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Everest: O desafio que nos espera


Vitor Negrete (foto: Arquivo pessoal)

O colunista Vitor Negrete faz uma reflexâo sobre o desafio de escalar o Everest sem uso de oxigênio suplementar e fala das variáveis que podem encontrar no caminho. Confira.

Para chegarmos ao cume do Everest precisamos considerar duas variáveis: a aclimatação e a janela de tempo. Uma pessoa colocada no cume do Everest perderia a consciência em minutos e, em algumas horas, provavelmente morreria. Para se chegar ao cume do Everest, com ou sem oxigênio o alpinista precisa passar pela chamada aclimatação.

A aclimatação é o processo pelo qual gradualmente nos adaptamos à falta de oxigênio no ar. No cume do Everest temos praticamente um terço do oxigênio presente no nível do mar. As transformações fisiológicas que ocorrem durante a aclimatação fazem com que as células recebam mais oxigênio e o aproveitem melhor. Com a falta de oxigênio respiramos mais rápido e profundamente, o que causa uma alteração no pH do sangue (alcalose).

Esta alteração no pH dificulta a troca gasosa no pulmão e a incorporação de oxigênio no sangue. À medida que nos aclimatamos ocorre uma compensação gradual dos rins, que excretam bicarbonato para ajustar o pH do sangue para um valor normal, o que permite a incorporação de oxigênio no sangue durante a troca gasosa que ocorre nos pulmões.

Com a aclimatação também ocorre uma multiplicação dos glóbulos vermelhos presentes no sangue para tornar a troca gasosa nos pulmões mais eficiente. Estas transformações representam a luta do nosso corpo para sobreviver em um ambiente no qual existe menos oxigênio no ar.

A aclimatação tem um forte componente genético e cada pessoa se aclimata de uma forma diferente. Alguns se aclimatam rapidamente e outros nunca se aclimatam. A capacidade de se adaptar à falta de O2 independe do condicionamento físico. Triatletas e maratonistas podem ter maior dificuldade de adaptação do que uma pessoa sedentária, mas é claro que, considerando duas pessoas que se aclimatam bem, quanto melhor condicionamento físico, melhor.

Uma forma de estimular e acelerar o processo de aclimatação é o que chamamos de “andar alto e dormir baixo”. Nós saímos do ABC (Advanced Base Camp) a 6.400m, subimos até o colo norte da montanha a 7.100m e no mesmo dia voltamos para o ABC. No dia seguinte descemos para o BC (base camp) a 5.200m e no dia seguinte descemos de carro até a vila de Tingri a 4.300m. Esta subida e descida tem como objetivo estimular e acelerar a aclimatação do nosso corpo.

Para nos adaptarmos à falta de oxigênio precisamos estar bem alimentados, saudáveis e contar com uma quantidade mínima de oxigênio. Na descida é aconselhável permanecer abaixo dos 5.000-5.000m. Se descansarmos acima dos 5.500m, existe uma competição no nosso corpo entre a adaptação e a deterioração devido à falta de oxigênio.

À medida que subimos, a falta de O2 aumenta e com ela a deterioração do organismo. Assim, cada subida deve ser planejada considerando o tempo de permanência e o estado da pessoa para aquela altitude. Acima dos 8 mil metros a deterioração é extrema e é impossível sobreviver.

Esta região é chamada de zona da morte por alguns autores. Na nossa expedição, até agora, fizemos uma subida até 7.100m, no colo norte, e descemos até 4.300m. Pretendemos subir mais uma vez, dormir uma noite a 7.100m e no dia seguinte vamos subir um pouco mais e descer progressivamente até 4.900m repetindo a primeira descida, para descansar em um local com O2 suficiente para as transformações fisiológicas da aclimatação.

Então subimos até o BC para esperar a janela de tempo (clima) e lançamos um ataque rápido ao cume. Precisamos chegar ao cume até as 14 horas. Este esquema de aclimatação é uma opção entre muitos outros. Na escalada invernal do Aconcágua, a Try On Expedition I, tínhamos 7 ou 8 esquemas diferentes e no final decidimos por um esquema de ataque diferente de todas as opções anteriores. Decidimos atacar o cume a partir de Nido de Condores, a 5.400m, aproveitando uma janela de tempo inesperada.

No Himalaia existem duas correntes climáticas que colidem. Uma é a corrente das monções, uma corrente úmida que vem do sul, mais especificamente da Índia. A outra corrente climática vem do norte do continente asiático.

No verão a monção que vem do sul prevalece e no inverno a monção que vem do norte prevalece. Na primavera e no outono estas massas de ar se equilibram na altura do Everest. Quando estas massas de ar se equilibram é o momento no qual os alpinistas correm para tentar atingir o cume da montanha.

Dependendo da temporada, este momento, chamado “janela”, quando as massas de ar se equilibram, pode não ocorrer, pode durar 15 dias, pode durar 7 dias, cessar e se repetir por mais sete dias, etc. Ou seja, não existe uma previsão exata para a janela de tempo.

Nesta expedição pretendemos estar prontos e aclimatados no BC no dia 14 de maio para esperar ansiosos a janela de tempo e, juntamente com mais 23 expedições, atacar o cume. Assim, não sabemos exatamente em que dia atacaremos o cume e a data exata depende do clima na montanha.

Este texto foi escrito por: Vitor Negrete, da Try On Expedition 2 no Everest