Felipe comemora os cumes (foto: Luiz Felipe/ Arquivo Pessoal)
Finalmente estávamos com tudo pronto para a nossa expedição. Foram quase doze meses de preparação, desde o condicionamento físico, a apresentação do nosso projeto para os parceiros potenciais, a logística completa (equipamento, alimentação, roteiro, reservas, etc). Fizemos uma verificação do que iríamos levar, separamos e embalamos tudo.
Saímos do aeroporto de Viracopos em Campinas/SP na noite do sábado (3/7), em um vôo da TAP para Paris com uma conexão em Lisboa (cerca de 12 horas de viagem). Chegamos no domingo à noite em Paris e fomos direto para o Albergue da Juventude. Aproveitamos a segunda-feira para comprar alguns equipamentos de escalada na loja do Vieux Campeur (um paraíso para montanhistas). À noite, pegamos um trem para Chamonix, com conexão em Saint Gervais. Descemos do trem o fomos até o Hotel Le Vert, onde já tínhamos feito reserva pela internet. Durante a semana esse hotel oferece um excelente serviço pelo preço de um albergue. Ficamos em um quarto com uma varanda de frente para o Mont Blanc. A nossa aventura estava começando!
Aproveitamos a terça-feira (6/7) para visitar o centro de Chamonix. Passamos no Office de Haute Montagne para verificar as condições da rota (les trois monts) no Mont Blanc e a previsão meteorológica para os próximos dias. Lá mesmo fizemos um seguro junto a FFME, que cobre acidentes na montanha. Na volta para o hotel, passamos em um supermercado para comprar a comida necessária para os dois dias de escalada. O nosso plano era subir no dia seguinte para o refúgio Cosmiques, no outro dia fazer o ataque ao cume e voltar para o refúgio.
Expectativa – Conforme planejado, na quarta-feira (7/7) pegamos o teleférico da Aiguille du Midi e subimos até o refúgio Cosmiques (3613 m). Esse refúgio é muito bem equipado e, como previsto, estava lotado. Mesmo assim conseguimos nos acomodar num dormitório, com colchões colocados no chão. O que não conseguimos foi dormir direito, pois o tempo todo tinha alguém entrando e saindo. Além disso, as pessoas começaram a levantar as 0:30, pois o café da manhã estava previsto para 1:00.
Levantamos, tomamos o café e nos preparamos para sair, no meio da maior confusão, pois havia mais de 50 pessoas disputando os mesmos espaços. Acabamos saindo do refúgio as 2:00 com uma noite linda, super estrelada e incrivelmente quente. Fomos seguindo a fila de headlamps que serpenteava a encosta do Mont Blanc de Tacul, o primeiro obstáculo a ser superado na rota dos trois monts. O dia amanheceu sem uma nuvem, mas acima dos 4000 m começou a soprar um vento forte e frio. Fomos subindo lentamente e superando os vários obstáculos. O mais difícil deles é uma rampa bem inclinada conhecida como mur de la cote, que leva ao Mont Maudit. Após esse trecho resta apenas subir a rampa final, que parece interminável.
Chegamos no cume as 11:00 e encontramos várias pessoas curtindo o visual. O dia estava mesmo fantástico. Tiramos várias fotos e comemoramos essa primeira vitória da nossa expedição. A descida foi bem mais demorada do que pensávamos. Já estávamos cansados da subida e a neve estava muito mole, tornando a descida mais cansativa ainda. Chegamos no refúgio depois das 18:00 (foram mais de 16 horas de escalada) totalmente exaustos, mas muito felizes com o sucesso da escalada!
No dia seguinte (09/07) fomos até a Aiguille du Midi, onde pegamos o teleférico de volta para Chamonix. Passamos no hotel para pegar as coisas que deixamos lá e resolvemos viajar no mesmo dia para Zermatt. Pegamos um trem e chegamos a noite no nosso destino. Tivemos dificuldade para achar um hotel para ficar, pois ou estavam lotados ou custavam uma fortuna. Acabamos ficando no Matterhorn Hostel, um lugar bem agradável, com um bom serviço e por um preço justo. Finalmente conseguimos tomar um bom banho e comer boa pizza para comemorar o primeiro cume.
No sábado (10/07) passeamos por Zermatt e cuidamos da logística da próxima escalada: verificar a previsão do tempo na internet, comprar comida e procurar informações sobre a rota escolhida para escalar o Matterhorm. Percebemos rapidamente a importância turística, não apenas da cidade, mas também do Matterhorn. Na verdade o acesso ao refugio Hornlihutte é muito fácil, basta pegar um teleférico e caminhar por 2 horas ao longo de uma trilha fácil, e muito bonita. Tem muita gente que vai até o refúgio de manhã, desfruta do visual sentado no deck e volta para Zermatt no final da tarde. Vários montanhistas tentam escalar o Matterhorn pela rota Hornligratt, saindo deste refúgio. Essa rota é considerada AD (dificuldade média) e tem 1200 m de desnível.
No dia seguinte (11/07) pegamos o teleférico para Schwarzsee logo cedo e subimos a trilha até o refúgio. No trecho mais difícil e exposto da trilha colocaram uma passarela com corrimão. O refúgio é enorme (capacidade para 150 pessoas), parece até um hotel com restaurante. Só tem um detalhe: não tem água corrente para o público. Se você precisar de água, ou você derrete neve, ou você compra no refúgio! Passamos a tarde descansando e estudando a rota. Assim como nos dias anteriores, o cume do Matterhorn estava envolto em uma nuvem, o que nos deixava um pouco preocupados.
Acordar cedo – Por volta das 3:00 as pessoas começaram a levantar. Nós levantamos um pouco depois, tomamos café e saímos as 4:20. A maior parte das duplas, principalmente os guias com seus clientes, já havia saído. Fomos seguindo as luzes no começo, mas logo estávamos sozinhos na montanha, tendo que achar o melhor caminho seguindo a aresta. Com o amanhecer essa tarefa ficou um pouco mais fácil, mesmo assim saímos da rota algumas vezes. Depois de passar pelo refúgio Solvay, um pequeno abrigo pendurado em um penhasco e usado apenas em caso de emergência, começamos a cruzar com algumas duplas descendo, o que facilitou seguir a rota certa. Chegamos no cume as 14:00 e não havia mais ninguém.
Estávamos dentro de uma nuvem, que encobria totalmente o lado suíço, mas deixava uma abertura para o lado italiano. Ficamos no cume apenas o tempo necessário para tirar algumas fotos e começamos a descer, pois já estava tarde e aquela nuvem nos preocupava. Fomos descendo com cuidado, fazendo rapéis nos trechos mais difíceis. No meio da descida começou a nevar e as coisas ficaram bem mais difíceis. Não tínhamos quase visibilidade e a corda molhada enroscava a cada rapel. Como já estava ficando escuro e não encontrávamos o refúgio Solvay, decidimos procurar um lugar para passar a noite. Acabamos nos espremendo numa pequena cavidade na parede e passamos a noite sentados, sem água, sem dormir e tremendo de frio.
O dia amanheceu gelado e o sol custou a sair de trás das montanhas. Aos poucos fomos levantando, ainda tremendo de frio. Quando o sol finalmente apareceu, tomamos coragem para deixar o nosso bivaque e retomar a descida. Logo percebemos que estávamos bem perto do Solvay. À medida que fomos descendo, encontrávamos algumas duplas subindo, o que facilitou seguir a rota correta. Descemos bem lentamente por causa do cansaço acumulado. Chegamos no refúgio apenas as 14:00. Passamos quase 34 horas na parede! Comemos alguma coisa no refúgio, arrumamos nossas mochilas e pegamos a trilha até o teleférico. Voltamos para o albergue literalmente acabados. Só depois de um bom banho e de uma boa pizza é que caiu a ficha: tínhamos vencido o segundo desafio! Agora só faltava o Eiger para completarmos a trilogia.
Aproveitamos o dia seguinte (14/7) para descansar, atualizar o nosso blog e preparar a nossa viagem para Grindelwald. Apesar de ter de trocar de trem em Visp, Spiez e Interlaken, a viagem foi bem agradável, percorrendo uma região muito bonita da Suiça. Em Grindelwald ficamos no Downtown Lodge, onde tinha feito reserva pela internet. Aliás, existem vários sites de reserva on line de albergues, que facilitam bastante esse trabalho. Do centro da cidade não se tem uma visão muito boa do Eiger, ou melhor, não se enxerga bem a sua face norte, como estamos acostumados a ver nas fotos ou nos filmes. Depois fomos descobrir que só é possível admirar a face norte do Eiger a partir de Kleine Scheidegg, uma pequena vila no caminho do trem que atravessa a montanha.
O dia 16/7 foi destinado à preparação da nossa ultima escalada. Procuramos informações sobre a rota Mittelegigratt e confirmamos a necessidade de fazer uma travessia, descendo pela aresta sul (Sudgratt) depois de alcançar o cume, chegando em outro refúgio (Monchhutte). Verificamos a previsão do tempo na internet e descobrimos que no dia 17/7 haveria a possibilidade de chuva (neve na montanha) e que no dia 18/7 teríamos tempo bom. Resolvemos arriscar e subir para o refúgio Mitellegihutte no dia seguinte. Aproveitamos a tarde para fazer uma trilha do lado oposto do vale e observar o Eiger de um ponto de vista mais privilegiado.
Planejamento – Conforme planejado, subimos no dia seguinte para o refúgio. Primeiro, pegamos um trem até Kleine Scheidegg, depois pegamos o trem que atravessa a montanha por dentro de um longo túnel chamado de Jungfraujoch. Descemos na penúltima estação (Eismeer), entramos num pequeno túnel e fomos descendo até chegar numa portinha aberta para o glaciar. Nos equipamos e atravessamos o glaciar até chegar numa encosta rochosa, que tivemos que escalar para chegar no refúgio. Essa escalada começa com uma enfiada de IV grau, nada fácil de fazer com botas rígidas, e continua por mais 3 enfiadas de III. Depois entra numa travessia bem exposta até chegar na rampa final que conduz ao refúgio. No meio da tarde o tempo fechou e todo a montanha ficou dentro da nuvem. A noite nevou bastante, o que nos deixou bem preocupados.
O dia seguinte (18/7) amanheceu com o céu totalmente aberto e com a rota quase toda coberta de neve. A saída do refúgio, prevista para 5:00, foi adiada para 7:30 por causa da neve. Tivemos que deixar o refúgio usando os crampons (só fomos tirá-los chegando no outro refúgio). Fomos uma das últimas duplas a sair (prioridade para os guias) e logo ficamos sozinhos novamente. Mas desta vez era fácil seguir a rota, pois ela percorre uma aresta muito afilada, com abismos de cada lado. Aliás, essa foi uma das escaladas mais expostas que nós já fizemos. Qualquer vacilo representaria uma queda sem chances de segurar. Durante a escalada, parece que o cume está próximo, mas sempre tem mais um trecho para escalar. A aresta final é bem longa e parece uma navalha, de tão estreita que é.
Chegamos no cume às 15:30 bastante cansados, mas extremamente satisfeitos de ter completado a trilogia! Tiramos algumas fotos, comemoramos o cume e já começamos a descida, pois sabíamos que ainda faltava mais da metade do caminho. A aresta sul parecia interminável. Em vários pontos tivemos que escalar, às vezes mais de 50 metros, para descer novamente do outro lado. Chagamos no glaciar com o dia escurecendo. Felizmente era lua cheia e tinha uma trilha bem definida até o refúgio Monch. Chegamos lá depois das 23:00, tão cansados que fomos direto para a cama, sem nem comer.
A volta para Grindelwald foi bem tranquila, pois uma pequena caminhada de 30 minutos nos levou até a estação final do Jungfraujoch, onde pegamos o trem. Voltamos para o albergue onde tomamos um merecido banho e comemoramos o final das nossas escaladas. Como tínhamos marcado a nossa volta para Paris para o dia 24/7, aproveitamos esses dois dias para descansar e para fazer uma trilha pelas redondezas de Grindelwald.
Aproveitamos os últimos dias da nossa viagem para passear um pouco em Paris e para escalar alguns boulders em Fountainebleau. Voltamos para Campinas no dia 24/7, novamente fazendo uma conexão em Lisboa.
Essa expedição foi fantástica! Tivemos a sorte de contar com um clima favorável e fomos superando as dificuldades à medida que elas foram aparecendo e no final acabou dando tudo certo. Completamos a Trilogia dos Alpes!
Este texto foi escrito por: Luiz Felipe Mendes, especial para o Webventure