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Heloísa Schurmann conta sobre sensação ímpar que viveu em Xangai

A bordo do veleiro Kat, a Família Schurmann continua fazendo história e desta vez com a Expedição Oriente. Na recente visita a Xangai, Heloísa conta como foi agraciada por uma sensação ímpar. Confira o relato da matriarca da Família:

Estar Xangai

Por Heloísa Schurmann

De acordo com pesquisas feitas, Shanghaiing se refere à prática de recrutar homens para serem marinheiros por meio de técnicas coercitivas e rapto. Foi na cidade de Xangai, a maior cidade portuária costeira da China, onde essa prática comum entre os próprios chineses e os britânicos, nos séculos 18 e 19 teve início. Assim, eram “recrutados” marujos para trabalharem em navios baleeiros, de pesca e mercantes. Até 1915, esse trabalho escravo foi amplamente utilizado a bordo de navios mercantes ingleses e norte-americanos.

Matriarca da Família Schurmann visita Xangai a bordo do veleiro Kat. Foto: arquivo pessoal

Quando os navios precisavam de marinheiros, aportavam em Xangai e raptavam os infelizes bêbados das tavernas ou convidavam jovens para “visitarem” as embarcações, onde acabavam presos. Somente quando o barco estava em alto mar, esses “convidados” eram liberados e escravizados para servir a bordo. Tarde demais para desembarcar, tornavam-se marinheiros e, se fossem mulheres, prostitutas para a tripulação. Assim, a expressão Let’s shanghai a crew se espalhou para outros portos.

Depois de cinco anos de planejamento incluindo dois anos e meio de construção do veleiro Kat e 19 meses navegando pelos lugares mais extremos do mundo, como a Antártica, chegamos a Xangai. Muita tensão subir o rio com mais de 500 barcos, navios e chatas, passando ao nosso lado até atracarmos na área de Bund. E, de repente, fui “raptada” por essa cidade única e vibrante. Nada, obviamente, comparável com o lamentável shanghaiing dos séculos passados. Mas uma estranha sensação positiva (se isso for possível) de ser “raptada” se fez presente.

Já morei (com CEP) em Nova York, Los Angeles, Nova Orleans, São Paulo, Rio de Janeiro, Auckland e conheci uma dúzia de cidades sedutoras como Las Vegas, São Francisco, Paris, Londres, Roma, Cannes, entre outras. Mas nada se compara ao que aconteceu na China. Por que, então, estar em Xangai me pegou de surpresa? Senti que “estar Xangai” é um estado de espírito.

Visita ao mercado. Foto: Pedro Nakano

A cidade, considerada por alguns a maior do mundo (seguramente, a maior da China e uma das maiores do planeta) tem uma personalidade própria e cativante. Prédios modernos emolduram a beira do rio que movimenta, de fato, o maior porto do mundo. Lá, o tráfego marítimo é intenso: funciona 24 horas por dia com todos os tipos de embarcações.

De dia, uma cidade de negócios. Ruas ocupadas com executivos, comércio muito ativo e um trânsito de carros possantes (sim, belos carros de luxo, inclusive) disputam espaço com uma massa de bicicletas motorizadas nas ruas e avenidas modernas. O movimento nos gigantescos shoppings centers com atrações como rodas gigantes, tobogãs e exposições de arte contrasta com as ruelas antigas e estreitas, que abrigam casinhas cinza, uma lojinha ao lado da outra, panelas fumegantes com óleo quente com bolinhos, macarrão, arroz, sopas e outras comidas que desafiam meu paladar. Entre uma e outra, há lojinhas de roupas, de utensílios de cozinha, de alimentos, de fogos de artifício. Tudo junto e misturado.

No Templo de Jade, Heloísa recolhe-se à introspecção e meditação. Heloísa Foto: Pedro Nakano

Avenidas com jardins atraem turistas e noivas para fotos num cenário diferente com algumas dezenas de chineses apreciando a cena. No Templo de Jade, recolho-me à introspecção e meditação diante de um Buda dourado. E, na sala ao lado, monges concentrados entoam seus mantras.

Em qualquer metro quadrado gramado, um espaço menor que de uma quadra de tênis, um grupo de pessoas praticam o tai chi. Imersos em gestos de meditação em movimento, me transportando para um oásis de tranquilidade, mesmo que eu esteja no meio do trânsito de bicicletas, motocicletas, carros e gente, gente e mais gente.

Numa calçada mais larga vejo uma senhora caminhando de costas! Como assim? Nos dias seguintes, vejo mais pessoas que também caminham assim e, curiosa, quis saber o motivo. Simples: para manter a coluna reta e treinar a coordenação motora. E todos saem do caminho delas, concentradas em suas caminhadas ao contrário.

No primeiro lugar do mundo onde não consegui me comunicar no idioma local, o mandarim, eu me senti estrangeira. E minhas poucas palavras chinesas nihau, xie xie atraem risadas dos chineses.

Assim vou descobrindo Xangai, sentindo os aromas dos mercados de frutas adoro as laranjinhas pequenas , das verduras como suas raízes de lótus ou dos tanques de enguias pequenas que tentam fugir no meio de meus dedos. Vários serviços são prestados na rua, como o de sapateiro, onde você pode se sentar, tirar seu sapato e esperar para que seja consertado ou que sua bolsa seja costurada. As animadas mesas de carteado e de vários jogos com apostas “não tirem fotos”, pediam. Em qualquer lugar que vou, vejo um povo obcecado por jogos.

Mas é à noite, como uma mulher vaidosa, que a cidade mostra sua personalidade. Ela se veste de cores, com suas luzes neon, purpurina e paetês e mostra seu lado vibrante com a iluminação em prédios e torres, como o a de Pérola Oriental, que brilham lhe convidando para uma grande festa na night cosmopolita da cidade. De camarote, ali no veleiro Kat, atracado no rio Huangpu, um afluente do rio Yangtze, bem no centro da cidade, sinto novamente essa magia de estar Xangai.

Este texto foi escrito por: Webventure