigo Raineri, existem dias bons e ruins. Já comecei uma escalada e pedi para voltar, porque não estava bem, sabia que se algo acontecesse eu não ia conseguir me virar. No ano passado não cheguei ao cume do Everest por uma distância de uns 30 metros verticais. Tinha para mim que já tinha sentido todas as sensações que precisava naquela expedição, estava realizado. Não precisava subir mais, afimrou. Existem alguns momentos em que temos que admitir um passo para trás, para depois poder dar dois para frente.
Este texto foi escrito por: Daniel Costa