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Fiadi contou como realizou seu sonho de criança


No acampamento na Antártica vieram ventos de 120 km/h. (foto: Arquivo Júlio Fiadi)

“Quando temos um sonho e o colocamos no papel, ele deixa de ser um sonho e passa a ser um plano”. Esta foi a última frase de Júlio Fiadi na palestra que encerrou a temporada 2003 do Circuito Webventure, ontem (29/10), em São Paulo. Para a platéia do auditório da Competition, o industriário que sempre que pode dá vazão aos seus sonhos de infância viajando por lugares inóspitos do mundo, contou em detalhes como chegou aos dois pólos do planeta, feito que não há registros de que nenhum outro brasileiro tenha obtido até hoje.

Ilustrando as histórias com fotografias projetadas, Fiadi contou primeiro sobre a expedição ao Pólo Norte, no Ártico. A viagem começou em Moscou, de onde ele e o grupo de outras sete pessoas partiu para a Sibéria, mais precisamente em Hatanga, local bem acima do Círculo Polar Ártico, onde o gelo predomina e de onde voariam em helicópteros até o ponto onde iniciariam a caminhada rumo ao pólo.

Dias eternos e muito frio – Fiadi contou que o frio e os fenômenos naturais marcam a vida dos que moram ali. “Desde que cheguei ali nunca vi o sol de pôr. As pessoas vestem roupas de peles lindíssimas que são caçadas por elas mesmas, na tundra, nos arredores de Hatanga”, descreveu. “Até o corpo delas é adaptado ao frio extremo: são pessoas com corpos compactos, narizes pequenos, pouca superfície para perder calor.”

A caminhada de 120 km até o Pólo Norte começou em 89 graus de latitude norte e durou 8 dias. Cada integrante usava esquis e puxava um trenó com seus pertences. Sobreviver ao frio temperaturas de até 40 graus abaixo de zero – era o maior desafio. “O ar que soltávamos na respiração se tornava cristais de gelo. Quando fazíamos uma parada, para tomar água e comer, ela não podia ultrapassar mais de dez minutos. Depois disso, com a transpiração se transformando em gelo na roupa, perderíamos a proteção termina e correríamos o risco de hipotermia”, explicou.

O continente ártico, como descreveu Fiadi, é um conjunto de placas de gelo com meio metro de espessura flutuando num oceano gelado de 4 mil metros de profundidade. Para obter água, era necessário derreter até 12 vezes o volume de neve a cada litro de água que quiser.

Ursos polares – Outro medo de Fiadi eram os ursos polares, predadores gigantes. “Por precaução o russo que integrava nosso grupo disse que levaria uma arma, com balas barulhentas para primeiro assustar o urso e, se preciso fosse, balas mais pesadas para nos defendermos”, narrou. “Um dia vi uma foca subir para respirar numa fenda do gelo. Era algo raro devido à latitude. Lembrei que só nesta ação um urso pode sentir o cheiro da foca a 40 quilômetros de distância”. Fiadi, então, pediu para o russo mostrar-lhe a tal arma. “Quando vi que era uma velha garrucha, não acreditei. Testamos a arma e, depois de muitos tiros falhos, uma bala quase acertou o pé do russo, a um metro de distância…”, contou, arrancando risos da platéia.

A chegada ao Pólo Norte, num marco que vai se movendo com o deslocamento da calota polar e a cada ano é refeito, aconteceu no dia 28 de abril de 2000. De lá o grupo foi resgatado pelos mesmos helicópteros que os tinham deixado a 120 km dali.

No mesmo ano, Fiadi iniciou à próxima viagem. Partiu de Punta Arenas, extremo sul do Chile. Voou junto com cientistas, alpinistas e outros grupos de expedições até a Antártica, pousando em Patriot Hills, numa pista de gelo puro, próxima da qual o grupo montou acampamento e onde passou o Ano Novo.

Durante o tempo de acampamento, ventos de 120 km/h, que no Brasil seriam considerados furacões, atingiram o local. Fiadi se abrigou na barraca com um companheiro: “o tempo todo ficamos segurando a barraca e nos revezando em sair dela para cavar a neve que se acumulava. Sair naquele vento, que levanta a neve, é ter quase a sensação de estar debaixo d´água. A neve entra no nariz, na boca, quase o sufoca”, lembrou.

Congelamento – Iniciada a caminhada até o pólo, desta vez a partir de 89 graus de latitude sul, também com aproximadamente 120 km de percurso, o congelamento de partes do corpo era uma preocupação constante. “Checávamos uns aos outros para ver se alguém estava sofrendo um início de congelamento. Você não sente isso acontecer, pois a parte congelada adormece”, contou.

O “whiteout”, que é o contrário de blackout, dominou parte do percurso. Com o branco misturando céu e chão, a ponto de não se ver a linha do horizonte, era difícil equilibrar-se na caminhada. “Para não sair do trajeto tínhamos a ajuda do GPS, mas você perde a noção de plano e inclinado nessa situação e as quedas são inevitáveis, principalmente para o que está na frente do grupo”, descreveu.

Ao fim da expedição, duas pessoas haviam deixado o grupo no meio da jornada, uma delas era uma campeã de esqui que, com início de congelamento e hipotermia, foi levada a um esgotamento físico. Outro integrante quase sucumbiu durante a caminhada, também com congelamento nos dedos das mãos e hipotermia, mas teve forças para chegar até o fim. Outros integrantes tiveram princípios de congelamento, inclusive o próprio Fiadi, no nariz, mas ele conseguiu se preservar com uma proteção improvisada com esparadrapo.

Esfera de prata – No dia 9 de janeiro de 2001, após 11 dias de caminhada, chegaram ao Pólo Sul, localizado numa elevação de 3 mil metros de altura. Ali encontraram uma base norte-americana e uma bola de prata rodeada pelas bandeiras dos países do Tratado Antártico. “Ali, aos 40 anos, eu realizava um sonho de adolescente: chegar aos dois pólos do planeta. E pensar que a primeira vez que eu vi gelo na minha vida foi quando eu tinha 31 anos”, contou. Antes dos pólos, a paixão por expedições no gelo já levou Fiadi diversas vezes à Antártica e à Geórgia do Sul, inclusive como fotógrafo de uma das viagens de Amyr Klink.

Ao fim da palestra foram sorteados ingressos para o Parque Alta Adrenalina, e todos os participantes receberam a revista Headwall.

Fim da temporada O Circuito Webventure de Palestras encerrou sua terceira temporada contando com sete palestras no total, ministradas por Greenpeace (Meio ambiente), Valdir Pavão (Segurança outdoor), Aulus Sellmer (Preparação física), Georgios Hatzidakis (Patrocínio), Fernanda Preto (Fotografia), Fábio Raimo (Expedições e viagens outdoor) e Júlio Fiadi, todas realizadas no auditório da academia Competition. As doações dos participantes foram entregues à UNIBES. O evento voltará no ano que vem, aguarde informações!

Este texto foi escrito por: Webventure