Vendo uma mata pegando fogo dificilmente podemos imaginar que ela esta sendo beneficiada. Apesar das imagens que vêm a nossa cabeça serem de morte e destruição, o fogo nem sempre é o vilão da história. Muitos tipos de ambientes, como o cerrado e os campos rupestres do Brasil central e as savanas da África, convivem com o fogo há muito e muito tempo. Hoje eles são como são por causa do fogo que os queima de vez em quando. Ao longo de milhões de anos, a vegetação destes lugares se adaptou a sofrer estas queimadas esporádicas.
Parece estranho, mas muitas plantas desses lugares resistem às altas temperaturas com algum tipo de isolamento térmico. Algumas árvores têm cascas muito grossas que isolam do fogo suas partes mais sensíveis, enquanto outras plantas criam o revestimento isolante com a palha das folhas velhas que se mantêm presas rente ao seu caule.
Anti-chamas – Algumas plantas que não possuem este tipo de isolamento têm uma alta capacidade de regeneração, rebrotando mesmo depois de serem queimadas praticamente até o chão, mesmo que reste somente a raiz. Outras, sem resistência alguma, adotam a estratégia de crescerem rápido depois do fogo, correndo para gerar suas sementes e espalhá-las antes do próximo incêndio.
Mais que resistência ao fogo, várias espécies têm uma dependência dele. Muitas orquídeas de cerrado florescem somente após uma queimada e algumas plantas produzem folhas novas com mais vigor após a passagem do fogo. Há sementes que só conseguem germinar se forem chamuscadas. Para essas espécies, o fogo não representa uma ameaça e sim uma oportunidade. Ele elimina a concorrência menos adaptada ou simplesmente abre um pouco de espaço no capim ou nos caules para que as sementes brotem com mais facilidade ou para que as folhas cresçam livres.
Nesses lugares, o fogo colabora para aumentar a diversidade de espécies, controlando os indivíduos mais competitivos, eliminando os invasores e principalmente criando um mosaico de ambientes, cada um com suas espécies características.
Alerta – Mas isto não quer dizer que está tudo bem sair por ai pondo fogo no mato ou deixando-o queimar a vontade. Esses ambientes estão adaptados a incêndios naturais, provocados eventualmente por raios. E, como você pode imaginar, não é muito comum um raio provocar um incêndio. Examinando as marcas deixadas nas cascas das árvores sabemos que uma área de campo rupestre costumava queimar naturalmente uma vez a cada 3 a 5 anos e um cerrado uma vez a cada 5 a 10 anos.
Também não é o caso de nunca deixarmos esses lugares queimarem. Na década de 80, um incêndio avançou sobre o Parque Nacional da Serra do Cipó em uma área que não queimava há muitos anos. A madeira e palha acumuladas alimentaram o incêndio, que durou muito mais, atingiu altas temperaturas e se espalhou por uma área maior. A destruição foi grande e o parque levou muitos anos para voltar a se recompôr.
Acampar ao redor de uma fogueira, ouvindo o som da madeira ardendo e o cheirinho da fumaça se espalhando pelo ambiente é muito agradável e muitos poderão dizer que é parte fundamental da experiência. Entretanto, elas ainda são um grande risco para a manutenção dos ambientes naturais freqüentados por turistas e aventureiros. Isto porque, mesmo sabendo que o fogo muitas vezes é uma parte natural destes ambientes e que inclusive ajuda a mantê-los como são, ele não deve ser provocado displicentemente.
Mas então por que não fazer fogueiras com muito cuidado, mesmo que algumas acabem provocando alguns incêndios? Porque por mais precauções que se tome, algumas ainda vão sair fora de controle. E imagine que mesmo que só 0,1% das fogueiras provoquem incêndios? Num parque com 10.000 visitantes anuais, que façam 1.000 fogueiras por ano (uma estimativa muitíssimo conservadora), acabará sofrendo um incêndio por ano. Essa taxa já está cinco vezes maior que a freqüência em ambientes secos, como campos e cerrados, e pelo menos 20 vezes maior que a dos ambientes mais úmidos, como matas e florestas tropicais. Mesmo que estes acidentes acontecessem na mesma freqüência que os incêndios naturais, eles se somariam e a incidência seria duas vezes maior que o natural.
No lugar errado – Além disso, uma fogueira, que normalmente inicia um incêndio, costuma ser acendida em lugares planos e mais abertos, freqüentemente em baixadas de mais fácil acesso perto de corpos d’água. Acontece que um raio dificilmente cai nestes lugares. Eles costumam cair em árvores altas no meio da mata ou então nos cumes de montes. E os ambientes estão adaptados a este tipo de incêndio queimando os topos e não nas matas ciliares que cercam os riachos. Assim, um incêndio artificial, causado por fogueira, mesmo ocorrendo na mesma freqüência que o natural, estaria no lugar errado.
Mas se mesmo assim, você ainda quiser desesperadamente fazer uma fogueira, tome as máximas precauções para que ela não destrua o ambiente que você gosta de freqüentar. Afinal, um pequeno descuido pode ser suficiente para causar uma grande destruição. E, lembre-se, mesmo fogueiras “apagadas” ainda retêm muito calor e podem provocar incêndios se um vento voltar a soprar.
E, a propósito, nas áreas de conservação ambiental é expressamente proibido acender fogueiras. Por isto, na próxima vez que você for acampar em um Parque, se a imagem de destruir o ambiente não for suficiente para impedi-lo de fazer uma fogueira, lembre-se você estará cometendo um delito grave.
Este texto foi escrito por: Cláudio Patto
Last modified: março 31, 2000