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Jericoacoara: paraíso vai virar Parque


Vista do vilarejo entre as dunas. (foto: Camila Christianini)

Até 1985 Jericoacoara era apenas uma pequena aldeia de pescadores, perdida entre dunas imensas e isolada do resto do mundo. Até que o turismo a descobriu e a fama de “Jeri”, como é carinhosamente chamada, não conheceu fronteiras. Jeri é uma APA (Área de Proteção Ambiental) desde 1984. Localizada no estado do Ceará, fica a cerca de 300 km a oeste de Fortaleza.

Tamanha beleza faz com que esse “paraíso brasileiro” seja cada vez mais conhecido e que se lute para preservá-lo. O local apresenta um ecossistema muito frágil, por isso é controlado pelo Ibama. Jericoacoara vai deixar de ser uma simples APA para se tornar Parque Nacional.

Mudanças – Os limites da APA se estendem 10 km de distância do litoral e, dentro desse limite, não é permitida a construção de estradas, caça, pesca predatória ou qualquer tipo de poluição. Com a classificação de Parque passará a ter uma área de aproximadamente 5.400 hectares e o projeto, já finalizado, espera apenas a assinatura do Presidente da República para sair do papel. “O turismo não vai acabar, ele apenas será disciplinado”, afirma Djalma Silva, substituto do gerente executivo do Ibama em Fortaleza.

Jeri já foi matéria de vários programas de televisão e publicações importantes no mundo inteiro. O jornal americano “Washington Post Magazine” a escolheu como uma das dez mais belas praias do planeta em 1994. Jericoacoara também foi cenário do longa-metragem “A Ostra e o Vento”.

E por ser um lugar paradisíaco, a comunidade que hoje vive no vilarejo de Jericoacoara depende da administração do Ibama para que esse berço de belezas naturais possa ser preservado.

Jericoacoara está cercada por diversos cenários. Dunas móveis gigantescas, lagoas de água cristalina, manguezais, coqueirais, praias de enseada com mar calmo, praias de oceano com ondas, praias rochosas e cavernas transformam o local em um paraíso cinematográfico.

Em meio a esse oásis está a vila de pescadores, habitada por pessoas simples, que não têm acesso a grande parte dos instrumentos utilizados pelos turistas que chegam à praia, como cartões de crédito, por exemplo.

Com menos de 2 mil habitantes, Jeri apresenta característica de uma civilização sem alcance à tecnologia. Não existem postes na rua, todo o sistema de eletricidade é subterrâneo e a vila de pescadores, à noite, é iluminada apenas pela lua. Existem apenas dois telefones públicos no vilarejo. Não existem muros e nenhum tipo de grafitagem. “Temos ao longo do tempo procurado segurar a característica da vila de pescadores, mas isso é difícil, pois não podemos impedir que pessoas do mundo todo possam conhecer Jericoacoara”, diz Romeu Aldiguere, gerente executivo do Ibama em Fortaleza.

Segundo o Ibama, Jeri está dividida em oito lotes de terras e sete deles serão a área do Parque, sendo que apenas a vila de pescadores ficará de fora. “A vila vai continuar sendo APA apenas por enquanto, porque ela já tem um plano diretor para deixar de ser”, diz Romeu.

A simplicidade da vila – A vila de Jericoacoara ocupa apenas 1km² da APA e tem algumas normas a seguir: deve manter o padrão arquitetônico existente, ocupar no máximo 50 % do terreno, ter no máximo 250 m² e ter somente um pavimento, de até 4 metros de altura. A construção de hotéis e pousadas no local está proibida desde 1992, pelo Ibama.

Recentemente foi feito um estudo em Jeri e constatou-se que um dos grandes problemas do local é o acúmulo de lixo, produzido pelo aumento do uso de produtos industrializados (embalagens de plástico, alumínio, papelão, lata, vidro) causado pelo aumento do número de turistas. Já está sendo construída uma usina de reciclagem na vila para amenizar o problema.

Por ser uma área de proteção ambiental não existem estradas de acesso a Jeri nos últimos 15 km, pois a construção de estradas dentro da APA é proibida por lei. Para chegar lá é preciso um veículo 4×4. Mesmo sendo tão difícil se chegar lá, o Instituto do Meio Ambiente e o Ibama querem aumentar ainda mais a restrição ao local.

Muitas pessoas ao visitarem Jericoacoara reclamam da falta de infra-estrutura e da dificuldade de acesso ao local, que é feito através de pau-de-arara (caminhões com bancos c com teto de lona) ou caminhonetes. Essa é a primeira emoção vivida por quem deseja conhecer esse paraíso, pois a chegada a Jeri é feita apenas de madrugada, e os bugueiros controlam as caminhonetes por um infinito corredor de areia, orientados pelas estrelas.

Até o início de 1998 a energia elétrica vinha de geradores. Hoje, existe uma rede elétrica subterrânea, que alimenta apenas as casas, sem postes de iluminação, para preservar a iluminação “natural” proveniente da lua e das estrelas.

A população de Jericoacoara, que sempre viveu da pesca, mudou de atividade. Hoje, a pesca está desaparecendo em Jeri, porque o turismo dá mais dinheiro e é menos arriscado. O peixe, alimento indispensável nos restaurantes, agora é trazido de outras vilas de pescadores.

Há pouco tempo cerca de cem canoas saiam para a atividade pesqueira todos os dias. Hoje, quando dez saem ao mar, já é motivo de festa. Essas cem canoas deram lugar a 98 buggies à disposição dos turistas, que passeiam pelas dunas durante todo o dia. Em 1 hora levando os turistas para conhecer as dunas em um passeio de buggy, ganham mais do que um dia em alto mar. Cerca de 90% do vilarejo trabalha em atividades ligadas ao turismo.

O capitalismo – Jeri virou “cosmopolita”, como se diz no vilarejo. Recebe gente de todos os cantos do mundo, que chegam com cartão de crédito. Apenas uma pousada em toda a Jeri aceita cartões. Lá não tem uma escola, não tem um hospital, não tem uma creche. “A vila não tem o mínimo necessário. O Estado vai construir esses equipamentos públicos assim que estiver sob seu controle”, diz Romeu, preocupado com as necessidades básicas da comunidade.

“Com a implantação dos equipamentos mínimos necessários, o próprio município vai gerenciar a última área do sistema de terras que é a vila, e o Ibama vai tomar conta das outras áreas. Vai recuperar o Serrote, cuidar das lagoas costeiras, normalizar as trilhas e fazer todo tipo de sustentação”, completa. O Serrote é uma colina de aproximadamente 100 metros que protege o vilarejo.

O Ibama assegura que a criação do Parque Nacional é uma grande vitória para o meio ambiente. “Nós vamos controlar mais o fluxo turístico, proteger mais a área, delimitar as trilhas, para controlar melhor o meio ambiente”.

Com a classificação do Parque Nacional os passeios de buggy e caminhadas pelas dunas de Jericoacoara poderão continuar, mas as trilhas serão organizadas e sinalizadas para amenizar o impacto sobre o meio ambiente. Os bugueiros que fazem o transporte das pessoas de Jijoca, cidade vizinha, até Jericoacoara poderão continuar com seu trabalho. Embora existam muitas trilhas de acesso a Jeri, apenas a de Jijoca será regulamentada. A pesca não será afetada, pois a área do futuro Parque não se entenderá até o mar.

Jeri ficará cercada por todos os lados (menos pelo mar) por um parque em forma de ferradura. As famílias que vivem nessa área serão retiradas do local e reassentadas. Os passeios com veículos motorizados serão regulamentados, e ficarão totalmente proibidos na área do Serrote e suas imediações. “A movimentação de veículos no Serrote pode provocar erosões e prejudicar o povoado”, diz Djalma.

Preço a pagar – Toda a área transformada em Parque Nacional poderá ser utilizada apenas para ecoturismo e pesquisa científica. “O Ibama vai cercar a área toda, delimitar quais as trilhas que poderão ter acesso a Jeri, já que hoje há uma série delas. Vamos cercar toda a área e colocar guaritas. O Parque Nacional é uma Unidade de Conservação mais restritiva ainda do que a APA”.

O que poderá continuar sem restrições serão as caminhadas à Duna do Pôr-do-Sol, que não dependem de buggies para o acesso ao local. Em 40 minutos de caminhada pelo morro, chega-se a uma grande rocha, com um buraco no meio na qual o sol faz o espetáculo, se escondendo em meio à rocha proporcionando aos turistas um visual maravilhoso. É o principal cartão-postal de Jericoacoara, que a comunidade local espera manter vivo para sempre.

E a bela Jericoacoara hoje paga um preço por conter belezas naturais que encantam os olhos de qualquer turista: ela depende do Ibama para que seu paraíso de dunas e lagoas costeiras não sofram o impacto que o fluxo turístico possa causar à sua natureza e possa continuar, assim, encantando a todos.

Serviço
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Este texto foi escrito por: Camila Christianini