Se participar do Raid Gauloises, pai das corridas de aventura no mundo, e terminar por escrever o nome da sua equipe no ranking oficial da prova já é uma vitória, chegar entre os primeiros é um sonho para muitos atletas de corrida de aventura.
O francês Laurent Maubré, hoje residente no Brasil e organizador da Rio Eco, foi duas vez seguidas campeão da prova (1995 e 97). E escreve aqui comentários exclusivos sobre o Gauloises 2002 e para quem sonha em participar desta prova ímpar. Confira!
O Raid Gauloises, idealizado em 1989 por Gerard Fusil, um repórter na época, tem essa particularidade de oferecer aos participantes uma verdadeira expedição, uma verdadeira aventura, proporcionando o contato com as populações locais. Um formato único: cinco competidores dentro dos quais obrigatoriamente um do sexo feminino, dois apoios, um team reporter. A chegada, em geral, acontece 10 dias depois do início da prova para os melhores times!!
Imagine 10 dias sem dormir, sem tomar banho, comendo barra de energia ou o que for encontrado na trilha enquanto segue andando, bebendo água tratada com pastilhas. Resumindo: uma coisa “extreme”, reservada a poucos, onde o abandono de um competidor desclassifica a equipe toda. Quer sofrer? Entre nessa!
Participar do Raid Gauloises é um verdadeiro projeto que pode levar de um ano a oito meses de preparação incluindo treinos físicos e captação de recursos. Treinar já em equipe, simular treinos em condições adversas, treinar com a equipe de apoio, são momentos de grande aprendizagem para a prova futura.
Testando a vontade de cada um – Implicar cada membro da equipe, desde o inicio do projeto, na captação de recursos e nos testes dos equipamentos, é também importante. Isso determinará o nível de motivação de cada um na equipe e permitirá testar a vontade de cada um de ver o projeto se realizar.
O nível de implicação de cada um no projeto será um fator determinante e poderá evitar o abandono de pessoas mais sujeitas a desistir nos primeiros sofrimentos. Antes de se recusar a continuar, cada um fará o calculo do tempo investido no projeto, dos sacrifícios realizados para chegar lá…
Além disto, quanto mais cedo a equipe for constituída com seus cinco membros, mais coesão haverá no grupo. No Gauloises, o ditado “a união faz a força” nunca foi tão verdade.
O percurso desta 11ª edição oferece varias modalidades e atividades esportivas. O treking é o ponto forte. Também chamado de caminhada, é o esporte mais simples. Praticado desde que o homem existe neste planeta, parece o esporte mais fácil do mundo, cotidiano, que todo mundo faz.
Não se engane. Esta é provavelmente a atividade mais difícil das corridas de aventura. O homem vira uma máquina de andar dia e noite, pois aqui estamos falando de centenas de quilômetros, distâncias “não-humanas”, às vezes sem trilhas, atravessando rios a nado e sobretudo carregando a sua mochila com dois a três dias de comida dentro, seus equipamentos obrigatórios e o kit necessário para uma emergência medica.
A estratégia é minimizar o peso, eliminar tudo inútil, 100 gramas daqui, 100 gramas dali. Ao final, ganhar 500 gramas já permitirá ter meio litro de água a mais.
Umidade – O treking nas condições climáticas do Vietnã, caracterizadas pela forte umidade e calor, acompanhada às vezes de chuvas fortes, é uma prova que requer muito dos atletas. Os pés sofrem. Você pode ser o melhor atleta do mundo mas, com os pés em carne viva, não poderá andar – ou terá extrema dificuldade e obviamente o ritmo do grupo passa a ser o ritmo da pessoa ferida.
A estratégia em trechos longos de treking é de poupar os pés limpando as meias e aplicando creme anti-fricção a cada seis, sete horas. Hoje também existem meias que fazem a diferença. As equipes americanas superequipadas andam com esse material, chamado de dry socks. Isto já traz algumas vantagens que, após 6 ou 7 dias, podem se traduzir em algumas horas.
Orientação – A orientação, com bússola e mapa, é a base do Raid Gauloises. Trata se de uma verdadeira corrida de orientação. A navegação, mesmo com o uso do GPS permitido, é um fator que dificulta ainda mais a caminhada. Um verdadeiro trabalho, em geral realizado por um ou dois especialistas na equipe.
Para andar rápido, é preciso achar o caminho rapidamente. Quando vem a noite, a situação fica bem mais complicada. A visibilidade é reduzida e muitas coisas vão depender das lâmpadas que a equipe tem disponíveis. No Vietnã, com as noites durando 11 horas, é preciso ter muitas pilhas! Além das baterias para o nosso “amigo” GPS.
Desde 2000, a organização do Gauloises autoriza o GPS. Mas não quer dizer que tudo vai ser mais fácil. Sabemos que esta maravilha de aparelho pode tornar-se inútil se o sinal não for recebido. Pode ser o caso, debaixo das arvores ou entre montanhas altas.
Aconselho simplesmente usar o GPS para situar-se no mapa e ter uma idéia geral da direção seguida. Nunca contar com ele 100%. Ele é o melhor amigo da bússola, que deve ser o sistema principal de orientação.
A receita – De maneira geral, completar os mil quilômetros deste Gauloises, a corrida mais longa de todos os tempos, exige espírito de equipe, uma boa administração da água, boa estratégia para administrar o sono e bons produtos energéticos. E enfim uma boa organização na equipe de apoio, que terá um papel fundamental nas transições e na preparação dos equipamentos.
A experiência e a idade são vantagens – o que é raro no esporte. Mas lembro que, para vencer em corrida de aventura, é importante saber agüentar a falta de sono, saber usar a cabeça, utilizar dicas de “macacos velhos” para não gastar energia em momentos inúteis, saber compor com as diferenças de cada um no grupo. Esta é a receita!
Laurent Maubré escreveu especialmente para o Webventure. Com várias participações em grandes corridas de aventuras, possui colocações como o 2º lugar na Elf Authentic Aventure, no Brasil, em 2000, e as vitórias no Raid Gauloises em 1995 (Patagônia) e 97 (Lesotho/África do Sul).
Faz parte do único grupo de quatro homens a ter ganho duas vezes seguidas o Gauloises. Hoje os quatro mosqueteiros de Patagônia e África do Sul se separaram. Saiba o que eles estão fazendo: |
Este texto foi escrito por: Laurent Maubré
Last modified: maio 7, 2002