Quem se aventura a fazer caminhadas e acampamentos em locais com pouca ou nenhuma estrutura pode estar se expondo a algumas doenças freqüentes em locais com pouco ou nenhum saneamento, como no meio rural e em favelas. Mas não pense que as trilhas estão sendo contaminadas pelas pessoas da roça. Muito pelo contrário, somos nós mesmos que as contaminamos. Isto porque tanto em trilhas, como nas casas de pau-a-pique, é raro encontrar-mos fossas assépticas (muito menos sistema de tratamento de esgoto) que impeçam que as fezes entrem em contato com a água. O resultado disso é que fezes contaminadas conseguem atingir a água potável dos riachos e lagos que usamos para beber e molhar os alimentos, nos contaminando e dispersando a doença para outras trilhas que também usamos. A giardia e a ameba são apenas duas das doenças (entre muitas) que podemos pegar pela ingestão de água ou alimentos contaminados pela água. Entretanto, estas duas são extremamente comuns em trilhas e serão abordadas inicialmente.
Giardia:
A giardia, conhecida por Giardia lamblia (ou Giardia intestinalis, dependendo do livro) é uma das neuras de quem se aventura a caminhadas e acampamentos. Costumam ser uma praga em trilhas, não havendo livro sobre parques nacionais Norte Americanos que não alerte quanto ao perigo de se contaminar com ela. Com menos de 20 milésimos de milímetros e visíveis apenas sob microscópio, estes parasitas unicelulares, podem provocar distúrbios intestinais cerca de 30 dias após a contaminação. Nesta fase algumas pessoas podem ser assintomáticos e outras podem apresentar alguns sintomas como dores abdominais, irritabilidade, insônia, diarréia crônica amarelada, perda de peso e talvez deficiência de vitamina A, D e E. A ocorrência ou não dos sintomas depende da localização dos parasitas no intestino, número e sensibilidade individual. De um modo geral, adultos não costumam apresentar sintomas, apesar de eliminarem cistos e contribuírem para a disseminação do parasita.
Ameba
A espécie de ameba que nos interessa (Entamoeba histolytica) não é tão famosa quanto a giardia, apesar de infestar um número muito maior de pessoas e seus sintomas serem mais severos. Acredita-se que cerca de 10% da população mundial esteja contaminada. Assim como a giardia, algumas pessoas contaminadas são assintomáticas, contribuindo para a dispersão da doença. Os sintomas vão desde disenteria aguda com várias evacuações diárias com muco e sangue e cólicas abdominais até um quadro crônico com fezes moles ou pastosas contendo traços de muco e sangue. Em casos mais raros no Brasil a ameba pode invadir o fígado e os pulmões e mais raro ainda o cérebro e a pele.
A transmissão de ambos se dá pela ingestão de cistos (forma encapsulada e pouco ativa do parasita) na água ou de alimentos contaminados por esta água. Estes cistos podem resistir a mais de 2 meses no ambiente (no caso de giardia) aguardando o momento de serem ingeridos pelo hospedeiro. Uma vez dentro do nosso aparelho digestivo, passam pelo estômago e chegam ao intestino delgado, quando saem da sua capsula e começam a se reproduzir por divisão. Um paciente com infestação intensa de Giardia pode vir a eliminar 300.000.000 a 14.000.000.000 de cistos por dia que estarão prontos para contaminar novos hospedeiros. A ameba se concentra no intestino grosso do paciente, aonde se multiplica e causa danos a parede intestinal, podendo provocar ulcerações.
Prevenção
Como a contaminação se dá através do ambiente, pela ingestão da água ou alimentos contaminados por cistos provenientes das fezes, a primeira medida preventiva deve ser o cuidado sanitário. Até no meio do mato é possível tomarmos certos cuidados:
- Cavar um buraco de pelo menos 30 cm para defecar e depois tampar o buraco solidamente com a terra;
- Nunca defecar perto de fontes de água potável (riachos e lagos) ou da trilha (em uma enxurrada costumam virar riachos). O ideal é uma distância de pelo menos 30 metros;
E como não sabemos se as outras pessoas que freqüentam estas trilhas tomam estes mesmos cuidados, algumas medidas podem diminuir a possibilidade de nos contaminar-mos:
- Ferver a água a ser usada é a maneira mais segura de eliminar possíveis cistos. Para isto, pequenos fogareiros portáteis podem ser úteis em pequenas caminhadas. Entretanto ferver toda a água a ser usada em um acampamento e depois espera-la esfriar é muito demorado.
- Hoje em dia existem filtros portáteis de extrema eficiência que eliminam os cistos da água. Com eles é possível obter água limpa e fresca em poucos minutos. Entretanto é preciso tomar cuidado para não juntar a parte que entra em contato com a fonte (riacho) com a parte que vai no nosso cantil.
- Além da água a ser bebida, é importante ferver ou filtrar também a água que será usada para lavar o alimento, lavar a louça e até a água para escovar os dentes.
Diagnóstico e tratamento
Se você estiver com algum dos sintomas descritos para estes dois parasitas, procure o seu médico. Como estes sintomas são semelhantes aos de várias outras doenças intestinais, o seu médico provavelmente lhe pedirá exames de fezes para comprovar a ocorrência da doença.
Ambos parasitas têm tratamento conhecido e relativamente simples com o uso de medicamentos. Geralmente é aconselhável repouso e cuidado com a alimentação e com a hidratação.
Este texto foi escrito por: Cláudio Patto
Last modified: outubro 27, 1999