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Janine fala sobre participação do país no exterior


Janine esteve perto da semi em Munique. (foto: Venâncio Lessa)

Olá escaladores e amigos. Estou de volta após participar de três etapas mundiais de Escalada Esportiva ao lado dos escaladores André Berezoski e César Grosso. Em menos de um mês, disputamos duas etapas da Copa do Mundo e um Campeonato Mundial.

Parece que chegamos a um duro consenso sobre nossa condição no cenário mundial atualmente: os gringos continuam muito superiores a nós, latino-americanos, no que diz respeito ao desempenho em vias de competição. Cabe a nós, agora, enumerar os diversos fatores que mantêm os países europeus e asiáticos tão à frente.

Mas afinal, o quanto escalamos atualmente? A resposta sincera em minha opinião é que evoluímos bastante de três anos para cá. Como competidores de ponta no Brasil e sonhadores com uma evolução internacional, temos buscado inovações em treinamento, acompanhado o nível e conquistas dos escaladores top do mundo. E também suando a camisa para melhorar em todos os aspectos que fazem de um escalador de competições um campeão.

Porém, como em diversas modalidades, temos que encontrar o equilíbrio na hora de trabalhar intensamente todos estes aspectos, treinando os pontos mais fracos e mantendo os pontos mais fortes. A vivência do mundial é ponto determinante nesta conscientização pessoal para perceber o que está mais debilitado no nível brasileiro e o quanto está.

A cada ano e a cada participação, nos sentimos mais fortes. Porém, a força não está apenas nos braços, no aspecto físico. A força que leva um escalador lance a lance mais alto está principalmente na experiência, na vivência, nos aspectos psicológicos e sociais.

A princípio, a força e a vontade de ganhar é o que move um atleta, mas com o tempo, se este atleta manter seu nível físico e adquirir mais bagagem, é inegável que ele demonstrará melhor desempenho. No caso dos brasileiros no mundial, temos orgulho em dizer que percebemos nossa evolução física acompanhando a evolução internacional, mas não estamos satisfeitos nem conformados com nossa colocação.

Temos a certeza de que, se um dia chegarmos a uma semifinal, buscaremos ano a ano melhores colocações e sonharemos com as finais. Quem não quer se superar? Neste caso, torço para que as próximas gerações possam continuar o nosso trabalho e tenho certeza que todos juntos, independente de grau, colocação, títulos ou função, temos o nosso valor dentro da escalada no Brasil e no mundo. O mais bacana de tudo é o respeito mútuo.

Por enquanto, quanto à nossa evolução no mundial, temos como parâmetro de comparação os resultados das três competições mundiais deste ano, com os anos anteriores. Vale lembrar que antes de comparar colocações é importante levar em consideração o número de participantes em cada competição. E não canso de dizer: Ninguém é melhor do que ninguém!

71 homens
1) Alex Chabot (FRA)
2) Patxi Usobiaga (ESP)
3) Sylvian Millet (FRA)
47) André Berezoski (BRA)
63) César Grosso (BRA)

52 mulheres
1) Angela Eiter (AUS)
2) Alexandra Eyer (SUI)
3) Yuka Kobayashi (JAP)
44) Janine Cardoso (BRA)

Esta etapa é linda demais! Primeiro porque o muro é construído no meio de uma praça de Chamonix, com vista para o Mont-Blanc e toda cadeia de montanhas dos Alpes. Segundo por ser realizada na semana do 14 de julho, dia da independência francesa, quando a cidade típica de montanhistas está em festa, e ao final do campeonato ocorre uma queima de fogos inimaginável, de tirar o chapéu para os franceses.

Para completar a alegria local, o campeão masculino nesta etapa foi o francês Alex Chabot, que mostrou garra e recuperação durante toda a via final, chegando à superfinal com o espanhol Patxi Usobiaga. Aí, o espanhol, que havia escalado a final aparentemente mais consistente que o francês, vacilou forte e praticamente entregou a vitória ao seu grande concorrente. Chabot chegou a tocar na última agarra e fez todo o público delirar. Uma energia muito legal tomou conta da praça e da cidade, e após o campeonato a festa continuou com Djs bombando música e a galera comemorando a vitória.

Quanto a nós, brasileiros, nesta altura do campeonato já havíamos digerido a decepção de mais uma vez não termos chegado à semifinal no dia anterior. O Belê mais uma vez escalou muito bem, passou o primeiro crux, mas não foi o suficiente para a semi. Já o Cesinha caiu no primeiro crux, onde visivelmente a maioria dos atletas colocavam grande empenho.

Quanto a mim, escalei tranqüila, passei o primeiro crux e caí num lance antes do segundo crux, em que a maioria das mulheres caiu. Não me perdôo até agora pelo vacilo. Diferente de Munique, onde realmente fui até o meu limite (apesar de não ter descansado na via), aqui eu sei que poderia ter ido um pouco mais além e este “pouco” a mais pode fazer a diferença de uma 15 colocações, acreditem.

No geral, podemos dizer que somos atletas experientes no Brasil, mas com pouca experiência internacional. Os europeus e asiáticos sem dúvida possuem mais afinidade com os estilos de vias do mundial e estão preparados física e psicologicamente para os tipos de movimentação.

Por isso, é importante captar este estilo e aplicar da melhor forma possível em nossas paredes no Brasil, simulando e repassando esta informação para quem tenha interesse em evoluir em competições.

46 homens
1) Cedric Lachat (SUI)
2) Timo Preubler (ALE)
3) Flavio Crespi (FRA)
30)André Berezoski (BRA)
43) César Grosso (BRA)
43) Anderson Gouveia (BRA)

37 mulheres
1) Angela Eiter (AUT)
2) Katharina Saurwein (AUT)
2) Maja Vidmar (SLO)
33) Janine Cardoso (BRA)

Esta etapa foi realizada numa das maiores academias em que já estive, numa parede de 20 metros, texturizadas e com módulos modernos. Ficamos acampados de frente para o Lago de Zurique, num calor de quase 40 graus, relaxando e mergulhando antes da competição. Um luxo!

Economizamos muitos francos suíços na comida, afinal, a Suíça não é nada barata para nós brasileiros. Pode-se dizer que dia ou outro ficamos a pão e água. Sobre nosso desempenho nas competições em comparação a 2002 em Lecco, o Belê melhorou consideravelmente e destacou-se pela força e explosão na via eliminatória de 10B, chegando à frente do espanhol Patxi Usobiaga, que inacreditavelmente escorregou o pé na eliminatória, numa agarra abaulada grande, chegando a alegar giro da agarra. Não é só agente que vacila, não!

Porém, mesmo o Belê tendo se destacado entre muitos atletas que competem em todas as etapas mundiais do ano, não conseguiu para ir para a semifinal. Para o Cesinha, foi o primeiro Campeonato Mundial e ele vacilou num lance dinâmico, em que muitos gringos caíram também. Ficou bem decepcionado, mas foi o aquecimento para Munique. Dois dias depois, voltamos à parede e ele mandou o lance.

Eu, apesar de já ter competido no Mundial outras vezes, não administrei o pânico e o nervosismo no primeiro crux e deixei o pé escorregar. Comparado a Chamonix/2004 em que fiquei em 40º de 45, fiquei insatisfeita com meu desempenho nesta etapa e achei que não tive evolução na competição. A via feminina eliminatória cotada em 9B não teve nenhum top.

Ao final desta etapa, estávamos ansiosos para fazer bonito no próximo campeonato, em Munique.

Competição com caráter de apresentação ao Comitê Olímpico Internacional, para que a escalada venha a tornar-se modalidade olímpica. Valendo o título de campeão do mundo.

116 homens
1) Tomás Mrázek (CZE)
2) Patxi Usobiaga (ESP)
3) Alex Chabot (FRA)
66) César Grosso (BRA)
70) André Berezoski (BRA)

68 mulheres
1) Angela Eiter (AUT)
2) Emily Harrington (EUA)
3) Akiyo Noguchi (JAP)
32) Janine Cardoso (BRA)

Foi um grande evento. Com direito à cerimônia de abertura e apresentação de todos os países participantes. O presidente da UIAA, Marcos Scolaris, fez um discurso emocionante sobre o sonho de ver a escalada nas Olimpíadas.
O Comitê Olímpico estava analisando cada detalhe, desde organização do evento, segurança, público, carisma do esporte, regras e peculiaridades da escalada de competição, até países presentes e suas respectivas delegações uniformizadas. E nós estávamos lá organizados, representando um país da América do Sul, uniformizados com nossa bandeira e nossas cores, orgulhosos por fazer parte de um momento vital para que novas gerações de escaladores brasileiros estejam nas Olimpíadas. Neste momento, chorei de alegria e me senti muito realizada.

Segundo o ICC (International Climbing Competition), o processo de inclusão de uma modalidade nas Olimpíadas é muito lento, burocrático e político. Este campeonato foi a base de tudo e a partir de agora parece que é aguardar. Especula-se que a escalada esteja nas Olimpíadas como apresentação em 2012 e efetivamente em 2016. Ou seja, até lá, dá para evoluirmos bastante e fazer bonito pelo Brasil!

Sobre a competição em si, foram duas vias eliminatórias com uma hora de intervalo entre as duas. Os meninos se destacaram entre competidores do mundo todo, e num plano global, ficaram bem colocados, apesar de não terem chego à semifinal.

Nós três fomos os melhores latino-americanos colocados nesta competição, ficando à frente da Argentina, Equador, México, Bolívia e Venezuela, que há cinco anos tem seus atletas apoiados financeiramente pelo governo.

Eu, sem falsa modéstia, fui muito bem e achei que me classificaria para a semi. Completei com facilidade a primeira via (8A/B) e fiquei a cinco lances do final da segunda via (9B). Para falar a verdade, passei a tarde toda ansiosa pelo resultado final, vendo muitas gringas de renome tremerem no lance em que caí. Só que elas não caíam!

Eis um aspecto que faz enorme diferença no final da contas os gringos conseguem seguir muitos lances tijolados, chacoalhando o braço a cada segundo, com um enorme poder de recuperação e controle do pânico, segurando nas minúsculas agarras no limite, abrindo os cotovelos e quase caindo. Porém, na hora do terror, tensionam o corpo inteiro e, nem que seja aos trancos e barrancos, chegam ao final. Inacreditável!

Na verdade, a diferença entre os melhores numa competição está em muitos detalhes:

  • Experiência: a estratégia e o psicológico durante uma via on-sight de competição são fatores que vem com a participação nos campeonatos. Como já disse, a experiência de competição mundial sem dúvida favorece o controle da tremedeira lance a lance graças à auto-confiança, à garra, à estratégia e a soluções rápidas para movimentos complexos, à consciência corporal, a sacadas de descansos, ao “zero a 100” no final, quando o braço está querendo falhar e a detalhes individuais de cada via. Concluímos o quão importante é a adequação do atleta ao estilo de via conforme sua vivência naquele nível, o que lhe proporciona uma melhor performance.
  • Estilo de vias: percebemos que todas as vias de competição mundial são progressivas, isto é, começam com movimentos mais fáceis (conforme o grau proposto) e vão ficando mais difíceis gradativamente, com finais delicados, que exigem empenho e cuidado até dos primeiros colocados.

    Por exemplo: uma via cotada em 9B, como é normalmente a via eliminatória feminina, começa com lances de 8B/C, vai alternando crux de 9A/B, com lances contínuos de 8C e termina com lances de 9B. Ou seja, para completar a via on-sight, pode-se dizer que o atleta tem que mandar 9B à vista, afinal de contas é o que o espera no final, quando teoricamente ele estará relativamente cansado de pelo menos 40 movimentos anteriores. Isto exige dele uma certa recuperação e tática de descanso durante a via, mesmo quando ele não se sente tão cansado. Esta é uma sacada difícil de aplicar quando se está ansioso para ir além na via.

  • Treino físico: os atletas de ponta no mundial como Alex Chabot (França), Patxi Usobiaga e Ramon Julian (Espanha), e Angela Eiter (Áustria) não são os que saem de mão-beijada. Seguem treinos intensos e supervisionados por técnicos que visam além da força máxima, a rápida recuperação durante a escalada, a rapidez e fluidez da escalada, a explosão nos lances, a precisão nos dinâmicos, a precisão nas trocas de pés, o ritmo macio e confiante da escalada, a tensão corporal, o repertório de movimentos, a resistência muscular, o equilíbrio entre todos os eixos corporais, a compensação corporal, a leveza, a perfeita leitura de via e talvez mais uma lista de coisas que eu desconheça. É obvio que o aspecto físico é fundamental na performance, mas ele sozinho não determina um campeão.
  • Estrutura: ter uma estrutura de treinamento próxima, de fácil acesso e de custo acessível durante os treinos e na semana anterior da competição envolve custos e apoio financeiro para bancar as idas e vindas de uma etapa à outra. O deslocamento pode ser feito de avião, que dura menos e cansa menos o atleta, ou de trem que demora mais e pode colocar em risco noites de sono e descanso. Além do preparo e alimentação na semana da competição, o atleta tem que ter dormido muito bem e sentir-se descansado. Numa viagem onde o dinheiro para comer é mais do que contado, sem apoio financeiro, tal aspecto pode ficar um pouco comprometido. No nosso caso, até que nos viramos bem, mas o estresse econômico pesou um pouco.

    Os europeus têm essa vantagem de ter os campeonatos mundiais mais próximos de suas casas, podendo ir e vir mais facilmente. Para nós, brasileiros fica mais caro e mais difícil ir e vir, por estarmos em outro continente.

  • Cultura: o fato do Brasil não ter a cultura da escalada, na minha opinião, não é mais desculpa que possa afetar a nossa performance, principalmente por estarmos atualmente buscando informação e já haverem escaladores jovens despontando no Brasil. Porém, é claro que um maior número de monstrinhos da escalada facilitaria para descobrirmos nosso campeão.

    Acredito que tendo a vontade, o incentivo e a motivação de treinar e evoluir, aliados a apoio-técnico competente, informação atualizada, estrutura financeira suficiente para treinar e competir lá fora, podemos chegar sim cada vez mais perto. O problema é que sem apoio do governo ou de empresas que nos patrocinem, isso se torna realmente uma utopia. De qualquer forma, aos trancos e barrancos, vamos que vamos!

    Por isso, gostaria de agradecer ao meu único patrocinador: a Academia Casa de Pedra, que apesar das dificuldades colaborou de todas as formas para que eu participasse por cinco anos de etapas mundiais, e continuasse motivada a treinar e evoluir. Enormes agradecimentos à Apee e à Femesp, que se desdobram para realizar as etapas paulistas e nos possibilitam momentos tão legais de confraternização e competição. À Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), que nos possibilita atualmente que façamos parte da UIAA e possamos competir e estar ranqueados mundialmente. À Biomecânica Funcional que há um ano me apóia, colaborando para meu equilíbrio corporal e mental.

    Pessoalmente, ao Alexandre Silva, à Maria Lúcia, à minha mãe, à Rosita Belinky, ao Silvério Nery e à Jussara, que me ajudaram em muitos pontos para que este ano, essa participação ocorresse. À Kailash que forneceu o uniforme para a equipe. A todos os amigos e escaladores que me enviaram mensagens de incentivo, parabéns e que torcem de verdade por nós.

    Este texto foi escrito por: Janine Cardoso