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Fadigatti: “Abandonar o Dakar foi um frutração insuperável”

Redação Webventure/ Offroad

Se experiência é uma palavra chave para um rali como o Paris-Dakar-Cairo, não resta dúvida de que o navegador Alberto Fadigatti, era um dos nomes fortes do Brasil na última edição da maior prova do off-road mundial. Foi a terceira vez que Fadigatti esteve no Dakar. Em 1982 e 1983 o navegador esteve no rali como observador enviado pela Engesa, empresa brasileira de carros 4×4 que tinha um projeto de enviar uma equipe brasileira ao rali. “Mas isso foi a tanto tempo atrás que não só os caminhos do Dakar mudaram, como o rali também já é outra coisa.”, explicou Fadigatti. A diferença de estar na prova como observador e participar dela como competidor também é significativa. “É como você ir a uma faculdade como ouvinte de depois entrar como estudante”, compara.

Na companhia do piloto Reinaldo Varela, Fadigatti participou do Dakar 2000 integrando a equipe Hollywood Troller, na primeira participação de um carro brasileiro na competição. Mais do que navegador de Varella, Fadigatti foi também o diretor técnico da equipe. Foram quatro meses trabalhando no projeto da Troller para o Dakar. A equipe largou com quatro carros e dois caminhões de apoio. A dupla Varela e Fadigatti andou bem até o acidente que tirou Fadigatti da prova, com a fratura de duas vértebras. “Aí começou outra aventura, a de ser um acidentado no Dakar”, confessou Fadigatti.

De volta ao Brasil, Alberto Fadigatti ainda está de repouso. “Acho que até o final desta semana já volto a ficar de pé. No começo vou ter que me acostumar com uma bengalinha, mas tudo bem”, conta Fadigatti bem humorado, já fazendo planos para a temporada 2000 da dupla que forma com Reinaldo Varela. “Nos Sertões eu estou com certeza”, desabafa. Em entrevista exclusiva a Webventure Fadigatti conta em detalhes como foi a experiência no Dakar e do acidente que o tirou da prova.

Webventure: Qual é a sensação de abandonar um Dakar faltando tão pouco para a chegada?

Fadigatti: Não tem coisa pior no mundo. Foi uma frustração insuperável. Eu estava na porta de entrada e a porta fechou. A dor passa, você sabe que amanhã você vai estar melhor, mas a frustração de não ter conseguido o objetivo é desanimadora naquela hora. Você se sente um inútil de Ter trabalhado durante quatro meses, e faltando pouco mais de 1.500 km e você não conseguir completar.

Webventure: A boa e velha relação de companheirismo que você tem com o Reinaldo Varela deve ter sido fundamental neste momento, porque ele também deve ter ficado frustrado.

Fadigatti: Poxa, é terrível. Eu vi que não tinha sido nada com o carro, foi só um tombo. Eu falei na hora com o Reinaldo: “desviar esse carro e toca pra frente e entra no Cairo, sobe no podium, faz a festa por mim e por você, porque eu não vou conseguir chegar lá”. Ele tinha dúvidas na hora se acionaria ou não a baliza para chamar o resgate, o que imediatamente deixaria a gente desclassificado da prova. Eu nem queria responder, porque se eu dissesse sim eu seria o responsável pela desistência, se eu dissesse não eu poderia me comprometer porque naquele momento eu sentia muita dor e não sabia a gravidade do meu acidente. Eu, no momento seguinte ao acidente, pensava que tinha quebrado uma ou duas costelas que teriam perfurado meu pulmão. Por isso sentia tanta dor e não conseguia respirar. Mas logo eu percebi que eu não tinha sangue na boca, então não podia ter sido no pulmão. Então eu achei que era só o impacto da pancada, eu estava me sentindo mal mas ia passar logo.

Webventure: Mas como foi o acidente? Vocês estavam muito rápido?

Fadigatti: Na verdade nós não andamos nunca rápido. Nossa intenção não era ganhar, era completar, era chegar ao Cairo com os quatro carros. Eu e o Varela até andamos mais rápido nos primeiros dias, mas depois reduzimos a velocidade exatamente para mostrar que o objetivo não era a velocidade e sim completar o rali.

Webventure: Mas o que é rápido para um Dakar

Fadigatti: É andar o que o carro poderia, o que nós poderíamos ter despejado de potência. Nós andamos bem aquém do que o carro e o Varela poderiam ter feito. Porque só no primeiro e no segundo dia nós tivéssemos andado com tudo o que poderíamos, nós teríamos colocado o carro entre os 30 primeiros colocados. Mas nossa idéia era de que se fizéssemos isso poderíamos criar uma disputa dentro da própria equipe e esse não era o objetivo. O nosso compromisso era de chegar com os quatro carros, mesmo que fossemos os últimos colocados da prova.

No dia do acidente a gente já estava bem atento porque tínhamos passado pelo acidente envolvendo o Shinozuca, o De Meuvius e o Carlos Souza. Foi um acidente feio mesmo, deixa qualquer um impressionado ver lá os pilotos feridos fora do carro sendo atendidos.

Webventure: A duna onde ocorreu o acidente estava na rota? Porque a organização divulgou que eles estavam a cerca de 1 km fora da trilha ideal.

Fadigatti: A rota estava exata. O meu GPS estava exatamente na rota do rali quando eu passei por ali. O lugar era como um cratera de vulcão. Muito alta e íngreme. Quando a gente passou por ali tinha uma pessoa sinalizando mandando ir pela direita. O Reinaldo tirou o pé. Quando a gente chegou no topo da duna e vimos aquele monte de destroços eu falei: “Reinaldo, morreu gente ali”. Já tinham uns quatro helicópteros ali dando apoio, uns outros carros, a gente buzinou, acenaram avisando que não precisava de ajuda. Mas aquilo deprime, a gente viu o carro do Carlos Souza que jantou com a gente na noite anterior, ali todo quebrado. Então você fica tão deprimido que ou você para ou acelera. A gente acelerou um pouco mais a partir dali, é uma forma de você descarregar a tensão.

Webventure: E era um dia que dava para acelerar também. Era muito plano?

Fadigatti: Muito. O pessoal de ponta, o Prieto, o Schlesser, o Shinozuca andavam a uns 180 km/h, calculo eu. Nós conseguíamos andar 150 km/h, que foi a velocidade que a gente saiu daquele ponto. Mas depois a gente desacelerou um pouco. Andamos mais um 600 km e veio uma seqüência de dunas com um intervalo de uns 300 metros a 1 km entre uma duna e outra. Então era um tobogã longo. Em uma das dunas, bem estreita, o meio dela estava bem marcado, sinal claro de que muitos outros carros já tinham passado por ali. Eu indiquei para o Varela o mesmo caminho. E na realidade aquele era o pior lugar que eu poderia ter escolhido. Era um paredão de areia. O carro tombou para a frente e arrastou uns metros duna abaixo. Ficou tudo escuro dentro do carro, nós dois de cabeça para baixo. Naquela hora eu já senti uma dor muito forte. Tenho a impressão que eu deixei o cinto um pouco mais froxo quando regulava o sistema de calibragem dos pneus.

Webventure: E a partir daí? Como foi o socorro?

Fadigatti: Tinha um helicóptero da organização, com câmera bem naquele ponto. Eles deviam estar esperando alguém passar por ali para pegar uma boa imagem. Já tinha um piloto de moto francês que tinha caído na mesma duna e estava esperando o resgate. Depois de muito esforço eu consegui sair do carro com ajuda do Reinaldo e com muita dor me arrastei para fora e fiquei ali deitado. O meu medo era de que alguém viesse pelo mesmo caminho e me atropelasse ali deitado, por isso o Reinaldo foi lá no alto da duna e marcou uma sinalização para avisar aos outros com o casaco dele.

Webventure: E foi nesse helicóptero que você foi resgatado?

Fadigatti: Não, mas foi ele quem acionou o resgate médico. Quando o cinegrafista chegou perto de mim ele já me avisou que em 20 minutos o helicóptero médico ia estar ali. Ainda perguntou se eu estava me sentindo bem, se eu conseguia me movimentar e sentir minhas pernas. Tudo isso com aquela dificuldade grande de respirar. Foi uma situação muito ruim mesmo.

Webventure: E o atendimento do Dakar?

Fadigatti: Eu fui levado direto para o acampamento pelo helicóptero médico que me tirou. O pior foi que do helicóptero, deitado no piso eu vi que aquela duna era o último obstáculo antes do final da etapa. Tanto que pouco mais de uns 10 minutos a gente já estava no acampamento. Eu fui levado para uma barraca médica, com muita dor apesar de eles terem me dado uma espécie de anestesia no local do acidente. Como eu tinha que fazer uma radiografia me transportaram para um hospital militar lá na Líbia. Foi uma viagem de helicóptero onde uns médico líbios fizeram a radiografia. Mas era um tratamento péssimo dos líbios, me jogavam de uma maca para a outra, e aquilo doía muito. No fim eu fui informado por um médico inglês de que eu tinha 70% de chances de ter alguma coisa grave e uma complicação posterior. Você sabe que eu tive minha filha em coma com os médico dando 10% de chance de recuperação para ela e quando eu cheguei no Brasil ela estava ótima, curada. Então os 30% que o médico tinha me dado lá na Líbia era muito.

Webventure: E dali você voi levado para o Cairo

Fadigatti: Não. Me levaram de volta para o acampamento. E o pior é que ninguém, nenhum brasileiro sabia que eu estava ali ainda. Eles pensavam que eu já tinha sido transferido para o Cairo. Eu passei a noite lá no acampamento e no dia seguinte me levaram até uma aviào eu eu pensei: “pronto, agora estão me levando para o hospital no Cairo”. Que nada. Eu fiquei mais de oito horas dentro do avião, amarrado na maca atravessado nas cadeiras com o nariz quase colado no teto. Foi um horror, lá dentro um calor insuportável, fiquei o tempo todo sem ninguém para me atender, e o avião não decolava. Eu comecei a ficar com fome, tentei chamar as pessoas que trabalhavam ali mas ninguém falava nem inglês nem francês. Com muito custo consegui um pouco d’água e quando já estava ficando desesperado de calor e fome tive que fazer um escândalo. Cheguei a tirar um canivete que eu tinha daqueles de comida e até ameacei, o primeiro que passasse ali levava uma facada se não me tirassem daquele lugar. Isso dá para você imaginar o desespero que eu sentia naquele lugar. Foi aí que abriram a tampa traseira do avião e me levaram para outra barraca médica. Quando eu cheguei lá ouvi uma conversa de brasileiros e reconheci a voz do Miguel Costa Jr. O fotógrafo da equipe Troller. Aí comecei a gritar alto e logo tava o Miguel, a Simone Palladino, o pessoal da Rede Globo. Até hoje não entendo porque me colocaram neste avião. Foi só então que o pessoal fez o maior escândalo. Me arrumaram uma médica portuguesa e só então eu recebi comida. Eu estava esfomeado. Depois de muita pressão conseguiram um avião menor e me colocaram junto com um outro espanhol, também acidentado, e só então fui para o hospital no Cairo.

Este texto foi escrito por: Gustavo Mansur

Last modified: fevereiro 8, 2000

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