Foto: Pixabay

Fernanda Maciel conta como ganhou a Ultra Trail Lavaredo, ultramaratona que reuniu 520 atletas nas Dolomitas italianas

Redação Webventure/ Corrida de aventura, Montanhismo, Trekking

Fernanda Cruza a linha de chegada em primeiro lugar no feminino (foto: Tristan Shu)
Fernanda Cruza a linha de chegada em primeiro lugar no feminino (foto: Tristan Shu)

As “Dolomitis”, como dizem aqui na Itália, foram declaradas pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade em 2009, um reconhecimento importante deste incrível conjunto de montanhas no norte italiano. Acredito que muitos escaladores, corredores, esquiadores ou simplesmente turistas desejam vir às Dolomitas. Eu sonhava em escalar aqui. Mas, maybe next time, pois dessa vez vim para correr… e correr muito. Faço parte da equipe europeia de atletas The North Face e fui convocada para competir na Ultra Trail Lavaredo, uma corrida de montanha de 90 quilômetros e 5.300 metros de desnível positivo (subidas acumuladas), que aconteceu dia 2 de julho.

Quando me inscreveram, pensei: “que medo!” Eu tentava imaginar o desnível da prova e o elevadíssimo nível técnico. Quando eu olhava as trilhas no mapa da região, via a maior parte delas pintadas de vermelho e pontilhada, o que significa “perigo”. A legenda indicava um nível muito alto tecnicamente e dizia “just for experts”. Primeira pergunta de um repórter, na entrevista antes da largada: “Fernanda, quais são as suas expectativas?” Sem expectativas, respondi.

Cheguei para a prova depois de uma semana de trabalho outside no norte da Espanha. Neste período, fiquei sem treinar como gostaria (acordava às 6 horas para treinar somente 1 hora), dormia ao ar livre, passava frio, tomava banho em um rio congelante, e ainda durante o dia remava 6 horas, caminhava mais 2 horas e descia um cânion por mais 3 horas. Enfim, eu estava gripada, e assim foi a minha preparação. A única coisa que poderia me salvar era a minha filosofia move positive. Eu acreditava que com muito, muito pensamento positivo e força nas minhas indomáveis pernas, eu chegaria ao final da competição.

A largada seria exatamente à zero hora do dia 2, em uma vila da cidadezinha de Auronzo, desenhada por um lindo lago de águas verdes e montanhas ao fundo. Dos 600 inscritos, 520 corredores apareceram, todos rezando para que a costumeira chuva não chegasse.

Abraços, fotos, boa sorte e peeeeeehhh… largamos com céu estrelado. Auronzo está a 800 metros de altitude e nossa primeira subidinha tinha 1.500 metros de desnível até o Refúgio Carducci, a 2.300 metros, onde ficam os famosos picos rochosos Tre Cime. Dalí, subimos mais um pouco ate o Refúgio Piani Cengia, a 2.550 metros de altitude. Que frio! E apenas 18 quilômetros percorridos. Afê, como é lento quando se sobe, não?

Ladeira abaixo
Depois veio a parte de que gosto: descer feito surfe até os 1.600 metros de altitude, chegando à área de apoio Malga Rinbianco com 31,5 quilômetros acumulados de prova. Sem parar, tomei um copo de Coca-Cola como eu estava liderando desde o começo, não queria dar de cara com alguma garota justo ali. Por isso, meu objetivo era não parar nunca.

Seguindo a infinita descida, passei pelo ponto mais lindo e emocionante do percurso: o Lago Misurina, banhado pela luz da aurora. É inacreditável correr ao redor desta maravilha, com um pouquinho de luz avisando que o dia amanheceria logo mais.

Aqui as Dolomites me mostravam as suas diferentes cores prata, vermelho, laranja e amarelo e a luz do sol batendo nas gigantes paredes me dava forças. Anestesiada por esta beleza, eu continuava a descida dentro de um bosque mágico até o próximo ponto de apoio, na Vila Gregoriana. Até ali foram 45,7 quilômetros de prova, com o relógio marcando 5h33min de tempo total.

Neste ponto estava a bolsa que cada corredor tinha entregado à organização. Troquei a minha lanterna de cabeça e a minha jaqueta por outras mais leves. Tomei mais uma Coca-Cola, reabasteci o meu refil com 1 litro de água e pronto. Saia dali com pernas quentes e preparadas para 1.400 metros de ascensão até Forcella Grande.

Uau, que montanha inalcançável. A subida é duríssima e sem possibilidade de fazê-la correndo. É uma parede reta, medonha de visualizar. Comi tudo o que tinha direito, ou seja, todas as barrinhas e géis de carboidratos que eu encontrava no microbolso da minha mochila. Eu estava precisando de força, e apenas admirar as montanhas era pouco para conseguir isso. Eu queria mais comida! Eu necessitava de muita energia!

Como sempre o pior pode piorar, depois do cume começava a matadora descida. A cada 100 metros havia um italiano da organização avisando que tínhamos de descer a crista bem devagar. Uma resvalada seria mortal, pois a trilha era de pedra solta, colada a um penhasco, em zigue-zague. Se você passasse direto em uma destas “s” seria uma caida sinistra e apenas um helicóptero poderia te tirar dali. Com muita calma nesta hora, eu administrava o meu ritmo, sempre olhando para trás e checando se alguma female me seguia. Por sorte não, então eu pude descer com mais controle, e sem dores nos joelhos.

Cheguei aos 65 quilômetros de prova e mais um check point, com comida e bebida trazida pela organização. Tomei mais uma Coca-Cola e fuuuui… em direção ao último posto no Refúgio Baion, a 77,8 quilômetros e 1.820 metros de altitude. Lá comi uma batata com sal e o meu último gel. Era tudo ou nada.

Quase lá
E, enfim, a melhor parte: os últimos 12 quilômetros, com uma descida de 10 quilômetros e 1.000 metros parede abaixo. A 1 quilômetro do pórtico, eu vejo correndo em minha direção os meus amigos e companheiros de equipe, o francês Sebastien Chaigneau (campeão entre os homens) e o basco e vice Zigor Iturrieta.

Foi uma alegria imensa cruzar o Lago d’Auronzo acompanhada deles e de muitos espectadores gritando belíssima ed bravíssima (literalmente “bonita e boa”, em italiano, mas no sentido de “bela e forte”). Por isto eu digo: brava Dolomitis. Eu terminei a prova em 12h45min, depois de liderar todo o percurso na frente de 51 competidoras e chegar em 17º lugar na geral (de 520 corredores).

Em segundo, com 13h21min, chegaram empatadas as italianas Giovanna Cavalli e Alessandra Carlini. Já Seb Chaigneau bateu o recorde da prova, que está da quinta edição, com 9h29min. Em segundo, com 10h05min, chegou Zigor, e depois o suíço Marco Gazzola, com 10h30.

Agradeço aos meus amigos brasileiros, que mandaram forças e à The North Face pelo apoio. Daqui a duas semanas sigo para outra ultracorrida em Andorra. Torçam por mim!

Este texto foi escrito por: Fernanda Maciel, especial para o Webventure

Last modified: julho 7, 2011

[fbcomments]
Redação Webventure
Redação Webventure